BRASÍLIA - Uma licitação preparada pelo Ministério da Saúdepromete reacender a discussão em torno da produção brasileira de hemoderivados - os medicamentos produzidos a partir do fracionamento do plasma do sangue humano. Em audiência realizada nesta segunda-feira, 25, a pasta anunciou a intenção de comprar o equivalente à demanda semestral de um produto essencial para hemofílicos, o Fator VIII recombinante. A proposta provocou a indignação da empresa Shire, que desde 2012 mantém com a Hemobras uma Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) para a produção do hemoderivado.
O acordo com Hemobras e Shire havia sido suspenso pelo ministério em julho, sob a justificativa de que o andamento estaria em desacordo com as diretrizes estabelecidas no contrato. Meses depois, diante da pressão feita por parlamentares de Pernambuco, onde a Hemobras está instalada, e de uma recomendação do Tribunal de Contas da União, o Ministério da Saúde retomou a parceria, sem contudo fazer encomenda de uma nova compra do produto para o próximo ano. Os estoques vão até fevereiro.
Em entrevista ao Estado, o presidente da Shire no Brasil, Ricardo Ogawa, disse temer que a licitação seja feita para dispensar ou reduzir o fornecimento do Fator VIII pela empresa. "Isso viola o acordo. Há um compromisso de se comprar uma quantidade mínima de Fator VIII para a parceria ser mantida", observou.Ele não descarta ingressar com ações na Justiça. "Se a PDP morrer pode haver uma grande batalha judicial, que vai trazer um grande desgaste para todos. E pacientes serão os principais prejudicados."
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que a licitação é apenas uma precaução, que a parceria continua a valer, embora haja ainda a necessidade de fazer adequações nas etapas de transferência de tecnologia que até agora não foram cumpridas.
A tensão tem ainda outro complicador. Olaboratório público Tecpar do Paraná, reduto eleitoral do ministro Ricardo Barros,firmou um acordo de transferência de tecnologia com a empresa Octapharma, para a produção do mesmoFator VIII recombinante. "Se isso for adiante, certamente vai esvaziar a produção da Hemobras. A estatal só sobrevive se puder vender toda a produção para o governo", observou.
De acordo com a PDP, a Shire deve transferir todo o conhecimento de produção do Fator VIII para a Hemobrás. Enquanto a estatal brasileira não domina a técnica para fabricação, a Shire fica encarregada de abastecer toda a demanda do mercado. A previsão era a de que a Hemobrás começasse a produção num prazo de 5 anos. O cronograma, no entanto, nunca foi cumprido. Agora, o prazo é 2022.
Além do atraso, provocado por erros no projeto, denúncias de superfaturamento e irregularidade nas obras, o acordo rendeu uma dívida da Hemobrás para Shire. Sob a ameaça de perder a PDP, a Shire fez alterações no contrato. Ela perdoou os juros da dívida da Hemobrás, no valor de US$ 43 milhõesprometeu investir US$ 250 milhões na fábrica e parcelar a dívida em oito anos.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que, caso haja parecer positivo sobre a PDP, a compra de segurança poderá ser interrompida a qualquer momento. "A PDP de transferência de tecnologia para produção do Fator VIII Recombinante pela Hemobrás encontra-se em avaliação no âmbito da SCTIE/MS, quanto ao seu desenvolvimento e às condições técnicas para o cumprimento das exigências normativas necessárias para sua continuidade", informa a nota.