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Como funciona a vacina Sputnik V

Imunizante foi desenvolvido na Rússia e possui uma eficácia superior a 91%

Por Jonathan Corum e Carl Zimmer
Atualização:

O Instituto de Pesquisa Gamaleya, parte do Ministério da Saúde da Rússia, desenvolveu uma vacina contra o novo coronavírus conhecida como Sputnik V ou Gam-Covid-Vac. O Gamaleya anunciou em dezembro que ela tinha uma eficácia de 91,4%. No dia 2 de janeiro, estudo publicado na revista científica The Lancet mostrou que o imunizante tem eficácia de 91,6% contra casos sintomáticos de covid, tendo sido a primeira chancela ocidental aos resultados da fase 3. 

A Rússia está administrando essa vacina contra covid-19 em uma campanha de vacinação em massa e agora ela está sendo distribuída na Argentina, Belarus e outros países.

'Sputnik V' é a vacina que vem sendo desenvolvida pela Rússia Foto: RDIF

Um pedaço do novo coronavírus

O vírus SARS-CoV-2 é repleto de proteínas que usa para entrar nas células humanas. Essas proteínas chamadas de spike são um alvo tentador para potenciais vacinas e tratamentos.

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A Sputnik V é baseada nas instruções genéticas do vírus para produzir a proteína spike. Mas, ao contrário das vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna, que armazenam as instruções em RNA de fita simples, a vacina Sputnik V usa DNA de fita dupla.

DNA dentro de adenovírus

Os pesquisadores desenvolveram sua vacina a partir de adenovírus, um tipo de vírus que causa resfriados. Eles adicionaram o gene da proteína spike do novo coronavírus em dois tipos de adenovírus, um chamado Ad26 e outro chamado Ad5, e os modificaram para que pudessem invadir as células, mas não conseguissem se replicar.

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A Sputnik V é resultado de décadas de pesquisa com vacinas baseadas em adenovírus. A primeira foi aprovada para uso geral no ano passado - uma vacina para o Ebola, feita pela Johnson & Johnson. Outras vacinas contra o novo coronavírus também são baseadas em adenovírus, como a Johnson & Johnson, que usa o Ad26; e a Oxford-AstraZeneca, com uma versão modificada de um adenovírus que infecta chimpanzés. 

Entrando em uma célula

Depois que a Sputnik V é injetada no braço de uma pessoa, os adenovírus colidem com as células e se fixam às proteínas na superfície delas. A célula envolve o vírus em uma bolha e o puxa para dentro. Uma vez lá dentro, o adenovírus escapa da bolha e viaja para o núcleo, a câmara onde o DNA da célula é armazenado.

O adenovírus empurra seu DNA para o núcleo. Ele está modificado para não conseguir fazer cópias de si mesmo, mas o gene para a proteína spike do novo coronavírus pode ser lido pela célula e copiado em uma molécula chamada RNA mensageiro, ou mRNA.

Produzindo proteínas spike

O mRNA deixa o núcleo e as moléculas da célula leem sua sequência e começam a produzir proteínas spike.

Algumas das proteínas spike produzidas pela célula formam espículas (spikes) que migram para sua superfície e projetam suas pontas. As células vacinadas também quebram algumas das proteínas em fragmentos, que vão para a superfície delas. Essas espículas salientes e os fragmentos de proteínas spike podem então ser reconhecidos pelo sistema imunológico. O adenovírus também provoca o sistema imunológico ao ligar os sistemas de alarme da célula. A célula envia sinais de alerta para ativar as células do sistema imunológico próximas. Ao disparar esse alarme, a vacina Sputnik V faz com que o sistema imunológico reaja mais fortemente às proteínas spike.

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Identificando o invasor

Quando uma célula vacinada morre, os detritos contêm proteínas spike e fragmentos de proteínas que podem então ser absorvidos por um tipo de célula do sistema imunológico chamada célula apresentadora de antígeno.

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A célula apresenta fragmentos da proteína spike em sua superfície. Quando outras células chamadas linfócitos T auxiliares detectam esses fragmentos, os linfócitos T auxiliares podem fazer soar o alarme e ajudar a organizar outras células do sistema imunológico para combater a infecção.

Produzindo anticorpos

Outras células do sistema imunológico, chamadas linfócitos B, podem colidir com as espículas do novo coronavírus na superfície das células vacinadas, ou fragmentos de proteínas spike flutuantes. Alguns dos linfócitos B podem ser capazes de se fixar às proteínas spike. Se esses linfócitos B forem então ativados por linfócitos T auxiliares, eles começarão a proliferar e a liberar anticorpos que têm como alvo a proteína spike.

Detendo o vírus

Os anticorpos podem se prender às espículas do novo coronavírus, marcar o vírus para destruição e prevenir a infecção ao impedir as espículas de se fixarem a outras células.

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Matando células infectadas

As células apresentadoras de antígeno também podem ativar outro tipo de célula do sistema imunológico chamada linfócito T citotóxico para procurar e destruir quaisquer células infectadas pelo novo coronavírus que apresentem os fragmentos de proteína spike em suas superfícies.

Duas doses

Alguns pesquisadores temem que nosso sistema imunológico possa responder a uma vacina de adenovírus produzindo anticorpos contra ela, o que tornaria uma segunda dose ineficaz. Para evitar isso, os pesquisadores russos usaram um tipo de adenovírus, Ad26, para a primeira dose, e outro, Ad5, para a segunda.

As vacinas baseadas em adenovírus contra a covid-19 são mais resistentes do que as vacinas de mRNA da Pfizer e Moderna. O DNA não é tão frágil quanto o RNA, e o revestimento de proteína resistente do adenovírus ajuda a proteger o material genético interno. Como resultado, a vacina Sputnik V pode ser refrigerada e não requer temperaturas de armazenamento muito baixas.

Lembrando do vírus

O Gamaleya divulgou que a Sputnik V tem uma taxa de eficácia de 91,4%, mas ainda não publicou um artigo científico com todos os detalhes do ensaio clínico.

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Ainda não está claro quanto tempo a proteção da vacina pode durar. O nível de anticorpos e linfócitos T citotóxicos desencadeados pela vacina pode cair nos meses após a vacinação. Mas o sistema imunológico também contém células especiais chamadas linfócitos B de memória e linfócitos T de memória que podem reter informações sobre o novo coronavírus por anos ou até mesmo décadas. 

Linha do tempo da vacina

  • Junho de 2020: O Gamaleya começa os ensaios clínicos de sua vacina, inicialmente chamada Gam-Covid-Vac.
  • 11 de agosto: O presidente Vladimir V. Putin anuncia que um regulador russo de saúde aprovou a vacina, rebatizada de Sputnik V, antes mesmo do início dos testes de Fase 3. Especialistas em vacinas consideram a decisão arriscada.
  • 20 de agosto: A Rússia recua em seu anúncio anterior, dizendo que a aprovação da vacina era um “certificado de registro condicional” que depende dos resultados positivos dos testes de Fase 3.
  • 4 de setembro: Os pesquisadores do Gamaleya publicam os resultados de testes de Fase 1 e 2. Em um pequeno estudo, eles descobriram que a Sputnik V produzia anticorpos para o novo coronavírus e efeitos colaterais leves.
  • 7 de setembro: Testes de Fase 3 começam na Rússia.
  • 17 de outubro: Testes de Fase 2 e 3 são iniciados na Índia.
  • 11 de novembro: O Fundo Russo de Investimento Direto anuncia a primeira evidência preliminar de seu ensaio clínico em Fase 3 indicando que a vacina é eficaz. Com base em 20 casos de covid-19 entre os participantes do ensaio, os cientistas russos estimam que a vacina tem 92 % de eficácia.
  • Novembro: O governo russo começa a administrar a Sputnik V na Rússia em uma campanha de vacinação em massa. Mas a preocupação de que a vacina tenha sido aprovada às pressas leva a uma hesitação generalizada no país.
  • Dezembro: Os testes de Fase 3 têm um total de 78 casos ao seu final. A taxa de eficácia permaneceu efetivamente inalterada, em 91,4 %. Dos 78 casos de covid-19 no estudo, 20 foram graves - e todos os 20 foram em voluntários que receberam o placebo. Além disso, os pesquisadores anunciam que não encontraram efeitos colaterais graves decorrentes da vacina.
  • 11 de dezembro: A farmacêutica AstraZeneca, que está desenvolvendo uma vacina baseada em adenovírus em parceria com a Universidade de Oxford, junta forças com o Gamaleya para ver se a combinação de sua vacina com a Sputnik V aumentaria a eficácia da vacina Oxford-AstraZeneca.
  • 24 de dezembro: A Associated Press relata que voluntários do ensaio clínico que suspeitam ter recebido o placebo estão desistindo de receber a vacina agora que ela está amplamente disponível. Os pesquisadores que realizam o ensaio reduzem seu tamanho planejado de 40 mil para 31 mil participantes, fazendo com que os especialistas se preocupem que isso não estabeleça poder estatístico suficiente para chegar a conclusões sólidas em relação à segurança e eficácia da vacina.
  • 22 de dezembro: Bielorrússia se torna o primeiro país, depois da Rússia, a homologar a vacina Sputnik V.
  • 23 de dezembro: A Argentina autoriza a vacina para uso emergencial.
  • 24 de dezembro: A AstraZeneca registra um estudo de Fase 1 para uma combinação das vacinas Sputnik V e Oxford-AstraZeneca.
  • 21 de janeiro: Brasil começa a produção da vacina Sputnik V mesmo sem autorização da Anvisa para uso emergencial. Grupo União Química garante ter a capacidade para a fabricação de 8 milhões de doses por mês.

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