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Estudo em São Paulo testa uso da estimulação magnética contra depressão em idosos

De acordo com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, a eficácia do tratamento é a mesma dos antidepressivos, em torno de 50% a 60%

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Por Gonçalo Junior
Atualização:

O tratamento da depressão é um desafio no caso de quem tem acima de 60 anos. Em geral, os idosos chegam aos consultórios usando outras medicações e, muitas vezes, o diagnóstico está camuflado por outras queixas. Agora, o Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) estuda uma técnica, sem medicamentos, que pode ser alternativa ao tratamento de um dos transtornos mentais mais relacionados aos suicídios nessa faixa etária.

Paciente recebe tratamento de estimulação magnética transcraniana repetitiva no Hospital de Clínicas de SP Foto: Tiago Queiroz/ Estadão

A estimulação magnética transcraniana repetitiva é uma técnica não invasiva que estimula pequenas regiões do cérebro. Era utilizada normalmente em algumas doenças neurológicas e psiquiátricas, como Parkinson, e passa a ser estudada no tratamento para depressão em idosos. A grosso modo, os neurônios não se comunicam bem durante a depressão. Com isso, eles não conseguem liberar os neurotransmissores, responsáveis pela sensação de bem-estar e recompensa. Por isso, o paciente tem a sensação de desânimo. A estimulação magnética faz os neurônios voltarem a se comunicar. A área estimulada está ligada a memória, atenção e planejamento. E isso também traz uma melhora cognitiva. “Como não é um tratamento farmacológico, ele não tem interação medicamentosa e não interage com outros órgãos. Isso é importante para o público idoso”, explica o psiquiatra Leandro Valiengo, coordenador do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do instituto.

O advogado Wagner Daniele após tratamentos sem sucesso contra a depressão, encontrou a saída na pesquisa do Hospital das Clínicas Foto: Felipe Rau/Estadão

O advogado Wagner Daniele durante quatro anos relutou em procurar ajuda médica. Temia o preconceito. “As pessoas falam ‘Ah, esse cara é vagabundo’. Por mais que você queira lutar, você não encontra forças. Falta motivação para fazer as coisas que dão prazer. Por isso, o estigma”, relata. Quando decidiu que não dava mais para “se virar sozinho”, como diz, buscou os métodos convencionais de tratamento. Passou por cinco psicólogos, além de terapeutas de linhas diferentes.  Insatisfeito, abandonou tudo. Literalmente. Depois de 35 anos como advogado bem-sucedido, fez ano sabático. Era 2019. Não tinha vontade nem de correr, uma de suas paixões, e deixou de falar até com os mais chegados. Bebia - uma garrafa de aguardente durava dois dias. Fazia isso em casa, sozinho.  No ano passado, encontrou a saída na pesquisa do HC em uma busca na internet. Com o tratamento, retomou a vida. Voltou a trabalhar e hoje é consultor imobiliário. “O tratamento deu motivação. Estou bem melhor do que antes.”

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Eficácia

Valiengo alerta, porém, que alguns pacientes melhoram; outros, não. A eficácia do tratamento é a mesma dos antidepressivos, em torno de 50% a 60%. Conclusões estatísticas mais precisas serão possíveis apenas ao fim do estudo. Desde o ano passado, a pesquisa já tratou 60 idosos acima de 60 anos - a meta é alcançar 110, o que deve acontecer na metade do ano que vem.  Embora comum nos Estados Unidos, onde foi aprovada em 2008, a técnica ainda é pouco conhecida no Brasil. Por aqui, sua validação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) data de 2012. Outro fator que dificulta a popularização são os custos da sessão, entre R$ 300 e R$ 500. E não há cobertura de convênios. Christiane Machado Santana, diretora Científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), alerta ainda para a necessidade de mais pesquisas sobre essa técnica. “Não é um método muito usado. Mas é interessante pensar em uma forma praticamente isenta de efeitos adversos para uma população tão exposta a medicamentos. Mais pesquisas são necessárias para que se torne um método alternativo válido para o tratamento da depressão em idosos”, observa. Essa é a mesma opinião do psiquiatra Lucas F. B. Mella, especialista em psicogeriatria, coordenador do Serviço de Psiquiatria Geriátrica e Neuropsiquiatria da Unicamp. “É uma boa alternativa de tratamento, mas ainda pouco frequente na prática clínica.”

O Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP oferece a pesquisa sobre estimulação eletromagnética para idosos acima de 60 anos com depressão. As inscrições devem ser feitas pelo e-mail pesquisa.neuropsiquiatria@gmail.com. As vagas estão abertas e o tratamento é gratuito.

Suicídio

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Segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a depressão atinge 13% da população entre 60 e 64 anos. Se não diagnosticada corretamente, é um transtorno mental que pode levar ao suicídio. “Entre os transtornos mentais, representa o maior risco de suicídio”, diz Carlos Cais, professor colaborador de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e doutor em prevenção ao suicídio.   Dados do Ministério da Saúde de 2019 mostram que a taxa de suicídios em idosos é de 19,6/100 mil habitantes por ano, o triplo do conjunto da população (6,5/100 mil habitantes ano). De acordo com a ABP, são registrados mais de 13 mil casos todos os anos no Brasil. “É a faixa etária que mais comete suicídio”, ressalta Cais.

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