Coronavírus leva a hábitos religiosos online

Nova realidade obriga lideranças religiosas a adotarem ferramentas digitais; mas falta de atividades em grupo é o principal desafio

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Por Paulo Beraldo
Atualização:

Quando o padre Paolo Parise chegar neste domingo à Igreja de Nossa Senhora da Paz, no centro de São Paulo, para realizar a celebração dos 80 anos da paróquia e a tradicional missa, não encontrará fiéis. Nem haverá comunhão. Durante a semana, não houve aulas de catequese, confissões, casamentos nem batizados ali. 

Nos 80 anos da paróquia, não haverá missa com fiéis; na terra natal de Parise, suspensão já dura 5 semanas Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

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“Sexta, sábado e domingo por aqui é tudo muito agitado. Mas, com o avanço do coronavírus, tudo foi diminuindo”, contou o italiano que vive no Brasil há quase 30 anos. Quem quiser acompanhar a missa feita por três padres em conjunto terá de usar a internet - prática adotada por outras denominações religiosas no Brasil e no mundo desde o início da pandemia. 

Na Primeira Igreja Batista de São Paulo, as reuniões e eventos também foram suspensos e as atividades online estão sendo estimuladas, incluindo cultos. Aconselhamentos pastorais e reuniões de oração passaram a ser virtuais. “É uma crise com impactos emocionais e econômicos, além dos epidemiológicos. Por isso, muitos pastores estão oferecendo ajuda com alimentos”, complementa o pastor Davi Lago. 

Rituais religiosos e tradições não passaram ilesos ao vírus. A Diocese de Roma fechou mais de 900 igrejas e o papa liberou os fiéis de irem à missa aos domingos. No Vaticano, a Praça de São Pedro não tem mais eventos. A Arábia Saudita fechou os portões de suas principais mesquitas para as tradicionais orações de sexta. Eventos religiosos em Israel foram suspensos e os sempre lotados templos hinduístas da Índia estão com restrição para funcionar.

As medidas de isolamento e distanciamento social representam um desafio para as religiões, uma vez que os encontros e eventos fazem parte de uma tradição que atravessa os séculos. “Os rituais são mecanismos de conexão das pessoas com a comunidade e com a divindade. Eles tocam muito no sentimento e no imaginário”, explica o doutor em Ciências da Religião Luiz Bueno, professor da FAAP. “A impossibilidade de realização desses rituais religiosos tem um impacto muito grande nas comunidades.”

“Os templos religiosos são fundamentais em épocas de crise porque acolhem, são um lugar onde se busca a saúde mental e espiritual”, concorda Jihad Hammadeh, líder muçulmano em São Paulo e vice-presidente da União Nacional das Entidades Islâmicas. Os islâmicos fazem várias orações ao dia, na mesquita ou em casa. Mas as preces semanais típicas de sexta, realizadas em grupos nas mesquitas, foram canceladas. Jihad conta que há cerca de 30 mesquitas no Estado - todas fechadas. Ele tem feito aparições virtuais em redes sociais para manter contato com fiéis. “É difícil, mas temos de pensar na saúde primeiro.”

Ação semelhante à adotada pelos judeus em São Paulo. Com 40 sinagogas fechadas, o rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista, conta que algumas instalaram estúdios e decidiram transmitir pela internet as orações. “Estamos proibindo o público de entrar, algo que era impensável. A gente trabalhou a vida inteira para estimular as pessoas a estarem na sinagoga”, diz o rabino. “Mas entendemos como algo necessário e temporário. Em breve esperamos retomar o face a face com muito beijo e abraço.” O presidente da Confederação Israelita do Brasil, Fernando Lottenberg, diz que há iniciativas de voluntários para apoiar pessoas idosas a fazer compras em farmácias ou mercados, e propostas de atividades aos que ficam em casa. Uma dessas ações são “jantares virtuais” por Facetime. 

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A nova realidade também se impôs na Igreja de Nossa Senhora da Paz. As aulas de catequese para cerca de 100 crianças foram suspensas. E as missas para brasileiros e imigrantes na capital paulista em cinco idiomas não terão fiéis a partir deste domingo. As três celebrações serão transmitidas virtualmente. Casamentos, batizados e crismas estão suspensos. As aulas de Português para estrangeiros também foram temporariamente canceladas. Assim como o auxílio para os refugiados com documentação, o atendimento psicológico e as confissões. 

As primeiras medidas foram entregar a hóstia na mão e não na boca do fiel, não dar as mãos na oração do pai-nosso e não pegar nas mãos ou abraçar os fiéis antes de eles entrarem nas igrejas. “Algumas novenas que chegavam a ter 400 pessoas também foram canceladas”, afirma Parise. O padre italiano conta que em seu país há igrejas sem celebrações há cinco semanas. 

Adaptação

Para Francisco Borba, sociólogo e coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, as cerimônias digitais e a velocidade com que as religiões tiveram de se adaptar reforçam um processo já existente. “Antes, elas existiam, mas as pessoas não se preocupavam tanto em ver.”

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Papa preside missa em streaming e reza por família confinada

O papa Francisco presidiu neste sábado a missa matutina transmitida em streaming da Casa Santa Marta e se dirigiu “às famílias que não podem sair de casa”. “Talvez o único horizonte que tenham é o balcão. E ali dentro, a família, com as crianças, os jovens, os pais: para que saibam encontrar o modo de comunicar bem, de construir relações de amor na família, e saibam vencer as angústias deste tempo juntos, em família.”

A igreja em Roma suspendeu as celebrações com o povo mesmo na Semana Santa, em abril, a exemplo do que dioceses do mundo todo, incluindo o Brasil, vêm fazendo. Algumas também têm lançado campanha, estimulando a que pessoas fiquem em casa, como Goiânia, que sugere o cumprimento “Deus conosco”, por meio de um sinal da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

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