Emergência da covid-19 movimenta no País mais de R$ 5 bilhões em doações

Maior parte é proveniente de grandes empresas, como Itaú e Vale, mas pessoas físicas, mesmo com pequenas quantias, colaboram para mudar o cenário de filantropia

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Por Giovana Girardi
Atualização:

A emergência nacional de saúde, social e econômica provocada pela pandemia de covid-19 criou uma onda de solidariedade no Brasil que já resultou em mais de R$ 5 bilhões de doações. A maior parte é proveniente de grandes empresas, mas pessoas físicas, mesmo com pequenas quantias, colaboram para mudar o cenário de filantropia no Brasil. Até áreas que não tinham tradição de captar recursos, como a ciência, estão se beneficiando. E a expectativa é de que, da tempestade, possa surgir uma cultura maior de doações no Brasil.

O dado foi compilado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que criou um monitor das doações para mapear as ações de combate ao coronavírus. Segundo a organização, o valor é inédito no País. O último censo sobre filantropia feito no País, referente a 2018, pelo Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), rastreou um total de R$ 3,25 bilhões de doações ao longo de todo aquele ano. Com a resssalva de que esse censo só mede o volume de recursos corporativos, de investidores sociais.

Emergência da pandemia de coronavírus aumentou de modo expressivo a filantropia no Brasil. Mais de R$ 5 bi já foram mobilizados, desde doações de grandes empresas a campanhas mais sociais, como essa distribuição de marmitaspelo projeto Panela Coletiva Foto: Cacá Machado

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“Existe pouco dado sobre filantropia no Brasil, o que é lamentável. Resolvemos fazer o monitor porque percebemos que algo estava acontecendo em decorrência da pandemia. Em um fim de semana, vi anúncios de doações que chegavam a quase R$ 500 milhões”, conta Márcia Woods, presidente do conselho deliberativo da ABCR. O site foi lançado no dia 31 de março, com esse valor. Nesta sexta, dois meses depois, já somava mais de R$ 5,2 bilhões.

A maior parte (86%) é proveniente de empresas, sendo Itaú, Vale e JBS os principais doadores. Campanhas de financiamento coletivo respondem por 7% das doações. “Mas são mais de 300 campanhas, que juntas já arrecadaram mais de R$ 345 milhões. São mais de 320 mil pessoas doando, de R$ 5 a R$ 1 mil. É bastante democrático e diverso”, relata Márcia.

Cerca de 70% das doações são direcionadas para infraestrutura e insumos de saúde (como máscaras, EPIs e reagentes para testes). Outra parcela grande é para lidar com os impactos socioeconômicos do isolamento e da pandemia. “Muitas campanhas são pensadas para a segurança alimentar, fazendo chegar alimentos onde o benefício do governo não chega”, afirma.

A pandemia, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão, escancarou as fragilidades que o País já tinha há muitos anos, em especial nos sistemas de saúde – de falta de leitos e de equipamentos e da nossa capacidade de responder a uma emergência – e trouxe à tona a necessidade de haver uma rede de colaboração mais estruturada.

Uma pesquisa feita em 2016 sobre o perfil das doações no Brasil já havia revelado que o brasileiro é solidário, mas age muito com base na emoção do momento – como em uma tragédia –, mas em geral não tem muita constância em sua filantropia. “A maioria (62%) doa bens, como roupas. Essa é a clássica doação do brasileiro. Ele ajuda em desastres, campanhas do agasalho”, afirma Paula Fabiani, diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), que conduziu o estudo.

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O instituto criou para a pandemia o Fundo Emergencial para a Saúde, que já arrecadou R$ 37 milhões para hospitais que atendem pelo SUS e algumas instituições de pesquisa, como a Fiocruz. A maioria do recurso vem de empresas, mas pelo menos R$ 1,6 milhão foi doado por mais de 10 mil pessoas.

A pesquisa do Idis havia mostrado que, entre os que doam, 46% o fazem para organizações não governamentais, mas menos de 20% são recorrentes. “É uma doação casuística, emotiva. O brasileiro quer aliviar o sofrimento imediato de alguém, mas não age de uma forma estratégica para mudar um determinado cenário”, define Paula.

Segundo ela, o instituto observou também, em pesquisa posterior, que o brasileiro não tem clareza sobre qual é a causa que lhe motiva nem sobre o papel das organizações da sociedade civil. A expectativa é de que isso talvez possa mudar com a pandemia, com os movimentos de doações se tornando mais frequentes e organizados. “Acredito que a era da solidariedade veio para ficar. Ou pelo menos os aportes das empresas. Há uma cobrança mundial para que elas tenham um maior comprometimento. Para que o papel delas não seja só gerar lucro, mas valor para a sociedade e para o ambiente”, diz Paula.

Incentivos fiscais

Um gargalo para o aumento dessas iniciativas é a falta de incentivos fiscais. Alguns só valem para empresas que declaram lucro real. Para pessoas físicas, também há incidência de impostos.

Por causa da pandemia, foram apresentados no Congresso 12 projetos de lei de isenção para as doações voltadas para o combate à covid-19. “É louvável, mas queremos que seja uma alteração perene, e não só para a saúde. A pandemia terá um impacto socioeconômico gigante. Queremos isenções para todas as organizações sem fins lucrativos atuando em diferentes causas”, afirma Márcia.

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