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Droga, paranoia e alucinação

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Por Jairo Bouer
Atualização:

Na última semana, um laudo que vazou do Instituto Médico-Legal (IML) de São Paulo apontou que a causa da morte do jovem Victor Hugo Santos, de 20 anos, encontrado na raia da USP no final de setembro, teria sido afogamento, após o consumo de uma droga sintética relativamente nova no Brasil, conhecida como 25B-NBOMe. Até a noite de sexta-feira, a família se mostrava surpresa e pretendia questionar o resultado. Segundo os pais, o garoto nadava bem e não consumia drogas. Os amigos disseram que ele teria bebido durante a festa que ocorreu no velódromo da USP, mas o IML não teria encontrado álcool no corpo. A sigla NBOMe se refere a um grupo de drogas alucinógenas (a Agência Nacional de Vigilância Sanitária colocou 11 variações dela na lista de substâncias proibidas no início de 2014). Apreensões têm sido feitas pela polícia desde 2012 no Brasil. No final de 2013, em São Paulo, a PM localizou quase dois mil micropontos, que inicialmente foram identificados como LSD (ácido lisérgico), mas, na realidade, eram de 25I-NBOMe, semelhante à encontrada pelo IML no corpo do jovem. A droga guarda algumas similaridades com o LSD, mas tem sabor um pouco amargo e pode levar até seis horas para produzir efeito. Foi sintetizada há menos de dez anos, provavelmente na Alemanha, e produz euforia e alucinações (alterações da percepção). Efeitos colaterais indesejados incluem paranoia, confusão mental, convulsão e morte. No Brasil, custa cerca de R$ 30. O episódio na USP pode servir de alerta para alguns fenômenos que têm acontecido em relação ao uso desse tipo de substância entre os mais jovens. Em 2013, um relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) já mostrava uma tendência de popularização das novas drogas sintéticas. O estudo revelou um aumento de mais de 50% do número de novas substâncias psicoativas nos últimos anos, principalmente na Europa. Não era difícil imaginar que a onda logo chegaria ao Brasil. Boa parte dos jovens consumidores das sintéticas não tem ideia do que está tomando. Denominações afetivas como "balas" (estimulantes) ou "doces" (alucinógenos) são utilizadas para se referir a elas, que funcionam como uma espécie de aditivo para as baladas. Não é incomum que, ao comprar um ingresso para uma festa, alguém da turma se encarregue de arrumar o "combustível". O conceito de "droga", que agrega riscos e efeitos colaterais, não é claramente percebido. Problemas: nem sempre se sabe o que está sendo comprado (não é incomum que a procedência dessas substâncias seja de origem duvidosa, muitas delas feitas em pequenos laboratórios domésticos e clandestinos). Além disso, como com qualquer tipo de medicamento, podem acontecer reações particulares e imprevisíveis. As novas drogas podem ser compradas até pela internet, o que torna ainda maior a dificuldade de controle da procedência e de eventuais apreensões da polícia. Outro fenômeno comum é que os pais não tenham ideia desse consumo, já que ele é eventual e restrito às festas. Mais: mesmo quem nunca usou droga pode, no calor da hora, tomar um drinque ou uma mistura qualquer feita pelos amigos que contenha uma ou mais sintéticas. Uma rápida checada no Neurosoup.com, que se apresenta como um site de redução de danos e educação e compartilha informações dos aspectos positivos e negativos do consumo de drogas legais e ilegais, traz um relato de um amigo de um adolescente que consumiu 25B-NBOMe no Texas (EUA), sem data especificada, que usou um microponto achando que estava ingerindo LSD. Seguem alguns trechos traduzidos: "Ele ficou paranoide e muito ansioso, tentando se jogar do segundo andar de um prédio. Correu em direção a um campo aberto, pulando uma cerca de arame farpado, o que provocou muitos cortes em seu corpo. Ele não percebeu que estava machucado, tirou as roupas e correu na direção de carros na estrada. Pulou uma pequena ponte e começou a jogar pedras nos outros. Depois de ser contido e ter visto a mãe chegar, ele se acalmou". Ficção ou realidade, o relato mostra que em momento de descontrole, possivelmente motivado por uma paranoia (sensação de estar sendo perseguido) ou por alguma forma de alucinação, um jovem sob efeito de uma droga dessa categoria pode se colocar em sério risco!* É psiquiatra

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