Comerciais miram consumo infantil

Para especialistas, controle de propaganda é necessário para ajudar a evitar obesidade

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Por Eduardo Nunomura
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Com o programa Bolsa-Família, os pobres vêm consumindo mais biscoitos, óleos e gorduras, açúcares e alimentos industrializados – superando frutas, verduras e hortaliças. Mas os R$ 102 que Maria Francisca de Souza ganha servem para manter uma despensa tão espartana quanto a de Cícera Simone dos Santos, mãe de dois meninos que já foram desnutridos. Na semana passada, as duas guardavam pacotes de macarrão, feijão, extrato de tomate, fubá, óleo, açúcar e farinha. Na casa de Maria, nada de carne, frutas, verduras, legumes. Na de Cícera, nem geladeira tinha. Mas ambas têm televisão, e é aí que mora o perigo, apontam especialistas. As TVs estão presentes em 94% dos lares brasileiros.   Veja também: Obesidade infantil avança e atinge crianças do Bolsa-Família Norte e Nordeste ainda sofrem com desnutrição  Especial: confira o estado nutricional de seu filho  As crianças são o alvo preferencial de propagandas de alimentos, aponta estudo do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição, da Universidade de Brasília (UnB). De acordo com o levantamento, 71,6% dos alimentos anunciados na TV são, nesta ordem, fast-food, guloseimas e sorvetes, refrigerante e suco natural, salgadinho de pacote e biscoito doce ou bolo; e 73,1% dos produtos estão prontos para consumo – a maioria rica em gordura, sal e açúcar. Desde 2006, o País discute uma nova regulamentação para a publicidade de alimentos. Para os profissionais de saúde, é hora de banir comerciais de comida com altas taxas de gordura, açúcar e sal entre as 6 e 21 horas, e proibir a associação de brinquedos a alimentos em qualquer horário. Se dependesse deles, chocolate, achocolatados e refrigerantes doces sairiam da TV, das revistas e dos jornais. Cereais e biscoitos, só se mudassem a fórmula de seus produtos e reduzissem os teores de açúcar. "As mães começam a dar papa cheia de farinha, biscoitos doces, refrigerantes e até iogurtes com açúcar já na primeira infância, antes dos 3 anos", diz Renata Monteiro, coordenadora da pesquisa da UnB. "A situação é parecida com a do cigarro, mas a indústria de alimentos é poderosa e até agora conseguiu barrar o controle." Para o pesquisador Carlos Augusto Monteiro, da Universidade de São Paulo, a propaganda de alimentos está cada vez mais sofisticada, agressiva e eficaz. "Ela é viável a partir do enorme lucro que as empresas têm com produtos feitos de matéria-prima baratíssima – açúcar para refrigerante, óleo vegetal para biscoitos –, por serem produtos de marca e produzidos por megacorporações." Metade de uma simples barra de cereal pode ser feita de açúcar, exemplifica Monteiro. Desde dezembro, o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) sustou dez anúncios dirigidos a crianças e adolescentes. A ONG recebe denúncias dos consumidores e talvez por falta delas as propagandas de alimentos infanto-juvenis continuem no ar. Na pesquisa da UnB, dos 565 comerciais diferentes analisados, só 38 foram julgados pelo Conar.

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