Colômbia se prepara para explorar maconha medicinal

Após acordo de paz com as Farc, produção de droga legalizada pode se tornar importante para a economia do país que lutou contra o narcotráfico por décadas

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Por Nicholas Casey
Atualização:
Blanca Riveros cultiva maconha há anos em uma área que era controlada por rebeldes: 'Como é que vou alimentar minha família?' Foto: Juan Arredondo/The New York Times

CORINTO - Há anos, Blanca Riveros tem a mesma rotina: depois de preparar o café da manhã e levar seu filho à escola, ela volta para casa para enfrentar um grande saco plástico cheio de maconha.

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Ela corta as plantas e as deixa prontas para os traficantes colombianos. Quando volta da escola, seu filho ajuda a cortar mais.

O negócio há tempos era supervisionado pelo maior grupo rebelde do país, que dominava a região, taxava as drogas e se tornou conhecido internacionalmente por traficar bilhões de dólares em substâncias ilícitas. Mas, quando o governo assinou um acordo de paz com os guerrilheiros no ano passado, o Estado chegou e recuperou essa remota vila na montanha, ameaçando acabar com o comércio.

"Como é que vou alimentar minha família?", pergunta Blanca.

Agora ela tem uma opção improvável: plantar maconha com a bênção do Estado.

Com a aprovação do governo, uma empresa canadense chamada PharmaCielo está trabalhando para produzir a droga legalmente na Colômbia e quer contratar.

É uma experiência pouco ortodoxa do país, que destaca as mudanças da região em relação às drogas depois de décadas lutando contra elas.

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A Colômbia recebeu bilhões de dólares de ajuda dos Estados Unidos para erradicar o comércio de drogas. Mas, segundo o governo, vai começar a emitir licenças para um pequeno número de companhias, entre elas a PharmaCielo, sob uma lei de 2015 que permite o cultivo de maconha medicinal.

Em lugares como o México e o Afeganistão, os esquemas de substituição de culturas envolveram tipicamente convencer os fazendeiros a trocar cultivos ilícitos por produtos da agricultura tradicional. Papoulas foram substituídas por trigo; folhas de coca por café.

Raramente um país pegou uma droga ilegal supervisionada por uma organização criminosa e tentou substituí-la pela mesma cultura produzida legalmente e vendida por corporações.

Federico Cock-Correa em uma estufa de cultivo de maconha na subsidiária colombiana da empresa PharmaCielo Foto: Juan Arredondo/The New York Times

"Aqui nós temos uma oportunidade totalmente nova", afirma Alejandro Gaviria, ministro da Saúde da Colômbia, cuja agência está emitindo as licenças.

Gaviria diz que as décadas de esforço da Colômbia para fazer com que os plantadores de drogas mudassem para outras culturas deram em nada: os camponeses conseguiam menos dinheiro, o desenvolvimento rural regrediu e alguns fazendeiros simplesmente voltaram ao cultivo da droga.

"Foi um fracasso completo", conta ele.

Agora, afirma Gaviria, as drogas legais podem se tornar uma ferramenta econômica importante para a Colômbia pós-conflito.

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Mais de 220 mil pessoas foram mortas enquanto os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, ou Farc, travaram 52 anos de guerra contra grupos paramilitares e o governo, substituindo o Estado completamente em alguns lugares. Nas últimas décadas, os guerrilheiros se voltaram para os narcóticos, financiando o conflito com pedágios sobre a maconha e a cocaína, relatam especialistas e autoridades do governo.

A lógica agora: e se esses lucros forem para o governo e os camponeses?

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Há também um terceiro personagem que vai lucrar muito com esse negócio que acabou de se tornar legal: a canadense PharmaCielo. Outras, entre elas uma empresa colombiana, estão atrás de licenças, mas a PharmaCielo é a mais proeminente na busca de áreas para cultivo que antes eram controladas pelos rebeldes.

Estabelecida em 2014, enquanto a nova lei estava tomando forma, a PharmaCielo já está testando cepas de cannabis mais potentes do que aquelas que os rebeldes dominavam. Entre seus diretores estão executivos que já trabalharam na Philip Morris e na Bayer. A empresa vê um futuro em que a indústria de drogas legais será controlada pelo mesmo tipo de corporação multinacional que o movimento guerrilheiro marxista-leninista queria expulsar do país.

Em Corinto, a empresa já assinou um acordo com uma cooperativa de trabalhadores que fornecerá mão de obra, com planos de eventualmente mudar com suas próprias estufas, fábricas e fertilizantes.

"Os camponeses foram forçados a produzir essas plantas", explica Federico Cock-Correa, que lidera a subsidiária colombiana da PharmaCielo e promete pagar a seus agricultores muito mais do que ganhavam durante a guerra.

A sede colombiana da empresa fica em terrenos agrícolas nos arredores de Medellín, área mais conhecida por causa do chefão Pablo Escobar, que a dominou por décadas. Cock-Correa, no entanto, é novo no ramo das drogas, e está chegando à maconha depois de uma longa carreira exportando crisântemos para os Estados Unidos, que, segundo ele, crescem de maneira parecida à da maconha.

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Cock-Correa abre uma porta trancada de suas instalações e mostra qual será o futuro industrial das drogas colombianas. Estufas imensas. Fertilizantes orgânicos. Uma área de teste com 19 plantas de maconha, de quase quatro meses, algumas mais altas do que ele.

Para a PharmaCielo, o primeiro desafio foi fazer pressão para mudar as leis da Colômbia, que recebeu US$ 10 bilhões de ajuda dos Estados Unidos nas últimas duas décadas para combater o comércio de drogas. O governo colombiano vai continuar com seus esforços de erradicar cultivos como a folha de coca, que é usada para fazer cocaína, e de maconha plantada ilegalmente.

Mas Cock-Correa, que tem o ex-presidente Álvaro Uribe entre seus vizinhos, diz que as autoridades do governo ficaram fascinadas com a ideia de usar cannabis legal e medicinal como uma ferramenta para desenvolvimento regional quando os rebeldes saíram de cena. A lei de 2015 permite o cultivo de cannabis para o mercado doméstico e para a exportação de produtos de maconha medicinal como óleos e cremes.

A perspectiva de trocar para qualquer outro cultivo dá arrepios aos produtores da região. Quem compraria tomates se já há o suficiente no mercado?

Elmer Orozco tentou plantá-los cerca de oito anos atrás e descobriu que, ao contrário da maconha, que vai para fora do país, o único mercado a que ele tinha acesso para seus tomates era o da cidade. Os compradores ofereceram a ele US$ 0,13 por quilo do produto.

Orozco retornou para a maconha e seus preços altos.

"Outros tipos de agricultura não dão lucro aqui", diz ele.

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Plantação de maconha em Corinto.O prefeito estima que dois terços da população da cidade dependam da cannabis para sobreviver Foto: Juan Arredondo/The New York Times

Mas Blanca, a mãe que corta as plantas de maconha, afirma que seus lucros no mercado ilegal caíram a menos da metade desde que as Farc saíram de cena. Os especialistas dizem que o mercado nos tempos de paz está cheio de cannabis porque a produção pode sair com mais facilidade do território rebelde, agora que os guerrilheiros não o controlam mais.

Suas esperanças agora estão com a PharmaCielo.

"Seria um milagre para nós", afirma.

Mas, por enquanto, ela ainda corta plantas de maconha para grupos mafiosos que chegam a Corinto.

Blanca pega um saco cheio pela metade e começa a preparação, usando tesouras e o dedo indicador, torto depois de anos fazendo o mesmo trabalho. Seu filho de oito anos se senta a seu lado, assistindo a um programa de cavalos colombianos no YouTube usando um roteador de Wi-Fi que compraram com dinheiro da maconha.

Então, possíveis clientes param um carro na frente de sua pequena casa de barro. Blanca puxa um saco de plástico com a erva cortada.

"Vai ser muito mais técnico com a empresa", diz ela sobre a PharmaCielo.

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Estava escurecendo. Blanca passa por um campo com suas próprias plantas e então chega a um galpão com um forno onde longos ramos de cannabis estão pendurados no teto para secar.

À medida que o sol de põe, os agricultores da vila começam a acender as luzes sobre suas plantas, terreno a terreno. Em pouco tempo, toda a encosta parece iluminada. As outras montanhas também. As luzes dos arranha-céus de Cali cintilam à distância.

"Não é lindo?", pergunta Blanca.