Clínica dentária gratuita de imigrante deve atender 15 mil até o fim do ano

O libanês Vivian de Picciotto chegou ao Brasil em 1960, aos 14 anos, após viajar com a mãe e um irmão num porão de navio

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Por José Maria Mayrink
Atualização:

SÃO PAULO - A pequenina Camille, de 2 anos, surpreendeu a mãe, Emília Santana, na cadeira de dentista, quando a doutora Fernanda Castro pediu que ela abrisse a boca para examinar os seus dentes. A menina ficou bem quietinha e até sorriu, ao ouvir palavras carinhosas, enquanto uma escovinha explorava sua gengiva, entre paredes coloridas do consultório, cobertas de desenhos infantis que enfeitam também aventais da equipe de atendimento da odontopediatria. 

'Quando eu era menino, morria de medo de ir ao dentista e, talvez por isso, imaginei proporcionar assistência odontológica a crianças de famílias carentes', diz o empresário Vivian de Picciotto Foto: Rafael Arbex/Estadão

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"Ela não é tão calma assim", comentou Fernanda, maravilhada com a reação da filha que, em uma quarta-feira de março, recebeu na Clínica Odontológica Fortunée De Picciotto, no Bom Retiro, região central de São Paulo, com a profilaxia, os primeiros cuidados de uma assistência que poderá se prolongar ali até os 17 anos de idade. Sem pagar nada, pois é essa a promessa e a filosofia do empresário Vivian de Picciotto, um imigrante libanês que chegou ao Brasil em 1960, aos 14 anos de idade, viajando com a mãe e um irmão, em um porão de navio.

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Era uma família modesta, mas Vivian e Mosé, seu irmão, conseguiram montar um negócio com as economias, US$ 3 mil, que a mãe trouxe de Beirute. Perderam dinheiro na primeira hora, mas logo se recuperaram. Vivian abriu confecções e lojas nas Ruas José Paulino, no Bom Retiro, e Silva Teles, no Brás. Em 1966, já era dono do galpão da Rua Visconde de Taunay, onde hoje funciona a clínica.

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Mosé mudou-se para a Argentina e Vivian tocou sozinho os negócios. Ficou rico. Ao se aposentar, achou que devia fazer alguma coisa para retribuir a acolhida que o Brasil lhe deu. Pensou então na clínica.

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"Quando eu era menino, morria de medo de ir ao dentista e, talvez por isso, imaginei proporcionar assistência odontológica a crianças de famílias carentes", disse o empresário. 

A Associação Fortunée De Picciotto nasceu em 2009, inspirada pelas ações filantrópicas da mãe, que sempre ajudou os necessitados. Vivian, que é judeu libanês,buscou referências e conceitos em Israel para fundar a clínica odontológica. Contou com assessoria de dois amigos, Marco Antonio Bottino, doutor em Clínica Integrada de Odontologia pela Universidade de São Paulo (USP), e Francisco Todescan, professor da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp). Depois de vencer vários obstáculos burocráticos, conseguiu aprovar o projeto e abrir a clínica em2014.

"Tive de construir até instalações de gás, exigência da Comgás (Companhia de Gás de São Paulo), embora a Rua Visconde de Taunay não tenha ainda gás encanado", revela o fundador e presidente da associação. 

A clínica atende crianças e adolescentes de 2 a 17 anos. Os pacientes, cujo número começou com 113 em 2014 e deve alcançar 15 mil por ano em 2018, são encaminhados por 39 entidades que têm convênio com a Associação Fortunée De Picciotto. Todos os funcionários são remunerados.

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"Alguns de nossos dentistas complementam os salários em consultórios particulares", informa a responsável pelo atendimento da clínica, Nádia Salem, mestre em Odontopediatria pela USP.

Após contato com a família, para identificar seu perfil socioeconômico, as crianças são avaliadas para diagnóstico e recebem um plano de tratamento.

Enquanto esperam na recepção, no segundo dia depois da avaliação, as crianças ganham um lanche e assistem a um teatrinho de marionetes. É uma peça de oito minutos sobre a importância de cuidar da boca, com escova, pasta e fio dental. Escovação e tratamento de cárie precoce são prioritários. A clínica tem consultórios, serviço de raio X, salas de expurgo, esterilização, laboratório e copa para os funcionários. Vivian De Picciotto banca todas as despesas, pois não recebe nem quer receber verbas oficiais. "Tudo o que necessitamos para seguir em frente são parceiros generosos do setor privado, que possam nos ajudar com os recursos necessários para continuarmos evoluindo com esse sonho, tornando-o autossustentável", diz o empresário em um folheto de apresentação da Associação Fortunée De Picciotto.  

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Faculdades

Crianças e adultos podem fazer tratamento dentário gratuito em faculdades de Odontologia de universidades públicas e privadas. Os pacientes são tratados por alunos, com orientação de um professor.

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"Atendemos a todas as áreas, incluindo a odontopediatria", informa o professor Carlos Alberto Adde, supervisor da Odontologia da USP, que recebe cerca de 1.500 pacientes por mês ou 15 mil por ano.

O horário de atendimento, das 8 horas às 12 horas e das 14 horas às 17 horas, de segunda a sexta-feira, pode sofrer alterações, de acordo com o calendário escolar. O serviço não funciona durante as férias escolares, porque depende dos alunos. 

O tratamento é gratuito, exceto as próteses e procedimentos que têm custo de laboratório. Os preços da tabela são mais baixos do que aqueles cobrados pelo mercado. Os contatos para triagem e cadastramento devem ser feitos na faculdade, e o atendimento está sujeito a lista de espera. Em casos especiais, o paciente pode dirigir-se diretamente à faculdade. O setor de urgência atende a pessoas de qualquer idade que estejam com dor de dente, abscesso ou hemorragia. 

A Clínica de Odontologia da Universidade Paulista (Unip) tem 280 equipes (ou consultórios) e atendeu 27 mil pacientes em 2017, no bairro de Indianópolis, na zona sul da capital. Oferece serviços de restaurações, tratamento de gengiva e de canal, além de cirurgias, prevenção e obtenção de diagnósticos de doenças bucais. Se não houver vaga disponível, após breve tratamento, as pessoas são inscritas em um cadastro e avisadas quando houver disponibilidade. Cirurgias não têm lista de espera.

"Fizemos 121.941 atendimentos em 2017, somando todas as clínicas da Unip" , informa o coordenador geral das unidades, professor Carlos Eduardo Alegretti.

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Além da capital, a universidade tem faculdades de Odontologia em Campinas, Sorocaba, Brasília, Goiânia e Manaus. A maior demanda se registrou em Goiânia, com 37.008 atendimentos. A Clínica Odontológica de Indianópolis atendeu 2.480 pacientes com doenças infectocontagiosas (como HIV/aids e hepatites virais) e portadores de síndromes, doenças sistêmicas, paralisia cerebral e outras patologias. 

Serviço

Associação Fortunée De Picciotto Rua Visconde de Taunay, 335, Bom Retiro, São Paulo Telefone: (11) 3284-1484

Faculdade de Odontologia da USP Avenida Professor Lineu Prestes, 2227, Cidade Universitária, Butantã, São Paulo Telefone: (11) 3091-7418

Clínica de Odontologia da Unip Avenida José Maria Whitaker, 256, Vila Clementino, São Paulo Telefone: (11) 5586-4132

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