Covid-19: Estudo revela como o vírus manipula as células para se replicar

Pesquisadores da Unicamp e da USP descreveram como uma proteína humana interage com uma proteína do SARS-CoV-2, o que pode abrir caminho para o desenvolvimento de tratamentos

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Por André Julião
Atualização:

Em estudo publicado na revista Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) descreveu como uma proteína humana interage com uma proteína do SARS-CoV-2, demonstrando um dos mecanismos usados pelo vírus causador da covid-19 para recrutar as células e se replicar.

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Em testes in vitro, os pesquisadores conseguiram inibir a interação entre as moléculas usando um fármaco e, com isso, reduziram a replicação viral entre 15% e 20%. Com o resultado, o grupo espera contribuir com o desenvolvimento de terapias contra a covid-19.

"A proteína humana conhecida como PCNA [sigla para Proliferating Cell Nuclear Antigen] interage com a proteína M [matriz] do SARS-CoV-2, uma das moléculas que compõem a membrana do vírus e dão forma a ele. A descoberta em si mostra uma das maneiras pelas quais o patógeno manipula a função da célula para poder seguir seu ciclo de vida", explica Fernando Moreira Simabuco, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira, que coordenou o estudo apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Estudo demonstraum dos mecanismos usados pelo vírus causador da covid-19 pararecrutar as células e se replicar. Foto: Daniel Teixeira/ Estadão - 24/3/2021

Em laboratório, o grupo utilizou diferentes técnicas para mostrar como a presença da proteína M do vírus no organismo faz com que a PCNA, uma proteína envolvida no reparo do DNA, migre do núcleo das células – onde ela normalmente se encontra – para o citoplasma, região onde ficam as organelas, responsáveis por importantes funções celulares.

Segundo os pesquisadores, essa migração demonstra que as proteínas viral e humana estão interagindo entre si, o que foi corroborado por outras metodologias.

Outra forma de verificar o fenômeno foi usando um composto que é inibidor da migração de proteínas do núcleo para o citoplasma. Tanto em células tratadas com um composto específico para a PCNA quanto com esse outro que inibe a migração de diferentes proteínas, incluindo a PCNA, o coronavírus teve uma replicação entre 15% e 20% menor quando comparado aos que estavam em células sem tratamento algum.

"Se estivéssemos pensando em uma terapia, talvez essa redução não fosse significativa. Porém, o principal objetivo era demonstrar essa interação e que ela pode ser um alvo para futuros tratamentos", diz Simabuco.

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Em colaboração com pesquisadores do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, foram analisadas ainda amostras de tecido pulmonar obtidas durante autópsias de pacientes mortos pela covid-19.

Foi observado um aumento da expressão tanto da proteína PCNA como de gamaH2AX, proteína considerada um marcador de dano ao DNA, o que reforça os resultados. "Esse dado pode indicar mais uma consequência da infecção pelo coronavírus", diz Simabuco. O trabalho tem como primeira autora Érika Pereira Zambalde, pós-doutoranda na FCA-Unicamp sob supervisão de Simabuco.

Novo caminho

A proteína M se ancora, junto com as proteínas E e S, na membrana que envolve todo o SARS-CoV-2, e é a mais abundante das quatro principais proteínas estruturais do vírus, que levam esse nome por darem forma ao patógeno. Por isso, tem sido vista como um alvo potencial para medicamentos e vacinas.

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Por sua vez, a proteína S, da espícula (spike, em inglês), é a mais conhecida por conta do seu papel na ligação com o receptor humano, que a tornou o alvo das principais vacinas atuais.

A proteína humana PCNA, por sua vez, é bastante estudada no contexto do câncer, tema de projeto conduzido por Simabuco na FCA-Unicamp. Na infecção por vírus, porém, muito pouco se sabe sobre o papel dessa proteína humana.

O artigo publicado agora, portanto, abre caminho para novos estudos sobre essa interação entre o coronavírus e a molécula, facilitando o desenvolvimento de tratamentos. Um próximo passo seria a validação das descobertas em modelos animais, o que ainda não há previsão para acontecer.

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Parte dos experimentos foi realizada no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE), coordenado por José Luiz Proença Módena no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, que é apoiado pela Fapesp.

O estudo teve ainda colaboração dos grupos de pesquisa coordenados por Armando Morais Ventura, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, e Henrique Marques-Souza, professor do IB-Unicamp.

O artigo Characterization of the Interaction Between SARS-CoV-2 Membrane Protein (M) and Proliferating Cell Nuclear Antigen (PCNA) as a Potential Therapeutic Target pode ser lido em: http://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fcimb.2022.849017.