
20 de setembro de 2011 | 07h43
SÃO PAULO - Os dados do Estado de São Paulo para a incidência de coqueluche, popularmente conhecida como tosse comprida, comprovam a percepção clínica dos infectologistas ouvidos pela reportagem sobre o ressurgimento da doença. Só até julho deste ano a infecção atingiu 183 paulistas, mais do que no ano passado inteiro, quando o Estado teve 176 casos - cerca de um terço dos infectados no País. Há vacina no Sistema Único de Saúde (SUS) apenas para crianças, mas são adultos e jovens os principais disseminadores do agente causador da infecção, a bactéria da bordetella pertussis.
A coqueluche costuma ser mais grave em menores de seis meses, podendo levar à morte por pneumonia, já que a imunidade é adquirida apenas após a terceira dose da vacina tríplice bacteriana. Mas esse tipo de imunização, cujas cinco doses devem ser tomadas até os seis anos, conferem imunidade apenas por dez anos - e mesmo quem já teve a doença está sujeito a uma nova infecção. "Temos observado cada vez mais casos nas enfermarias e nas UTIs de pediatria", diz a infectologista Rosa Maria Barbosa, da Sociedade Paulista de Infectologia, em relação aos últimos cinco anos.
Em adultos, a coqueluche pode ser confundida com resfriados, sendo dificilmente diagnosticada. Por isso, Rosa acredita que as taxas sobre o aumento são apenas a "ponta do iceberg". Até julho, dos 183 casos de coqueluche em São Paulo, houve seis mortes. No ano passado, sete dos 176 infectados no Estado morreram. No País, foram 593 casos até julho e 588 ao longo de 2010, segundo o Ministério da Saúde. O pediatra Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, confirma que a sensação é de aumento das infecções, apesar da boa cobertura vacinal nas crianças.
Ele conta que a situação da doença mudou muito desde o início da vacinação no País, na década de 1980. "Depois da vacinação a coqueluche praticamente sumiu, mas quando as crianças vacinadas na década de 1980 perderam a imunização, voltaram a portar a bactéria e a infectar os bebês", explica. "A doença tem potencial epidêmico. Podem ocorrer surtos em escolas e creches. Um funcionário infectado e não diagnosticado pode contaminar várias crianças."
Estudos internacionais comprovam que adultos são os principais transmissores da coqueluche. Pesquisa publicada pelo periódico científico Pediatric Infectious Disease Journal em 2007 concluiu que 83% dos casos de coqueluche em menores de seis meses têm relação com o contágio por meio parentes que vivem com a criança, sendo os pais os responsáveis por 55% das transmissões - seguidos por irmãos, com 16%; tios, com 10%; e avós, com 6%. Por isso, adultos que convivem com qualquer bebê devem se vacinar.
Diretora da Divisão de Doenças de Transmissão Respiratória do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado, Telma Regina Carvalhanas diz que o aumento dos casos no Estado "ainda está dentro do esperado". Segundo ela, a coqueluche caracteriza-se por ciclos, com picos a cada três ou quatro anos, seguidos por declínio. Telma acrescenta que o Estado tem aprimorado o diagnóstico, com a adoção de um sistema mais rápido e sensível de detecção, o teste PCR (reação em cadeia da polimerase). "Essa nova ferramenta diagnóstica foi adotada há dois anos, otimizando os resultados", completa.
Tosse contínua por mais de 15 dias não é normal
Tossir por mais de 15 dias consecutivos pode ser um sinal de doenças. A infectologista Rosa Maria Barbosa, da Sociedade Paulista de Infectologia, diz que nesses casos é necessário procurar um serviço de saúde para a investigação de coqueluche ou tuberculose. "É importante que todos os adultos com tosse prolongada sejam investigados."
Segundo a especialista, existe uma tendência em subestimar a tosse, mas ela pode ser sintoma de várias doenças - desde um simples resfriado até câncer de pulmão. Alguns especialistas estimam que até 25% das queixas de tosse seca, por mais de duas semanas, tenham a ver com coqueluche.
No caso do adulto diagnosticado com coqueluche, o tratamento com os antibióticos adequados ajuda a evitar a transmissão, segundo a infectologista. O quadro clínico tende a durar quatro semanas.
Adultos também devem se vacinar
A vacina contra coqueluche, que também protege contra tétano e difteria, faz parte do calendário nacional de imunizações. Mas a tríplice bacteriana (DTP) perde o efeito cerca de 10 anos após a última dose. Para os adolescentes e adultos, a doença não é uma grande ameaça, pois tende a ser branda na maioria. O problema é quando esse público passa a conviver com bebês, ainda não totalmente imunizados.
A solução para não se tornar um transmissor da doença para os pequenos é tomar a vacina tríplice bacteriana para adultos. A infectologista Rosa Maria Barbosa diz que, enquanto a vacina infantil é feita com a célula inteira da bactéria, a dos adultos traz uma parte dela, o suficiente para imunizar sem causar reações. Essa opção ainda não faz parte do calendário nacional de imunizações. Em clínicas particulares, a dose varia de R$ 110 a R$ 130.
Hoje está sendo lançada uma outra opção de vacina contra coqueluche para adultos. A chamada Adacel Quadra, produzida pela Sanofi Pasteur, além de proteger contra coqueluche, difteria e tétano, também oferece imunidade contra a poliomielite. "Mesmo para os anteriormente vacinados contra pólio ou coqueluche, o reforço é recomendável, a imunidade contra essas doenças declina com o passar dos anos", afirma a pediatra Luíza Helena Arlant Falleiros-Carvalho, vice-presidente da Sociedade Latino-americana de Infectologia Pediátrica.
SAIBA MAIS
O QUE É
Infecção bacteriana altamente contagiosa que causa tosse e, às vezes, febre
SINTOMAS
Surgem cerca de 10 dias após o contágio. Os primeiros sinais sugerem um resfriado, com coriza e tosse - ela pode durar até 2 meses, às vezes com vômitos e convulsões. O doente emite um som característico ao inspirar, chamado de guincho. Em bebês há risco de morte
CONTÁGIO
Ocorre quando a pessoa infectada tosse, espirra ou fala. O risco é maior na fase inicial, quando a doença ainda parece ser um resfriado
VACINAÇÃO
Em crianças, faz parte da tríplice bacteriana, oferecida via SUS, com doses aos 2, 4, 6 e 12 meses - e aos 5 anos. Adultos em contato com bebês devem se vacinar a cada 10 anos, mas não há cobertura no SUS
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