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Coronavac no Chile: o que se sabe sobre a vacina a partir da experiência no país andino?

País referência em vacinação contra covid-19 enfrenta alta de casos e faz Coronavac ser questionada; estudos apontam diferentes indicadores de eficácia e especialistas reforçam que não é hora de preterir vacinas 

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

O Chile possuía, até terça-feira, 8, pouco mais de 45% da população imunizada com duas doses de imunizantes contra a covid-19. Com ao menos uma dose, segundo a plataforma Our World in Data, eram 59%. O cenário positivo da vacinação, no entanto, não foi suficiente para que o número de casos deixasse de crescer no país — o que suscitou uma série de questões, sobretudo em relação à eficiência da Coronavac. Das 19.829.017 doses aplicadas no Chile, quase 80% são da vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac.

No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, 56% das doses aplicadas são da Coronavac, produzida no País pelo Instituto Butantan. Como a experiência no país andino pode projetar, em partes, o futuro da vacinação contra covid-19 no Brasil, o Estadão reuniu informações a respeito da vacinação no Chile e buscou explicar, com base em estudos e na opinião de especialistas, o que já se sabe sobre o imunizante da Sinovac. Confira as respostas:

O presidente chileno, vacinado em fevereiro, exibe seu cartão com o selo do imunizante da Sinovac Foto: Marcelo Segura/Governo do Chile

A Coronavac está dando resultado no Chile?

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Segundo dados do governo chileno, no último mês, a quantidade de pacientes com mais de 70 anos internados em UTIs caiu de 372 para 342. Já nos pacientes entre 60 e 70 anos a queda foi mais acentuada: no dia 7 de abril, eram 783. Na sexta-feira, 667. Na faixa que vai dos 50 aos 59 anos, a queda teve início há 13 dias, com diminuição de pouco mais de 7%.

Em relação às mortes, nos últimos três meses houve queda de 20,84% na população com mais de 90 anos e de 4,35% para aqueles que têm de 80 a 89. Ambas as faixas estão totalmente vacinadas. Ao mesmo tempo, houve um pequeno aumento nos últimos sete dias nas faixas etárias de 60 a 69 anos e de 50 a 59 anos, onde nem todos têm as duas doses, e também entre os que têm menos de 39 anos.

Em entrevista ao Estadão, o infectologista da Universidad de Chile e integrante do comitê de vacinas do Ministério da Ciência e Tecnologia Miguel O’ Ryan explica que já é possível ver um efeito da vacinação. “Primeiro vimos uma diminuição no número de pacientes na UTI com mais de 70 anos, depois entre 60 e 70, e agora já observamos uma redução na internação de pacientes entre 50 e 60 anos”, relata. Para o especialista, ainda não se vê de forma clara, contudo, uma queda entre os que têm entre 40 e 50 anos.

Quando a vacinação em massa começou no país andino?

A vacinação em massa no Chile começou no dia 3 de fevereiro e, desde então, teve a Coronavac como o principal imunizante. Apenas 20% da população foi vacinada com doses da Pfizer/BioNTech, da Oxford/AstraZeneca e da CanSino. Segundo o governo, o imunizante chinês apresentou um nível de proteção de 67% em pacientes sintomáticos, preveniu em até 80% as hospitalizações, em 89% as internações em UTI e em 80% o risco de morte. Esses índices, é bom lembrar, só são atingidos 14 dias após a segunda dose.

Aplicação da Coronavac em posto da campanha no Chile, em fevereiro Foto: REUTERS/Ivan Alvarado

Quais são os próximos passos do governo chileno?

A meta do governo chileno é ter 80% da população vacinada até o fim do primeiro semestre. Para O’Ryan, a vacinação no Chile é eficaz e a experiência pela qual o país está passando poderá servir como modelo para vários países. Segundo ele, se não houver um pico de casos e mortes durante o inverno, a partir de agosto ou setembro será possível retomar ainda mais atividades econômicas.

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“Apesar de não ter um nível de proteção como o das outras vacinas, a Coronavac é eficiente e, além disso, causa poucos efeitos colaterais”, afirma o infectologista.

Mesmo com o avanço na vacinação, o Chile ainda tem um longo caminho pela frente. O país vem registrando mais de 6 mil novos casos por dia — no final de fevereiro era uma média de 3 mil novas infecções — , tem mais de 3 mil pessoas internadas e menos de 300 vagas em UTIs.

Nesta quinta-feira, 10, as autoridades sanitárias do Chile informaram que a região metropolitana, que abrange a capital, Santiago, e onde habitam mais de 7 milhões de pessoas, voltará à quarentena total no sábado devido ao aumento de casos de covid-19 nos últimos dias e ao alarmante colapso do sistema de saúde.

O que explica o aumento no número de casos de covid-19?

Os especialistas não têm respostas certeiras. Mas dizem que um dos fatores que pode ter contribuído para a alta foi o excesso de confiança na rapidez da vacinação, o que teria causado um relaxamento nas medidas de proteção. A circulação de novas variantes também é apontada como agravante. De acordo com o biólogo e colunista do Estadão Fernando Reinach, possíveis explicações incluem diferenças climáticas, novas cepas e o relaxamento prematuro do distanciamento social.

Quais as diferenças entre o Chile e países que estão com a vacinação avançada, mas com o número de casos em queda?

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Para Reinach, o tipo de vacina utilizada é, de fato, uma importante diferença entre o Chile e os países em que o número de casos e mortes está caindo. “Nos EUA estão sendo usadas exclusivamente vacinas de mRNA (Pfizer e Moderna). Na Inglaterra vacinas da Pfizer e da AstraZeneca foram utilizadas em proporções semelhantes. Na Alemanha 80% das doses são Pfizer e Moderna e 20% são AstraZeneca. Em Israel 100% das doses são Pfizer. Essas vacinas têm alta eficácia e efetividade”, explicou em coluna publicada no Estadão no dia 5 de junho.

“Talvez a Coronavac seja capaz de reduzir internações e mortes, mas não consiga impedir completamente a propagação do vírus. Quando os resultados da fase 3 da Coronavac e do estudo em Manaus forem publicados, e os de Serrana forem terminados e avaliados, é possível que essa hipótese seja comprovada ou descartada. O tempo dirá”, conclui.

A Coronovac é aprovada pela OMS?

Em 1º de junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a aprovação de uso emergencial da Coronavac. O órgão recomendou a vacina para uso em adultos de 18 anos ou mais, em um esquema de duas doses com espaçamento de duas a quatro semanas.

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A experiência de vacinação no Brasil é mesmo similar à do Chile?

Em partes. O Brasil iniciou a vacinação com a Coronavac e logo em seguida começou a usar a vacina da AstraZeneca. Mas, com a compra de 200 milhões de doses da Pfizer, é possível que quando o País chegar a 40% da população vacinada com duas doses, mais de 50% do total de doses ministradas seja da Pfizer e o restante seja dividido entre Coronavac e AstraZeneca.

Portanto, é pouco provável que o País tenha 80% das doses vindas da Sinovac/Butantan como ocorre no Chile. “Nosso futuro talvez esteja mais próximo do que ocorre hoje na Inglaterra do que ocorre no Chile. Isso é uma boa notícia. O triste é que já poderíamos estar com cerca de 40% da população vacinada”, explica Reinach.

O que o experimento realizado em Serrana (SP) nos ensina?

A imunização em massa da população adulta no município de Serrana, interior paulista, comprovou a eficácia da Coronavac, segundo dados divulgados pelo Instituto Butantan. Resultados parciais do estudo divulgados em 31 de maio mostraram redução de 95% no número de óbitos, 86% de internações e 80% em casos sintomáticos de Covid-19. Os dados são preliminares.

Além disso, o número de hospitalizações e mortes na faixa etária superior aos 70 anos foi reduzido a zero após a semana epidemiológica 14 (meio de abril), quando 95% dos adultos de Serrana já estavam vacinados. Em texto publicado no Estadão, o epidemiologista, professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Lotufo explica que o Projeto S, desenvolvido pelo Instituto Butantan na cidade de Serrana, mostrou que, para se controlar uma epidemia, é necessária ação populacional, e não apenas individual.

Afinal, a Coronavac é ou não é eficiente?

Um artigo científico em pré-print (ainda sem revisão por pares) divulgado em 11 de abril aponta que a eficácia da Coronavac contra a covid-19 é maior do que o dado anteriormente divulgado. A chamada eficácia primária, que representa a proteção da vacina contra a doença em qualquer intensidade, passou de 50,38% para 50,7%, chegando a 62,3% com intervalos maiores que 21 dias entre as doses. Contra casos moderados, o imunizante tem eficácia de 83,7%, quando o dado anterior apontava 78%.

Já um outro estudo preliminar divulgado no dia 21 de maio indica que a efetividade da Coronavac cai conforme a idade e varia de 61,8% a 28% a partir dos 70 anos. O trabalho mostra também que o imunizante não confere nenhuma proteção com apenas uma dose. Na média, a efetividade após 14 dias da segunda dose ficou em 42% no grupo de idosos analisado. O índice é inferior ao verificado nos testes clínicos da vacina no Brasil, feitos majoritariamente com voluntários mais jovens.

Por outro lado, a Coronavac foi capaz de reduzir em 97% a mortalidade por covid-19 no Uruguai, segundo estudo preliminar feito pelo Ministério da Saúde daquele país e divulgado no dia 27 de maio. Os dados mostram ainda que o imunizante da Pfizer também teve alta proteção contra as mortes, ainda que em patamar inferior ao da Coronavac: 80%. O governo uruguaio, contudo, solicitou cautela na interpretação dos dados e na comparação com outras vacinas, já que os resultados não foram estratificados segundo faixa etária, presença de comorbidades e risco de exposição ao vírus.

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Em resposta a reportagem do Estadão publicada nesta semana, a Prefeitura de São Paulo afirmou que todas as vacinas disponíveis no Brasil foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e têm eficácia comprovada. "A pasta orienta que não seja feita escolha de um imunizante e nem que a vacinação seja atrasada por isso."

Já a infectologista do Hospital Sírio-Libanês Mirian Dalben afirma que todas as vacinas disponíveis hoje no País são eficazes e seguras. "É muito complicado comparar a eficácia global das vacinas", diz. "O estudo da Pfizer foi feito antes da maioria das variantes surgir, no meio do ano passado, e a da Coronavac, depois." Lançadas após a fase três das pesquisas, todas elas ainda passam por acompanhamento para se medir a eficácia em populações maiores ao longo do tempo, a chamada fase 4.

“Pode ser que depois de um tempo, no futuro, possa se dizer que uma é melhor que a outra para determinada população”, afirma a infectologista. “Agora, o importante é tomar qualquer uma das três e não adiar. Não dá para ser sommelier de vacina.”

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