Em meia hora de discurso, Bolsonaro diz 5 inverdades sobre combate à covid-19 no País; veja quais

No dia anterior, aparição do presidente com máscara causou surpresa; declarações sobre decisão do Supremo e posição da OMS sobre lockdown estão incorretas

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Por Mateus Vargas
Atualização:

BRASÍLIA - No dia seguinte ao surpreender por usar máscara e adotar tom moderado em discurso sobre a pandemia, o presidente Jair Bolsonaro voltou a distorcer dados, negar omissão do governo federal e atacar governadores que tentam conter o avanço da pandemia no País. As declarações foram feitas em videoconferência organizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Na participação, que durou pouco mais de meia hora, em ao menos cinco vezes, o presidente disse informações inverídicas. Veja abaixo:

O presidenteJair Bolsonaro fala à imprensa no Palácio da Alvorada, em Brasília Foto: Dida Sampaio / Estadão

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Dados de mortes por covid-19

O presidente disse que mortes ainda sob suspeita da covid-19 são somadas a dados oficiais para inflar números da pandemia. "Tenho vários atestados de óbito comigo. Várias comorbidades. E lá embaixo está escrito: 'Suspeita de Covid'. Entra na estatística de morte por covid-19", disse Bolsonaro, no momento em que criticava determinações de governadores para reduzir a circulação de pessoas. 

Além de não apresentar provas, o presidente contradiz dados do próprio Ministério da Saúde. Diariamente a pasta divulga balanço da pandemia e aponta o número de óbitos que tem a covid como suposta causa, mas ainda estão em investigação. Os dados de quarta-feira, 10, por exemplo, mostram 2,286 mortes por covid-19 foram confirmadas nas 24 horas anteriores -- um recorde. Destas, 1.773 ocorreram nos últimos 3 dias. O restante, em outras datas. Além disso, a Saúde informou que 2.930 mortes estavam em investigação para confirmar se foram causadas pela covid-19 ou não. 

O ministério tem cartilhas sobre a notificação de óbito por covid e até mesmo para pessoas infectadas, mas que morreram de outras causas, como uma queda após um escorregão. Segundo a pasta, a investigação médica definirá se a covid-19 foi a causa direta do falecimento e se o caso fará parte das estatísticas da pandemia. A pasta também admite o diagnóstico clínico, ou seja, sem um teste da covid-19, mas lista alguns critérios, como ter tido contato com alguém com caso confirmado.

Ainda que casos tenham sido indevidamente somados aos dados da covid-19, o número de óbitos além do esperado durante a pandemia escancaram a gravidade da doença. Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), morreram 234,8 mil pessoas a mais no País até 1.º de fevereiro, na comparação sobre a média para o mesmo período em anos passados. Desde essa data, diversos Estados ainda entraram em colapso.

A afirmação distorcida de Bolsonaro foi feita no momento em que o governo está sob forte pressão pela explosão de internações e omissão para controlar a pandemia. Nesta semana, o Ministério da Saúde admitiu que a campanha de vacinação pode parar por falta de vacinas e que o descontrole do vírus no País é uma preocupação para o resto do mundo.

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OMS contra o lockdown

Em seu discurso nesta quinta-feira, 11, o presidente voltou a criticar medidas para evitar a circulação de pessoas para conter a propagação do vírus, como o fechamento do comércio não essencial e "lockdowns". "O efeito colateral do combate ao vírus está sendo mais danoso que o próprio remédio. Lockdown não é remédio", declarou. O presidente ainda afirmou que até a "desacreditada" Organização Mundial da Saúde (OMS) rejeita o lockdown. 

Esta versão contrasta com recomendações de Jarbas Barbosa, vice-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da OMS na América. Em entrevista ao Estadão neste mês, Barbosa disse que o Brasil deve tomar medidas "enérgicas", como um lockdown, senão a pandemia só irá piorar.

Corrida pela vacina

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Bolsonaro também reagiu a críticas sobre demora para a compra de vacinas. "Abrimos pra comprar com praticamente todos os laboratórios, depois de aprovado pela Anvisa, como sempre disse", afirmou. "A acusação de negacionista, terra planista, genocida, não cola. Demonstrei aqui que o governo tudo está fazendo, desde o começo. Não podemos eleger um responsável pelo seu insucesso. Todos nós somos responsáveis", alegou o presidente.

Em 2020, porém, o presidente afirmou que não compraria a Coronavac, desenvolvida na China, por causa da "origem" do medicamento. Também rejeitou propostas da Pfizer e chegou a falar, em tom irônico, que o laboratório não responderia caso alguém se transformasse em jacaré após receber a dose.

Em dezembro, Bolsonaro também disse que a pressa pela chegada dos imunizantes "não se justifica" e que as farmacêuticas é que deveriam estar interessadas em negociar com o governo. "Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, quem quer vender (que tem). Se sou vendedor, eu quero apresentar", disse Bolsonaro em 28 de dezembro.Na mesma ocasião, disse que não tomaria a vacina quando ela estivesse disponível.

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Supremo restringiu ação do governo

Criticado por se omitir diante do avanço da covid-19 no País, Bolsonaro voltou a se defender distorcendo uma decisão do Supremo Tribunal Federal para se eximir de responsabilidade sobre o enfrentamento da pandemia. "Daqui a pouco a gente vai ter meia hora pra sair na rua. E nós continuamos ficando quietos. Vocês podem falar: 'É um direito deles, de acordo com a decisão do Supremo'", disse Bolsonaro, em referência ao toque de recolher imposto no Distrito Federal.

Diferentemente do que diz o presidente, a decisão do Supremo assegurou aos Estados e municípios autonomia para tomar medidas que tenham como objetivo tentar conter a propagação da doença, mas não exime a União de realizar ações e de buscar acordos com os gestores locais. 

Ação na pandemia

Em outra declaração que representa uma distorção, Bolsonaro disse ter agido desde o início da pandemia. "Desde o primeiro momento, o nosso governo se preocupou e tomou medidas para conter o, ainda desconhecido, covid-19", afirmou o presidente.

Apenas em março do ano passado, quando os casos do novo coronavírus já haviam chegado ao País e a OMS declarou apandemia, Bolsonaro minimizou a doença. Após dizer se tratar de "histeria" e "fantasia", convocou rede nacional de TV e rádio para dizer que não passava de uma "gripezinha", além de dizer que a situação não poderia ser tratada como “se fosse o fim do mundo”.

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