Apesar de alta da covid, comércio popular tem aglomerações no centro de São Paulo

No Largo da Concórdia, no Brás, uma multidão circula, com pessoas espremidas. Na 25 de Março, as máscaras saíram de moda

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Por Gilberto Amendola
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Logo cedo, formigueiro. Perto do Largo da Concórdia, no Brás, uma multidão vai brotando de um impossível chão. Tem gente saindo da estação de trem, dos ônibus estacionados, de dentro de lojas apertadas e dos carros que atravancam a vida. Tem gente saindo pelo ladrão. Alguém aí gritou ladrão? Um rapaz passou correndo. As pessoas se espremem, se empurram, se tocam, se esfregam, e de tão próximas parecem até que estão saindo de dentro de outras pessoas – como se fossem matrioshkas. 

Máscaras também saíram de moda ou viraram pochetes de queixo; a Prefeitura alega que a fiscalização é diária Foto: Werther Santana/Estadão

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Uma senhora, com mais de 60 anos, leva sacola plástica no lombo, quase cai no meio-fio, quase perde as miudezas baratinhas, as roupinhas, capas de celular, ofertas imperdíveis e os presentes para a família. “O quê, filho? A máscara? Tá no bolso. Tirei pra respirar um pouquinho”, disse. “Mas, filho, é alguma reportagem sobre o Natal? O que tem a ver com a minha máscara?”  É isso: com a aproximação das festas de fim de ano, a população esqueceu isolamento social, máscara, álcool em gel, e se jogou na aglomeração das principais vias de comércio.

Ainda no Brás, conforme o dia avança, as calçadas vão se estreitando. Parte da rua também vai sendo ocupada pelos ambulantes sem banquinha – que colocam seus produtos no asfalto. O que se vê é gente pisando em gente – literalmente. A comerciante Dulce Amorim, de 40 anos, diz que está lá pelo ganha-pão, mas que é “quase como se pudesse pegar a covid com a mão’. ‘É uma confusão. E cada vez vejo menos gente preocupada com a pandemia.” Aqueles que são pegos em flagrante delito, normalmente, guardam uma desculpa na ponta da língua. “Só vim para cá porque preciso comprar um presente para minha mãe”, disse Mateus Nascimento, de 22 anos, que trabalha em call center. 

No Brás, conforme o dia avança, as calçadas vão se estreitando Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Quem, preocupado, tenta se afastar um pouco da balbúrdia, logo é abordado por alguém, com máscara no queixo, oferecendo um almoço por apenas R$ 12. Mas não adianta fugir. Poucos metros adiante, vem outro gritão na orelha, dessa vez de um cidadão oferecendo três calças jeans por um preço convidativo. Mas cadê a máscara, amigo? “Com ela não consigo trabalhar, não consigo chamar as pessoas para dentro da loja”, falou o laçador Roni Alves, de 34 anos. 

Tentar abrigo dentro de uma loja até parece uma boa ideia. Mas acertar o estabelecimento com totem de álcool em gel ou mesmo funcionários que respeitem o distanciamento social é loteria. Mas, justiça seja feita, no Lojão do Brás um locutor implorava para que os seus clientes usassem máscara e mantivessem o distanciamento. 

Não muito longe do Brás, na região da 25 de Março, o cenário é o mesmo. Na frente de uma loja, um homem apoia-se em um totem de álcool em gel. Ele não usa máscara, bebe uma latinha de cerveja e parece flertar com a atendente. Atrás deles, na vitrine, uma manequim sem cabeça compõe a cena.

Na 25 de Março, as máscaras também saíram de moda. Ou viraram pochetes de queixo. Uma Mamãe Noel desprotegida aborda possíveis compradores. “Quer tirar uma foto comigo?’, indaga a vendedora natalina. Faltam poucos dias para o Natal e ninguém quer perder tempo. Um casal parece extasiado com o frisson da rua e decide se beijar. 

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A pergunta que não quer calar é: vale a pena? “Os preços estão bons. Você vem aqui um dia e compra presente para toda família”, afirmou um homem carregado de três sacolas. Mas a pergunta é outra: é se vale a pena correr o risco de pegar covid em uma aglomeração tão grande. “Ah, tá, eu me cuido. Não tem problema”, respondeu o homem sem máscara e com três sacolas na mão. 

A sensação de subir ou descer a Ladeira Porto Geral (tanto faz o sentido) é a de ir de encontro com um paredão de negacionistas. Falta máscara, falta distanciamento. 

E foi lá, neste contexto, que a doméstica Angelita Dantas, de 37 anos, e a filha, Marina,de 4 anos, decidiram se sentar na calçada, encolhidinhas, e com medo. Abraçadas, observavam o movimento. “Hoje é o primeiro dia que saio de casa desde março. Eu tô assustada com tudo isso. Só saí porque precisava arrumar o celular que quebrou. E aproveitei pra tirar a menina um pouco de casa. Mas tô arrependida”, disse. “Acho que se as pessoas respeitassem mais a doença, a covid não estaria se 'esponjando' tanto entre a gente. Mas o povo gosta de se enroscar”, completou. 

De acordo com a Prefeitura, a Secretaria Municipal das Subprefeituras faz fiscalizações diárias em estabelecimentos para verificar se eles estão excedendo o horário permitindo e se estão colocando mesas nas calçadas. “De janeiro a outubro deste ano, foram realizadas 123.267 mil apreensões nas Subs Sé e Mooca, responsáveis pela 25 de Março e Brás, respectivamente”, informa.

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Fila para entrar em shopping da zona leste

As compras de final de ano deixaram alguns shoppings movimentados nesta sexta-feira, 11. Os estabelecimentos seguem se comprometendo com os protocolos de saúde para evitar a propagação do novo coronavírus, mas funcionários reclamam da falta de cuidados dos frequentadores.

Na zona leste, o Shopping Metrô Itaquera,  um dos maiores da região, tinha fila para entrar no final da tarde. "Nós continuamos com todos os cuidados, mas a movimentação vem aumentando desde a semana da Black Friday e principalmente agora no início de dezembro. As pessoas estão se concentrando cada vez mais no mesmo período e isso é preocupante", conta o vendedor Guilherme Santos.

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O vendedor explica que o fluxo de pessoas no shopping aumenta entre sexta, sábado e domingo no período da noite. "Durante a semana o controle é um pouco menor e conseguimos atender as pessoas com calma'', diz.

Assim como outros funcionários, Guilherme fala sobre a falta de cuidados dos clientes."No começo da pandemia as pessoas estavam mais conscientes e entravam nas lojas aos poucos. Agora, todo o cuidado acabou. Temos um controle na entrada para barrar as pessoas quando a loja fica cheia e ainda precisamos chamar a atenção de quem tira a máscara."

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Com a chegada das festas de fim de ano, como no Natal e Ano-Novo, uma das preocupações é conscientizar a população para não agravar ainda mais a situação no País, que vem registrando aumento no número de casos. A gravidade da situação modifica até os momentos de lazer.

Maria Oliveira, 36 anos, teve de levar os filhos de 7 e 4 anos ao shopping porque sua mãe está internada. "Estou aqui porque precisava buscar um celular. Apesar de não me sentir segura e estar ciente da realidade, trouxe as crianças. Hoje o meu filho mais velho está um pouco teimoso e não quis usar máscara", diz.

As crianças aproveitaram a oportunidade para tirar fotos com o boneco do Papai Noel. Yasmin Soares, responsável por colocar o álcool em gel na mão de quem entra no local reservado para os cliques, diz estar surpresa com a grande movimentação. "O shopping está mais cheio do que eu esperava. Com a proximidade do Natal muitas pessoas estão aceitando vir aqui para tirar fotos.'.

Questionada sobre os protocolos de saúde, ela diz estar seguindo todas as orientações, mas sente receio em lidar com o público. "Aqui eu estou tomando todos os cuidados necessários, uso álcool, luva, máscara e evito me aproximar das pessoas, mas a gente trabalha com medo e por necessidade."

Em outras regiões, o movimento foi menor. No Bourbon Shopping, zona oeste da capital, havia vagas sobrando no estacionamento. Assim como em outros shoppings, o fluxo maior se concentra na praça de alimentação e as preocupações dos trabalhadores se repetem.

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"A gente tem medo de trabalhar lidando com as pessoas o tempo inteiro. O movimento é muito grande no fim de semana. Estou tomando todo o cuidado do mundo para não pegar esse vírus, mas as pessoas não estão com essa consciência aqui no shopping", diz a promotora Débora Vanessa.

A psicóloga Carmem Souza, que aproveitou a sexta-feira para fazer as compras de Natal, levou os filhos ao shopping e ressalta os protocolos para sentir segurança. "O tempo todo estamos tentando fazer tudo certo. É passar álcool, ficar de olho nas crianças para usar a máscara e lembrar que muitas vezes até nós adultos esquecemos algumas coisas, então precisamos estar atentos."  

Em contato com a reportagem, o Shopping Metrô Itaquera informou que não registrou aumento no número de pessoas em comparação ao período da Black Friday e esclarece que implementou protocolos preventivos e investiu em tecnologias especializadas para reforçar a sanitização dos equipamentos e garantir um ambiente seguro para todos aqueles que frequentam o espaço, como clientes, lojistas e colaboradores desde a reabertura.  / COLABORARAM ANDREZA GALDEANO E RENATO VIEIRA

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