Como aumentar o foco e diminuir o sono durante o dia?

Uso excessivo de estimulantes pode gerar o oposto do que seus consumidores buscam. Sono, dieta e atividade física são a resposta

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Por Ana Lourenço
Atualização:

Que atire o primeiro coador quem consegue começar o dia sem um cafezinho. Para alguns, puro prazer. Para outros, necessidade. Mas e quando a cafeína presente na bebida não é suficiente para fornecer a energia necessária para provas finais ou de grandes projetos no trabalho, por exemplo? Aí entram as doses exageradas dos shots de café, energéticos, e quem sabe até um nootrópico (substância que promete aumentar o desempenho cognitivo)? Apesar da boa sensação de dever cumprido no momento, a longo prazo o excesso de cafeína – e tantos outros componentes – pode fazer mal. 

“Quimicamente, a cafeína é muito parecida com a adenosina, que é a molécula que se liga aos receptores cerebrais ao longo do dia e faz com que nos sintamos cansados pela noite. Então a cafeína ‘engana’ o cérebro a pensar que não existe cansaço, suprimindo temporariamente a pressão do sono e fazendo com que a gente se sinta mais desperto”, explica a neuropsicóloga Malu Maia. “O que acontece é que a adenosina continua a se acumular no corpo, então no dia seguinte desse excesso de cafeína, sentimos muito mais cansaço e, consequentemente, ingerimos ainda mais cafeína. Vira um ciclo”, alerta.

Café, energético, pó de guaraná, suplemento alimentar, blend energético: use com moderação Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

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É preciso entender, antes de mais nada, o porquê de tanto cansaço. “Nosso corpo é um todo. Então se a gente não está funcionando bem, com um estilo de vida saudável, que é uma dieta equilibrada, sono de qualidade e prática de atividade física, não adianta ficar dando um monte de substância para fazer o corpo tentar funcionar. Você vai sobrecarregar o motor”, pontua a nutricionista esportiva Monique Gonçalves.

De acordo com os especialistas entrevistados, cada um vai ter um limite de cafeína no organismo, mas a base recomendada por pessoa é de 3mg a 5mg por quilo (abaixo dos 12 anos não é recomendado o consumo). Assim, uma pessoa de 50 kg, por exemplo, poderia consumir 250mg de cafeína. Mas em 100g de um café expresso há, em média, 212mg de cafeína.

Além disso, com o tempo, o corpo adquire uma certa tolerância à substância, por isso uma xícara não é mais o suficiente. Ou seja, se antes ela o deixava desperto por uma hora, depois de alguns anos de consumo, deixará por 30, 40 minutos. “Nosso organismo se adapta, produzindo proteínas que quebram a cafeína mais rapidamente, e os receptores de adenosina em nosso cérebro se multiplicam, para regular nosso sono”, diz Malu.

Exigências de produtividade

O modo como operamos hoje em dia, com exigências de produtividade e multitarefas até nas atividades de prazer, faz com que a gente não dê tanta atenção ao nosso corpo. Escutá-lo, apesar de parecer utópico, pode ser a melhor decisão. “Está tudo conectado. Quanto maior o tempo de tela, maior o consumo de alimentos ultraprocessados e menor o consumo de frutas, verduras e legumes. Isso dá menos energia e tira a vontade de fazer atividade física, que libera vários hormônios do prazer que diminuem a vontade de comer doce”, explica a nutricionista. 

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É importante lembrar que o cansaço do nosso cérebro não é, necessariamente, o que nós consideramos cansaço. Um estresse familiar ou uma pressão de demanda, pode gastar muito da nossa energia. “O excesso de cafeína a longo prazo, no fundo, afeta mais o emocional do que o neurológico. Existe a pressão por produtividade, por conclusões de tarefas, prazos, que fazem com que a gente não necessariamente foque ou seja produtivo naquilo, mas faça questão de tomar mais ‘anestesias’ que acreditamos que vão mudar isso”, informa Malu. Por isso, o descanso é tão fundamental. 

Blend energético com cheiro de chocolate. A hipervalorização dos suplementos pode ser um atrativo extra Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

Invista em melhorar o sono

Investir em substâncias que ajudam a melhorar o sono talvez seja mais interessante do que se preocupar com as que estimulam. “O coração é comandado por hormônios que freiam (do sistema parassimpático) e aceleram o coração, os adrenérgicos. A pessoa que está em constante atividade adrenérgica, movida por trabalho, estresse e estimulante, tende a não ter esse freio, fazendo com que o coração trabalhe sempre numa voltagem maior, o que vai implicar um sono ruim. E isso tende a levar a pressão alta, arritmia, palpitações. A gente precisa do freio”, explica o cardiologista Daniel Petlik. “Tenha uma boa noite para ter um bom dia e tenha um bom dia para ter uma boa noite.”

Mesmo que você não durma tantas horas num dia, é possível melhorar sua qualidade com a “higiene do sono”. Para isso, deixe de lado qualquer tela luminosa duas horas antes de dormir e desligue tudo aquilo que o deixe mais acelerado – do Instagram a um filme de ação.

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O vilão, no caso, não são os produtos, mas sim a quantidade que ingerimos. Para essa reportagem, testamos, por cinco dias, cinco estimulantes diferentes: pó de guaraná, café, energético, blend energético à base de café e suplemento alimentar em cápsula para melhora o desempenho cerebral (veja mais detalhes nesta página). Mas, de todas as tentativas, o que mais funcionou foi uma mudança de comportamento noturno e diurno para entender o cansaço e a produtividade. Inserir hábitos de pausas e meditação ao longo do dia pode ajudar sua noite. 

“Existem diferentes funções atencionais. O café de fato aumenta o estado de alerta, que é essa prontidão para estímulos que a gente tem. No entanto, a atenção que se almeja para conseguir se concentrar é a atenção focada, e os estudos mostram que não existe uma alteração de cafeína nesse aspecto. Seria uma espécie de placebo. O ideal é fazer exercícios que ajudem no foco, como o mindfulness”, conta Malu. Porém, vale lembrar que, caso você teste todos esses hábitos saudáveis e não veja uma melhora, talvez esteja na hora de ir ao médico. Isso pode ser um caso mais sério de déficit de atenção ou TDAH.

Café,o favorito de todos Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

Nós testamos - Prós e contras do uso de estimulantes para o foco 

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Café O queridinho de todos já era meu queridinho também. Diferentemente dos outros suplementos, ele costuma envolver um ritual, como conversar com os amigos, por exemplo. “Pode ser que esse descanso que damos para o cérebro seja o que dá energia, e não necessariamente a quantidade de cafeína ingerida”, diz a neuropsicóloga Malu Maia. 

Pó de guaraná Por vir de uma planta e ser algo natural, ele tem menos probabilidade de causar efeitos colaterais. No entanto, a ingestão em altas doses por longos períodos pode causar insônia, irritabilidade e inquietação. O ideal é tomar pela manhã, pois a concentração de cafeína que ele tem pode ser até quatro vezes maior do que a presente no café. 

Energético “O energético é uma bebida ultraprocessada que, por si só, é nociva à saúde. O que pode levar a consequências cardiológicas é o conjunto da obra, não é algo imediato”, reforça o cardiologista Daniel Petlik. “Você passa a tomar uma quantidade maior e aí pode aumentar sua pressão arterial, desencadear arritmias, palpitações, irritabilidade, gastrite e outros problemas.”

Blend energético Seu cheiro de chocolate realmente foi um atrativo a mais. Senti que me deu muita energia para o exercício, mas não tanto para o trabalho. “A cafeína foi desenvolvida para atletas, para o treino. Não dá para você ficar 12 horas na frente de uma tela e depois maratonar uma série”, brinca a nutricionista Monique Gonçalves.

Suplemento alimentar Nem sempre o que está descrito nos ingredientes é o correto, pois é preciso saber se esses produtos são realmente testados por uma agência reguladora. Normalmente, existe uma idade mínima e recomendação de uso para que o valor diário das substâncias não seja ultrapassado. Talvez a adrenalina de tomar algo tão diferente tenha me motivado bastante na hora, mas o efeito durou pouco. 

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