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Compra de droga para doença rara é investigada

MPF e Anvisa apontam irregularidades em 4 contratos; pacientes reclamam de atraso. Ministério diz que atende Lei de Licitações

Por Paula Felix
Atualização:

SÃO PAULO - Os contratos de compra de quatro remédios para atender pacientes com doenças raras foram colocados sob suspeita em apuração do Ministério Público Federal (MPF) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A aquisição de três desses medicamentos envolve valores que somam quase R$ 20 milhões. Pessoas vítimas de doenças raras têm reclamado de atrasos na entrega de remédios de alto custo desde o fim de 2017 e relatam piora em seus quadros de saúde. 

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O MPF do Distrito Federal investiga a compra de três remédios – Myozyme (para a doença de Pompe), Fabrazyme (doença de Fabry) e Alurayme (Mucopolissacaridose tipo 1). As três doenças são causadas por deficiências de enzimas e afetam múltiplos órgãos. A empresa Global Gestão em Saúde venceu a licitação em outubro e não entregou os medicamentos, mesmo tendo recebido R$ 19,9 milhões do governo federal com antecedência. A empresa também não seria, segundo o MPF, uma distribuidora autorizada pelo fabricante dos remédios, a empresa Sanofi Genzyme. O órgão afirma que 152 pacientes seriam beneficiados pela compra.

População protesta contra a falta de medicamentos para doenças raras na 4ª Caminhada Minha Vida Não Tem Preço, no Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Diante disso, o MPF recomendou que o ministério convoque a segunda colocada na concorrência para que ela forneça os remédios pelo mesmo valor ou que abra novo processo de compra.

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No outro caso, a Anvisa detectou problemas com os documentos de importação da empresa responsável por comprar o Soliris, indicado para quem tem a doença hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), mutação genética que destrói os glóbulos vermelhos do sangue. 

A empresa Tuttopharma LLC não apresentou documentação necessária para importar o medicamento. O fabricante do remédio também disse que a empresa não é distribuidora autorizada do produto. 

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Os problemas nas transações dos quatro remédios aconteceram entre janeiro e fevereiro e se referem a processos de compra feitos em 2017. O Soliris está entre os remédios que lideram o ranking de judicialização.

Sofrimento

Enquanto isso, os pacientes com doenças raras têm sido prejudicados por problemas de distribuição. Há quatro meses, eles estão sem o remédio e, segundo parentes e entidades que os apoiam, apresentam piora de seus quadros de saúde. Ao menos sete medicamentos estão em atraso – quatro deles são os que tiveram problemas no processo de compra.

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No dia 15 de dezembro, dez dias após completar 18 anos, Jucilene Pedrosa, que recebia um dos medicamentos para Mucopolissacaridose do tipo 1, não resistiu aos efeitos da doença. Segundo a família, ela ficou sem a medicação por dois meses, após tomá-la por um ano.

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“Interrompeu de vez em novembro. A última infusão foi no dia 10 de outubro, depois, não chegou mais. Notei que ela estava mais cansada e com mais dificuldade para andar. No dia do aniversário dela, 5 de dezembro, ela pediu uma festa, mas teve convulsão, parou de andar e de comer. Ficou internada e não voltou mais para casa”, contou a irmã, a estudante Janaíra Pedrosa, de 22 anos.

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Agora, a preocupação da família é com o outro irmão, Jucilan, de 14 anos, que tem a mesma doença e também está sem a medicação. De acordo com balanço do Instituto Vidas Raras, 15 pacientes de doenças desse tipo morreram desde outubro.

Um dos pacientes que conseguiram na Justiça o direito de receber o remédio Soliris foi o gerente administrativo Ricardo Ferreira, de 34 anos, que tem a HPN. Ele conta que, desde a metade de 2017, os problemas com a distribuição tiveram início e que ele precisou ser internado quatro vezes desde setembro. “Recebi doses emergenciais do remédio, mas já acabaram. A tortura não acaba”, diz.

Aquisições atenderam concorrência prevista na Lei de Licitações, diz ministério

Em nota, o Ministério da Saúde informou que as aquisições foram realizadas "em caráter emergencial por se tratar de uma demanda judicial e atendeu a concorrência prevista na Lei de Licitações".

A pasta disse que a situação se trata de uma disputa de distribuidores para monopolizar o mercado e que as empresas ofereceram o mesmo produto, mas com preços menores. "Os medicamentos oferecidos possuem registro na Anvisa, reforçando a segurança dos produtos para os pacientes."

O ministério negou que há interrupção na distribuição de medicamentos de alto custo obtidos por meio de medida judicial para pacientes com doenças raras, mas não informou um prazo para normalização da entrega.

"Além de buscar apoio para finalizar as aquisições em andamento, o Ministério da Saúde estuda formas alternativas para atender a demanda dos pacientes. Vale observar que, por se tratar de demanda judicial, a pasta fica impedida de realizar estoque regulador, sendo necessária a compra caso a caso, sujeito aos tempos de importação e processo de aquisição em conformidade com a legislação vigente", informou.

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O ministério disse que a AGU acompanha a situação e que vai acionar o Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar o caso e ajudar no processo de finalização da compra dos remédios.

Disse também que as empresas devem fornecer documentação e produtos adequados. "Qualquer situação que não cumpra esses requisitos sofrerão as penalidades previstas em lei."

A pasta informou que, atualmente, há 11 mil demandas judiciais em processo no ministério e que foi desembolsado R$ 1,02 bilhão no ano passado para atendimento desse tipo de demanda. Disse ainda que foi criado o Núcleo de Judicialização também no ano passado e, em contato com pacientes, 108 desistiram do processo após solicitação do laudo médico.

Sobre os pacientes citados na reportagem, afirmou que o processo de compra  medicamentos já foi finalizado e aguarda análise junto à Anvisa. O ministério lamentou a morte de pacientes.

Sobre o Soliris, o diretor-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, disse que a documentação faz parte das exigências básicas para importar medicamentos e é o que garante que os pacientes vão receber remédios seguros. “O objetivo é que não cheguem medicamentos falsificados.”

O Estado não conseguiu localizar a empresa Tuttopharma LLC, responsável pela compra do Soliris. A Alexion, fabricante do remédio, confirmou que a Tuttopharma não é distribuidora oficial.

Já a Global Saúde, responsável pelos outros três remédios, disse que uma de suas empresas parceiras é credenciada com a fabricante, mas que “foi surpreendida com a recusa da Sanofi Genzyme em entregar os medicamentos”. A Sanofi informou que a Global não integra o grupo de distribuidores credenciados.

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