Desigualdade é maior desafio ao combate à covid no País, diz diretora da Anistia Internacional

Érika Guevara Rosas classificou como 'negligente' a postura do presidente Jair Bolsonaro ao estimular as pessoas a irem às ruas, desrespeitando recomendações das autoridades de saúde

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Por Roberta Jansen
Atualização:

RIO - Diretora da Anistia Internacional para as Américas, Érika Guevara Rosas diz que a desigualdade social no País é o maior desafio ao combate à epidemia de covid-19 no Brasil e também classificou como "negligência" a postura do presidente de Jair Bolsonaro de estimular as pessoas a irem às ruas, desrespeitando as recomendações das autoridades de saúde de ficar em quarentena. “A Anistia continuará monitorando a situação, dando visibilidade não só à negligente resposta de Bolsonaro, mas também às políticas que seguem marcando as desigualdades e deixando sem proteção milhares de pessoas no Brasil”, garantiu Rosas, em entrevista ao Estado.

'A pandemia de covid-19 afeta todas as pessoas, mas não da mesma maneira' Foto: ANISTIA INTERNACIONAL

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Qual é o impacto da pandemia de Covid19 na questão dos direitos humanos na América Latina e Caribe, que já têm histórico de desrespeito a esses direitos?

A pandemia de covid-19 afeta todas as pessoas, mas não da mesma maneira. Esta emergência deixa bem clara a interseção entre diferentes formas de exclusão, desigualdade e desrespeito aos direitos humanos. Precisamos garantir que toda população tenha acesso à assistência médica sem discriminação, temos de proteger as pessoas que correm mais perigo, adotar medidas concretas para mulheres, meninas e outros grupos naturalmente marginalizados. América Latina e Caribe têm uma grave situação de desrespeito aos direitos humanos, de violência generalizada, impunidade, corrupção e enormes desigualdades econômicas, sociais e de acesso à Justiça. Agora, a tudo isso, se junta a covid-19. Por isso, a resposta à epidemia deve ser, antes de mais nada, proporcional à vulnerabilidade que determinados grupos já têm devido aos riscos e violações que historicamente enfrentam.

 Qual é o maior risco às democracias imposto pela pandemia?

Já temos denúncias de detenções em situação de arbitrariedade e abuso em Guatemala, El Salvador, Honduras, Peru e Venezuela. Alguns países colocaram as Forças Armadas no controle das medidas de isolamento, controlando as ruas e fazendo cumprir o toque de recolher, o que acaba gerando uma repressão violenta. Há grande dificuldade por parte dos Estados de colocar os direitos humanos no centro da resposta.

A desigualdade social no Brasil é o maior desafio no combate à epidemia?

O Brasil é exemplo muito claro de como a desigualdade pode ter um papel crucial na propagação da epidemia, com as suas grandesdesigualdades sociais e econômicas, com grande porcentual da população vivendo nas favelas em situação de marginalidade, pobreza extrema, violência e violações aos direitos humanos, expostas a situação de altíssimo risco. Já recebemos denúncias de abusos policiais em favelas e comunidades historicamente marginalizadas, onde o acesso à saúde já é restrito e que agora serão desproporcionalmente afetadas pela situação da pandemia. Algumas comunidades não têm sequer os serviços básicos para cumprir as mais simples recomendações do Ministério da Saúde, como lavar as mãos, porque não têm água. É como disse, o desafio da resposta é ser proporcional às necessidades da população.

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O presidente Jair Bolsonaro já foi acusado algumas vezes de desrespeitar direitos humanos. Nesta epidemia, ele vem tendo atitudes muito contraditórias, estimulando pessoas, por exemplo, a deixarem o isolamento e irem para as ruas. Isso pode agravar a situação do Brasil? O que a Anistia pode fazer?

Sim, o governo de Jair Bolsonaro nós últimos meses vem gerando uma política pública de violação de direitos humanos justamente a essas populações marginalizadas, com seus decretos que aprofundam as desigualdades. Na resposta à pandemia, ele continuará, tristemente, nessa linha. Apesar dos esforços de governos estaduais e de instituições federais, Bolsonaro continua com uma narrativa que dá pouca importância ao impacto imediato e de longo prazo da epidemia, falando para as pessoas voltarem à vida normal, quando a normalidade não existe. Ele está expondo a vida e a integridade dessas pessoas com essa narrativa.E há irresponsabilidade e negligência em suas políticas públicas de prevenção. A Anistia continuará monitorando a situação, dando visibilidade não só à negligente resposta de Bolsonaro, mas também às políticas que seguem marcando as desigualdades e deixando sem proteção milhares de pessoas no Brasil.

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