Construção de ferrovia força destruição de túmulos na Grã-Bretanha

Anúncio lança debate sobre o que deve ser preservado sob a terra

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Por Redação
Atualização:

 

O governo britânico anunciou a desocupação de milhares de túmulos para a construção de uma linha de trem de alta velocidade entre Londres e Birmingham, cuja construção deve ocorrer até 2026. O anúncio provocou arrepios em muitas pessoas, já que os mortos serão "desenterrados".

 

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A escavação da linha de trem HS2 deve passar bem em cima de antigos cemitérios ingleses, afetando os restos mortais de cerca de 50 mil pessoas.

 

E não é só entre Londres e Birmingham que velhos túmulos estão em perigo: em Salford, próximo a Manchester, ativistas estão protestando contra um empreendimento previsto para ocupar um cemitério com 300 túmulos. Nos EUA, o Departamento de Aviação de Chicago está finalizando um projeto para remover 1.500 túmulos e usar a área para uma nova pista do aeroporto internacional de O'Hare.

 

Além disso, e rede de supermercados Walmart foi criticada por pedir autorização para construir em um terreno no Estado americano do Alabama que acredita-se ser um antigo cemitério de escravos.

 

Sempre existiram empreendimentos dispostos a macular terrenos considerados sagrados. Nos anos 1860, quando foi construída uma linha ferroviária para a estação londrina de St Pancras, o escritor Thomas Hardy, na época um estudante de arquitetura, esteve entre o grupo de pessoas convocadas para escavar velhos túmulos presentes no local.

 

Tabu

 

Natasha Powers, da parte de arqueologia do Museu de Londres, diz que, nas grandes cidades, sobraram poucas terras intocadas. "Deparar-se com restos humanos é algo razoavelmente comum", explica.

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Powers é encarregada de estudar os restos humanos exumados durante projetos imobiliários e examinar os ossos em busca de informações sobre saúde, doenças e informações demográficas da época em que os corpos foram enterrados.

 

Ela trabalhou, por exemplo, nas escavações de um empreendimento comercial e residencial no leste de Londres, em uma área que antes era um monastério medieval, que abrigava 10,5 mil restos mortais. "O ônus sempre é na dignidade (das pessoas)", ela opina. "Há casos em que os restos estão enterrados tão profundamente que precisam ser escavados com máquinas. Mas em geral usamos espátulas, lentamente e com cuidado."

 

"A morte é o último tabu, numa época em que absolutamente todo o resto já foi desconstruído", opina Brian Draper, palestrante associado no Instituto de Cristianismo Contemporâneo de Londres. "A ideia de deixar os mortos descansarem em paz mostra que gostamos de manter sagrada essa última etapa desconhecida da vida e da morte." Exumação

 

A exumação de corpos é sujeita a regras rígidas na Grã-Bretanha. Na Inglaterra e no País de Gales, o Ministério da Justiça precisa conceder uma licença de remoção dos restos mortais; depois, é preciso cumprir normas ditadas por instituições como igrejas e órgãos de patrimônio histórico. É preciso também organizar também um novo enterro, em geral em cemitérios de regiões próximas à da exumação. Para Draper, a ausência de parentes vivos dos corpos exumados é vista, por alguns, como critério para as escavações. "Alguns argumentam que o funeral é mais em benefício dos vivos do que dos mortos. Nesse sentido, no momento em que essa conexão com os vivos é perdida, perde-se a razão por trás do 'descanse em paz'." Para empreendedores, essa costuma ser a visão adotada. Em grandes projetos de infraestrutura como o HS2 entre Londres e Birmingham, a opinião é de que o precedente já foi estabelecido e não há tempo para arrepios. Os planos para a linha de trem de 33 bilhões de libras (cerca de R$ 100 bi) foram aprovados pelo governo em janeiro e preveem a construção de um terminal sobre um cemitério do século 19 em Birmingham. Outro cemitério antigo também deverá ser afetado no centro de Londres. O chefe de engenharia e operações do HS2, Tim Smart, diz que "seria diferente se fosse a avó de alguém que estivesse sendo exumada, mas (os corpos a serem afetados) têm cerca de 100 anos. Estamos falando de cemitérios desativados, que não receberam novos corpos no último século. As pessoas entendem que é melhor afetar esses locais do que provocar outros inconvenientes".

 

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