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Colégios de SP recomendam quarentena a alunos que estiveram em países afetados pelo coronavírus

Orientação das escolas contraria recomendação das autoridades nacionais, estaduais e municipais de saúde e vigilância

Foto do author Renata Cafardo
Por Renata Cafardo , Paloma Côtes e Isabela Palhares
Atualização:

SÃO PAULO - Preocupados com o surto de coronavírus em outros países, colégios particulares de São Paulo enviaram comunicados aos pais e alunos recomendando quarentena em casos de famílias que voltaram de países atingidos pela doença. O pedido vai contra o que determina tanto o Ministério da Saúde quanto as secretarias estaduais. O Brasil tem dois casos confirmados da doença, os dois em São Paulo. O país tem outros 252 casos suspeitos. 

Por medida preventiva, Pueri Domus recomendou que alunos que tenham visitado países com surto da doença durante o carnaval cumpram quarentena de 14 dias, mesmo se não apresentarem sintomas da doença Foto: WERTHER SANTANA/ ESTADÃO

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O colégio Miguel de Cervantes, no Morumbi, mandou na semana passada um comunicado pedindo que quem viajou às áreas de risco não frequente a escola. “Solicitamos que os alunos cujas famílias viajaram durante o feriado de Carnaval para Alemanha, Austrália, China, Cingapura, Coreia do Sul, Emirados Árabes, Filipinas, França, Hong Kong, Irã, Itália, Japão, Laos, Macau, Malásia, Tailândia, Taiwan permaneçam em casa por 14 dias, mesmo que não apresentem sintomas da doença”. 

Também em mensagem aos pais, o colégio Pueri Domus afirma que, "por medida preventiva, orienta que qualquer aluno ou familiar mais próximo que tenha visitado países com surto da doença durante o carnaval avise a coordenação da escola e cumpra quarentena de 14 dias, mesmo se não apresentar sintomas da doença." O mesmo se aplica aos funcionários, de acordo com o texto. O textos das duas escolas também dão informações sobre como se proteger da doença.

A escola americana Avenues fez o mesmo, pediu que as famílias que estiveram em países atingidos pelo coronavírus fiquem em quarentena por 14 dias após retornar de viagem. A lista inclui 16 países, entre eles Alemanha França e Itália. O comunicado diz que a medida pode causar incoveniente para algumas famílias. Mas ressalta que "é importante agir com cautela para reduzir o risco à nossa comunidade". A assessoria da Avenues informou que a medida é "apenas uma recomendação" às famílias.

Recomendação semelhante foi feita pela escola britânica St Paul´s School. Em mensagem aos pais, pede que as crianças fiquem em casa por 14 dias ou "até ter a autorização de um médico" se tiverem voltado de países com surto da doença.  

A quarentena sugerida pelos colégios contraria as orientações que as autoridades nacionais, estaduais e municipais de saúde e vigilância sanitária têm feito à população. O Ministério da Saúde e as secretarias estadual e municipal de São Paulo não recomendam o isolamento ou quarentena de pessoas que não tenham apresentado sintomas ainda que tenham viajado para os países com surto da doença. 

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira, disse nesta segunda-feira que em “nenhum momento” o governo está orientando pessoas a não irem à escola ou trabalho em função da epidemia do novo coronavírus. “Se voltou de viagem com local de coronavírus, por bom senso, precisamos ficar atentos a condição de saúde, reforçar hábitos de higiene, mas isso é para qualquer um. Caso apresente sintomas, procure unidade de saúde. Em nenhum momento estamos falando para pessoas não irem ao trabalho ou escola”, disse o secretário.

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Na sexta-feira, 28, durante coletiva de imprensa, o infectologista David Uip, coordenador do Centro de Contingência para o Coronavírus em São Paulo, já havia dito que estava recebendo mensagens e telefonemas de diretores de escolas questionando sobre a necessidade de quarentena para alunos que voltassem de viagem da Europa. Uip disse que não havia recomendação nesse sentido. 

"Decisões como essa são de política pública e a responsabilidade para a tomada delas é do governo federal, do Ministério da Saúde. Se cada um começar a fazer o que quer, isso vai acabar mal. Tem um ministro que é responsável por essa decisão, por essa orientação pública. A decisão não é individual, por isso, acho que deve haver muito cuidado", disse na entrevista. 

O Pueri Domus disse à reportagem que não há uma proibição, que não se tratou de nenhuma determinação e que nenhum aluno ou colaborador foi ou será impedido de ingressar nas unidades. Segundo o colégio, crianças que viajaram e estão assintomáticas estão frequentando a escola, se essa for a vontade dos pais. Não há qualquer tipo de checagem para impedir crianças que tenham ido para os países com surto da doença, de acordo com a instituição de ensino.  Além disso, em nota, o Pueri Domus informa que os alunos estão recebendo constantemente orientações à respeito das boas práticas de prevenção ao vírus. A escola tem quatro unidades e faz parte do Grupo SEB, um gigante educacional.

A pediatra e mãe de dois alunos do Pueri Domus, Kátia Amaral Ladeira, de 44 anos, acha que os pais estão em pânico desnecessariamente. Ela entendeu a carta do colégio como uma recomendação apenas e acredita que crianças que não tiverem sintomas, mesmo que tenham viajado para países com surto, não precisam ficar em casa. “Não existe isso de quarentena para qualquer um que foi viajar. O que é importante é procurar o serviço médico se tiver os sintomas, fazer os exames e aí, sim, ver o que fazer”.

Em comunicado enviado aos pais, Colégio Santa Cruz recomendou higiene das mãos no combate ao coronavírus Foto: Tiago Queiroz / Estadão

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Procurada, a assessoria do Miguel de Cervantes sustentou que trata-se de uma "solicitação" e que a escola está entrando em contado com os pais para analisar cada caso. A recomendação, segundo a assessoria, será reavaliada nesta terça-feira, quando a escola fará com um encontro com uma infectologista.

A publicitária Andressa Almeida Jaime, de 44 anos, que tem dois filhos na escola, gostou da recomendação. “Sei que é difícil para a escola tomar uma posição dessas, mas achei positivo”. Na sala dos dois meninos, de 4 e 8 anos, há crianças que foram para a Europa no Carnaval, e estiveram em países como França e Itália. 

“Estou muito preocupada, é uma doença nova, não tem vacina, e não tenho certeza que as mães vão cumprir a recomendação”, diz. Ela acredita que a escola não possa impedir crianças de entrarem nas salas de aula e que os pais devem agir com bom senso. “Se eu tivesse voltado da Europa, deixaria meus filhos ao menos dias em casa”.

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Medidas de higiene

Outras escolas também enviaram comunicados sobre a doença, mas sem recomendação de quarentena. O colégio Oswald de Andrade, na Vila Madalena, informou em mensagem aos pais que está orientando alunos, professores e colaboradores em relação a cuidados básicos para prevenção de gripes em geral. O texto fala sobre lavar as mãos frequentemente, com água e sabão, e também recomenda o uso de álcool gel. Também ensina como descartar lenços de papel e os cuidados ao levar a mão a boca ou nariz ao tossir e espirrar. O texto diz também que a escola mantém a higienização constante da unidade de ensino. 

Em carta aos pais, o Colégio Santa Cruz, em Pinheiros, também recomenda a importância da higienização das mãos. E solicita que não sejam levados ao colégio alunos em estado febril ou com sintomas respiratórios. E pede que o colégio seja avisado sobre diagnósticos de doenças infectocontagiosas. 

O colégio Dante Alighieri recomendou que alunos doentes, com sintomas como febre, tosse seca, coriza e falta de ar, e que tenham recém-chegado de viagens ao exterior, não sejam levados para a escola Foto: ANDRÉ LESSA/ AE

Também em texto enviado aos pais, por e-mail, o Dante Alighieri recomenda que alunos doentes, com sintomas como febre, tosse seca, coriza e falta de ar, e que tenham recém-chegado de viagens ao exterior, não sejam levados para a escola. O comunicado foi enviado na quarta-feira de Cinzas, dia 26. O Dante informa que também iniciou uma ação de conscientização sobre o coronavírus, com cartazes colados na escola e posts em redes sociais. Além disso, o colégio, que tem 19 mil metros quadrados, possui diversos dispensers com álcool gel. O tema coronavírus também vem sendo abordado em aula pelos professores de Ciências e Biologia, que estão tirando dúvidas dos alunos. O Dante Alighieri tem 4.600 alunos e 900 funcionários. 

O Colégio Bandeirantes também enviou comunicado aos pais em relação ao coronavírus e diz que está reforçando procedimentos para prevenção de gripes em geral, com salas de aula ventiladas e dispenser de álccol gel nesses ambientes. Também fala no comunicado da importância de lavar as mãos e diz que alunos que apresentam sintomas de problemas respiratórios, como tosse, coriza ou dor de garganta, devem ficar em casa.

Na semana passada, em nota, a Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar) recomendou que as escolas mantenham as aulas regularmente e que sejam repassadas às famílias orientações quanto a medidas de higiene que possam reduzir quadros de contaminação. O texto diz que as escolas devem orientar também as famílias e alunos que viajaram a países nos quais há mais casos de coronavírus para que procurem as autoridades sanitárias no caso de haver sintomas de gripe (febre, dor de garganta, dificuldades respiratórias). O texto também afirma que, se o aluno tiver sintomas de gripe e tiver realizado viagem recente a países da Europa ou Ásia, ele não deve frequentar as aulas e que a escola deve ser informada para tomar providências pedagógicas de apoio ao aluno. 

Especialistas não concordam com remendação de quarentena

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"Escolas, sejam públicas ou particulares, devem seguir as normativas da Organização Mundial da Saúde [OMS] e do Ministério da Saúde. Esse tipo de orientação traz confusão e pânico a todos, sem qualquer sustentação na literatura", disse o infectologista Jean Gorinchteyn. Para ele, a conduta só deve ser tomada caso as crianças apresentem sintomas da doença, não antes disso. O isolamento de pessoas com sintomas também deve ocorrer caso elas tenham entrado em contato com alguém que tenha viajado. 

Segundo os infectologistas, a decisão individual é "inócua" para conter a circulação do vírus, causando apenas pânico sem ser efetiva. 

"Faz sentido, do ponto de vista epidemiológico, a quarentena de países com grande incidência de casos, mas não vai conter o avanço do vírus. Daqui duas ou três semanas, não vai mais fazer sentido dizer de onde a pessoa veio ou não, vai haver transmissão local no Brasil. É inexorável", disse Francisco de Oliveira Junior, médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

COLABORARAM AMANDA PUPO E MATEUS VARGAS