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Construção social do desejo

Por que minha filha nunca me contou que sentia atração por outras mulheres? Será que “abro” para minha mãe conservadora que sou lésbica? Essas duas perguntas, a primeira de uma mulher de 50 anos e a segunda de uma adolescente de 15 anos, feitas durante dois eventos distintos de que participei na última semana, mostram como ainda é complicado, para muitas famílias, a conversa sobre a orientação sexual dentro de casa. Além das dificuldades naturais, a maior flexibilidade de comportamentos que essa geração de jovens tem em relação aos seus desejos está deixando muitos pais de cabelo em pé! 

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Por JAIRO BOUER
Atualização:

Um novo estudo, divulgado na última semana em Chicago (Estados Unidos), durante a Reunião da Associação Americana de Sociologia, põe ainda mais lenha nessa fogueira. Os pesquisadores sugerem que a orientação sexual feminina é mais flexível que a masculina e a direção do desejo das mulheres seria mais influenciada pelas experiências românticas vividas durante seu desenvolvimento do que a dos homens. 

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Segundo o trabalho, mulheres que foram classificadas como mais atraentes na adolescência (e se engajaram em relações amorosas bem-sucedidas desde cedo com homens) teriam maiores chances de se identificarem como exclusivamente heterossexuais na vida adulta. Além disso, as mulheres foram três vezes mais propensas a trocar sua orientação sexual do que os homens. As informações foram divulgadas pelo site Live Science.

Mas os pesquisadores insistem que não é o fato de as mulheres se sentirem menos atraentes que as faz “desistir” dos homens e tentar a sorte com outras mulheres, o que seria uma interpretação muito pobre dos dados. O que os sociólogos acreditam é que aquelas que fogem do padrão clássico de atração e beleza, definido pela sociedade, talvez se sintam mais livres para ter experiências distintas. 

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores acompanharam dados do Estudo Longitudinal de Saúde da Adolescência à Vida Adulta, uma pesquisa que está sendo realizada nos Estados Unidos com 14 mil jovens desde a década de 1990. Foram feitas entrevistas com garotos e garotas aos 16 anos (em 1994) e, depois, em 2002 e 2008.  Curiosamente, mulheres que tiveram filhos antes dos 22 anos tiveram mais chances de variar a orientação sexual do que as que engravidaram mais tarde. Em contraste, mulheres com maior nível educacional e as que foram classificadas pelos entrevistadores como mais atraentes (critério claramente arbitrário e influenciável pelos padrões sociais vigentes), tinham chance maior de se classificar como 100% heterossexuais. 

Para os homens, aconteceu o inverso. Pais precoces tiveram maior chance de se considerarem exclusivamente heterossexuais na vida adulta. Já um melhor nível de educação se relacionou com maior possibilidade de variação. Para garotos, diferentemente das mulheres, ser considerado atraente na adolescência não influenciou a questão da orientação sexual mais tarde.

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De modo geral, os resultados mostram que, apesar de poder haver marcadores genéticos para o desejo sexual, existem outros fatores que reforçam a construção social da nossa orientação. Segundo os especialistas, não é que as pessoas escolhem o que vão sentir mas, sim, que elas podem ser influenciadas pelas suas experiências de vida. 

Voltando às perguntas formuladas no começo do texto, as respostas, como tudo que cerca o comportamento humano, ainda mais na esfera da sexualidade, dependem de individualidades e contextos. Mesmo uma mãe que se mostra aberta ao diálogo pode não inspirar na filha a motivação necessária para ela se abrir. Frustrada por não se sentir incluída nessa história (apesar do filho e do parceiro atual terem sido comunicados), seria importante para essa mãe deixar claro, sem ser invasiva, que a filha pode contar o que quiser, quando achar que a hora chegou. 

No caso da adolescente, que teme uma reação catastrófica da mãe, talvez seja prudente ir construindo espaço para essa revelação, no momento em que ela se sentir mais tranquila e forte para fazê-la. Só lembrando, como sugere o estudo atual, que as coisas podem ser muito menos estáveis e definitivas do que a gente imagina aos 15 anos.

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