Para descrever como é viver no espectro em um mundo de pessoas ditas normais, busquei a sensação de fechar o diagnóstico, há cinco anos. Foi como aprender a dirigir, e ainda que seja difícil lembrar como é não saber dirigir depois de anos de prática, com o diagnóstico é a mesma coisa. Como era quando eu não sabia? Era estar sentada entre o banco e a direção, sem muita consciência de que havia um volante, e que eu era responsável por direcioná-lo.
O conceito de Transtorno do Espectro Autista (TEA) aparece em 2013 como classificação no DSM-V, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria. Lorna Wing, em 1981, já defendia a tese que dava ao autismo o âmbito de espectro, e que a síndrome de Asperger fazia parte do mesmo fenômeno do autismo infantil precoce, e de outros transtornos globais do desenvolvimento. Para eles, sou uma pessoa no grau leve, já fui “autista altamente funcional”. Uma pessoa que trabalha bem, e que terá poucos coleguinhas.
A persona de repórter de TV pode parecer incompatível com dificuldades na sociabilidade. As pessoas não imaginam o trabalho que dá para manejar isso, algo que prometo abordar numa coluna futura, assim como os conceitos de neurodivergente e neurotípico. Começamos com um dos conjuntos de características que compõem o espectro, os “déficits na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, incluindo em comportamentos não verbais de comunicação usados para interação social”.
Numa videochamada, você encontra dificuldade de compreensão total da mensagem, é difícil ler os códigos físicos, a variação melódica da fala é prejudicada. Essa realidade pandêmica é próxima à vida de alguém que vive com TEA. Um aprendizado constante para equilibrar o que vem de fora com o de dentro, como qualquer outro transtorno, de atenção, ansiedade, compulsivo, obsessivo.
O debate sobre espectro é amplo, e nenhum autista fala de um autismo que não seja o seu. Há necessidade de amparo psicossocial para todos os campos do espectro. Há urgência em políticas públicas para crianças, suas mães e seus pais, porque as terapias não só diminuem o sofrimento infantil, como podem auxiliar um cérebro brilhante a não ficar preso dentro de si até o fim da vida. No autismo leve, a convivência com outros alunos neurotípicos é primordial para que a criança se desenvolva e conviva cada vez melhor em sociedade, ao contrário do que disse o ministro da Educação. Assim, essa pessoa descobre antes que está sentada num banco de automóvel e que, controlando bem a direção, a estrada fica mais suave.
* É JORNALISTA, CURIOSA, PALPITEIRA E VICIADA EM PAPEL