22 de maio de 2021 | 14h00
Pessoas com comorbidades têm relatado dúvidas, falta de informação e até dificuldades para receber a vacina contra a covid-19 em diferentes estados brasileiros. Um dos motivos é a divergência de requisitos adotados pelas prefeituras, que criaram exigências adicionais às indicações do Plano Nacional de Imunização (PNI), estabelecido pelo Ministério da Saúde.
Nas redes sociais de prefeituras, governos estaduais e órgãos públicos, milhares de comentários com dúvidas sobre o tema se multiplicam diariamente. A população questiona sobre os documentos necessários, doenças incluídas, tipos de hipertensão e asma considerados e uma infinidade de outros pontos.
Pessoas com doenças neurológicas crônicas são incluídas em grupo prioritário da vacinação
Fora do ambiente digital, porém, a situação não é tão diferente. "Está uma falta de informação total, ninguém sabe de nada", critica o mecânico aeronáutico Luciano Corrêa de Souza, de 46 anos. De São Carlos, no interior de São Paulo, ele teve a primeira tentativa de tomar a vacina negada porque o documento enviado pelo médico não trazia a palavra "imunossuprimido" e o nome dos remédios que toma.
Antes de ir ao ponto de imunização, ele já havia anexado cópias de documentos, como identidade e comprovante de residência, no site municipal. Ao chegar, teve novamente os papéis conferidos, recebendo a negativa após 2 horas de espera. "Deveriam saber que transplantado é imunossuprimido."
O comprovante trazia a confirmação de que Souza tem um rim transplantado e toma medicamentos diversos diariamente, o que o configura como uma pessoa com imunodepressão e, portanto, parte do grupo prioritário da vacinação.
"A carta do médico tinha dados, data, tudo, recomendando tomar a vacina da covid e da gripe", comenta. "Um amigo que também é transplantado (e mora na mesma cidade) só levou uma carta e foi vacinado. Cada lugar faz o que quer, não tem orientação."
Ele procurou, então, novamente o médico, que enviou uma carta em que descrevia o tratamento e a condição de imunossuprimido. "Cheguei no outro posto e a moça pediu também uma receita dos remédios", relata. Mas, dessa vez, insistiu que o comprovante era suficiente e conseguiu ser, enfim, vacinado. "É uma criação de caso em cima da outra."
Para ele, os municípios deveriam ser subordinados às exigências dos Estados a fim de evitar desinformação e conflitos, ainda mais por envolver uma população que é mais vulnerável a desenvolver casos moderados e graves da covid-19. "Não dá para ficar indo nesses lugares cheios. Eu não estou saindo de casa há 1 ano e 2 meses."
Para as comorbidades, segundo o PNI, bastaria a apresentação de "qualquer comprovante que demonstre pertencer a um destes grupos de risco (exames, receitas, relatório médico, prescrição médica etc.)", além de "cadastros já existentes dentro das Unidades de Saúde".
Já a maquiadora Luana Calvelli, de 32 anos, enfrentou dificuldades na comprovação, pois não havia agenda disponível para atendimento médico nos próximos dias nas unidades de referência da região em que vive, no Rio. Por estar desempregada, ela não tinha como procurar um atendimento particular para obter um atestado ou laudo.
"Para obesidade, basta um profissional da área da saúde para medir sua altura, ver quanto você pesa e calcular o IMC. Não tem como forjar um laudo de obesidade, basta olhar para a pessoa. Isso poderia ser feito no ato da vacinação", defende. A obesidade é diagnosticada exclusivamente com um cálculo simples do Índice de Massa Corporal (IMC), feito a partir das medidas de peso e altura.
Por morar com o pai idoso e com comorbidades, ela insistiu em procurar uma alternativa para ser vacinada. "Mandei mensagem para várias pessoas públicas, vereadores, para ver se alguém poderia fazer algo, pois percebi que essa dificuldade não era só minha."
A maquiadora conta que a mãe, que é diarista, comentou sobre a situação com uma cliente, para quem faz faxina regularmente. A mulher pediu à nora, que é médica, para atender Luana de forma gratuita, a fim de constatar o IMC e emitir o laudo. "Se não fosse por isso, não tomaria a vacina agora, perdendo o meu direito enquanto pessoa com comorbidade", desabafa.
A comprovação de obesidade é distinta em outros locais do País. Em Manaus, por exemplo, basta apresentar um comprovante de IMC com valor igual ou maior que 40 assinado por um profissional de saúde com nível superior, como nutricionista, farmacêutico, médico, enfermeiro e educador físico. No Rio Grande do Sul, por sua vez, a orientação é apresentar uma declaração de próprio punho, mas parte dos municípios gaúchos também faz exigências adicionais.
Em Fortaleza, por exemplo, a pensionista Maria do Carmo Freitas, de 59 anos, teve a imunização negada porque a equipe não aceitou exames datados de agosto passado, embora a paciente tenha cardiopatia, estente (prótese interna que evita o entupimento de artérias) e ponte de safena.
Ela e a filha Camila, de 27 anos, foram atrás de documentação no hospital em que costuma se tratar de cardiopatias, mas também não conseguiram. Por fim, no dia seguinte, conseguiram o comprovante em uma unidade de saúde.
"Acho que é necessário comprovar, mas houve um desencontro de informações muito grande", comenta Camila. "No caso da minha mãe, foi uma coisa que me deixou muito preocupada, porque ela já tem uma saúde frágil, e eu ter de levá-la a um posto de saúde cheio de gente com casos de covid-19... Fiquei meio apreensiva."
Em nota, a prefeitura local afirmou que cobra a apresentação "atestado, relatório ou prescrição médica indicando o motivo para a aplicação da vacina, com validade de até um ano".
Também em Fortaleza, a sobrinha de uma mulher com hipertensão comentou sobre o caso com a reportagem, mas preferiu não se identificar. "Os médicos têm negado, porque ela toma somente um remédio", explicou. Esse pré-requisito varia, contudo, de acordo com o estágio da doença. Após algumas tentativas e ter perdido o dia que iria se imunizar, por fim, conseguiu ser vacinada.
Com a falta de informação, pacientes que não integram o grupo de prioridades acabam ficando com dúvida e também procurando os postos de vacinação. De Jaguariúna, no interior paulista, o engenheiro de projetos Edson Rodrigues, de 54 anos, chegou a ir se vacinar, pois tem hipertensão. Foi somente no local, contudo, que soube que as características do estágio da doença não se enquadram nos requisitos mínimos.
Sem querer se identificar, a filha de um morador da cidade de São Paulo contou à reportagem que foi um processo "estressante" por ter ouvido informações distintas passadas a pacientes que estavam na fila de um posto de vacinação, tanto que algumas pessoas com quadro semelhante ao de seu pai de hipertensão chegaram a ir embora. "Ficamos lá quietinhos e insistimos, daí a vacinação aconteceu normal. Ele até chorou de alívio por conta da incerteza."
Outra dificuldade relatada por pacientes é a recusa de parte dos profissionais de saúde por negacionismo e ideologias. A dona de casa Marina Coffani, de 38 anos, teve o pedido de comprovante negado pelo médico que a acompanha há anos, o qual costuma afirmar que as pessoas que tomam as vacinas contra a covid-19 são "cobaias". "Aqui, no Rio Grande do Sul, é complicado…", disse.
Antes disso, Marina já havia procurado um ponto de vacinação em Três Coroas, interior gaúcho, com exames que comprovam ter uma doença cerebrovascular, mas lhe foi pedido que levasse um documento assinado por um médico. Com a recusa, ela foi então a um posto de saúde e, enfim, obteve o documento.
Veja as comorbidades previstas no PNI:
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