29 de agosto de 2019 | 05h00
Enquanto o paciente espera ser ouvido e tocado, o médico preenche o prontuário, pede exames, fala pouco. Situações de falta de empatia e de dificuldade de comunicação estão entre as principais queixas dos pacientes, seja em hospitais ou consultórios. E também despertam a atenção da comunidade médica, que vem criando soluções para reduzir essa distância e sugerindo adaptações no ensino da profissão.
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“Empatia e comunicação são fundamentais na formação dos médicos”, acredita o urologista Fábio Leme Ortega, que participou do painel sobre o tema no Estadão Summit Saúde 2019. “No Brasil, formamos bons profissionais em algumas faculdades, mas acredito que não há foco específico nessas áreas, até porque é muito difícil ensinar empatia.”
Ortega explica que, cada vez mais, os novos profissionais aprendem a entender o diagnóstico, mas não a pessoa, que não quer ser tratada como um número ou um prontuário. Para ele, um dos caminhos é trabalhar o que chama de “currículo oculto” dos cursos de Medicina: o aprendizado das boas práticas médicas, por observação. Significa dizer que o estudante replica o que aprende com seus professores e mentores, que o mostram como lidar com um paciente.
A tecnologia pode desempenhar um papel importante nesse cenário, como mostra o Canal Doutor Ajuda, um dos exemplos apresentados no Summit. Presente nas redes sociais, a Navegar pela doença
“Não dá para apagar o ‘dr. Google’, ferramenta que as pessoas usam para se informar e chegar à consulta mais bem preparadas”, diz Orestes Pullin, presidente da Unimed Brasil, que também esteve no evento. “Mas, muitas vezes, o paciente chega ao consultório com informações erradas e é neste momento que o médico precisa entender seu papel: ele não está em posição de afrontar o paciente, mas ao lado dele.” Pullin acredita que o médico precisa olhar para o paciente, conversar com ele e modificar sua forma de trabalhar.
A médica Graziela Moreto, que escreveu uma tese de doutorado sobre empatia na Medicina, crê que a formação de novos profissionais em saúde precisa corrigir a “erosão da empatia” identificada durante a fase de residência médica. “Quando o aluno é exposto à dor e ao sofrimento, isso cria emoções que, quando não trabalhadas pelo professor, podem levar ao distanciamento do paciente. Esse comportamento acaba se perpetuando durante a vida profissional”, argumenta.
Para o diretor do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP, Paulo Andrade Lotufo, a empatia pode ser ensinada no formato narrativo e, principalmente, nas discussões sobre as condutas médicas. “O tema é pouco mencionado, não somente entre estudantes de Medicina, mas no ensino em geral”, critica.
Segundo Lotufo, o desafio é quebrar a mentalidade ensinada a profissionais durante a formação, que faz os universitários pensarem e agirem como se estivessem “do lado oposto do balcão”. “Ou seja, como ver o mundo sob a ótica do próximo, do outro e, não somente a sua, como indivíduo ou corporação.” A comunicação empática é capaz de complementar e aperfeiçoar um diagnóstico.
Diretora executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera fez parte do painel que encerrou o Summit Saúde 2019, sobre os modelos de remuneração de prestadores de serviço.
Falando em tecnologia de forma mais ampla, por um lado há muitas tecnologias que podem ajudar no acesso e na redução de custos. Mas é importante colocar telemedicina e inteligência artificial no contexto da saúde. Não tem nada que você possa usar em todas as situações. O foco sempre deve ser em melhorar a atenção ao paciente: as possibilidades de inovação são infinitas, mas os recursos são finitos.
Saúde no Brasil é um desafio enorme. Você tem uma parcela de pessoas na saúde suplementar e uma parcela grande dependente do Sistema Único de Saúde. Esses dois sistemas têm de coexistir. O SUS tem um problema sério de subfinanciamento e é importante que quem possa estar no sistema privado de saúde, esteja. É muito bom que as pessoas vivam mais, mas há um preço. É preciso discutir o que precisa ou deve ser feito.
Participei do painel “Medicina baseada em valor: como avançar nos novos modelos de remuneração”. Hoje, o sistema funciona assim: o médico faz uma consulta, cobra; faz um exame, cobra; faz uma internação, cobra. Não há controle nenhum da qualidade do serviço prestado e nem se sabe se tudo que foi feito era realmente necessário. O modelo fee-for-service (pagamento pelo serviço) é algo perverso: quanto mais se usa, mais se ganha. Embora inicial, o debate ganha fôlego no mundo todo e o Estadão Summit Saúde 2019 trouxe discussões de altíssimo nível
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