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Empresas e países fazem ‘corrida’ para combater o vírus zika

Segundo a Organização Mundial da Saúde, 96 instituições pesquisam vacinas, diagnósticos e o controle do vetor

Por Jamil Chade
Atualização:

GENEBRA - Quase 70 anos depois de ter sido identificado na África, o vírus zika mobiliza de forma inédita a comunidade internacional em busca de uma solução. Esquecido por décadas, o vírus apenas passou a ser alvo de atenção depois dos casos de microcefalia no Brasil e diante da constatação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que até 4 milhões de pessoas poderiam ser afetadas apenas nas Américas em 2016.

Uma corrida foi lançada em institutos de pesquisa e em multinacionais em busca de novos produtos. Se durante anos os incentivos econômicos eram inexistentes para produzir alguma resposta, hoje as empresas sabem que quem chegar primeiro será amplamente recompensado por um mercado ávido por qualquer novidade no combate ao zika ou ao mosquito Aedes aegypti. 

O mosquito 'Aedes aegypti' é transmissor do zika, da dengue e da chikungunya Foto: Sérgio Castro/Estadão

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Documentos internos da OMS obtidos pelo Estado revelam a dimensão da corrida. No total, 96 companhias e institutos têm se lançado na busca por soluções para o vírus zika – 31 instrumentos de diagnósticos têm sido pesquisados, além de 27 vacinas, 8 produtos de terapia e 10 novos instrumentos de controle do vetor. 

Levantamento da OMS mostra que a participação de países emergentes tem sido importante, ainda que limitada à busca por novas formas de controlar o mosquito. A pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos estão concentrados nos países ricos. Das 27 iniciativas de desenvolver uma vacina, apenas quatro estão em países em desenvolvimento. Com um custo que pode chegar a até US$ 500 milhões, a pesquisa nesse campo tem ocorrido principalmente nos Estados Unidos. 

Governos europeus também já indicam que estão dispostos a investir. O comissário de Pesquisas da Comissão Europeia, Carlos Moedas, destinou 10 milhões para o projeto, além de 1,5 milhão do Reino Unido. “Se a relação entre a microcefalia e o vírus for provada, o dinheiro poderia ser usado para combater o zika e desenvolver novos produtos”, disse.

Disputa. Laboratórios, porém, estão enfrentando um grande problema: a falta de amostras para pesquisa, o que leva a suspeitas da existência de um mercado paralelo. “Há uma penúria de amostras”, disse ao Estado Marie Paul Kieny, vice-diretora da OMS.

Em fevereiro, o Conselho de Pesquisas Médicas da Índia pediu amostras para a OMS, indicando que estava com pesquisas avançadas para desenvolver um diagnóstico rápido. Precisava, porém, do material. Em Cingapura, o Instituto de Bioinformática também se queixa do problema. “Ter acesso às amostras e a informações é hoje o grande desafio”, diz Sebastian Maurer-Stroh, diretor do centro, que também tenta desenvolver novos produtos.

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Marie Kieny, da OMS, diz não acreditar em contrabando. Mas fontes de alto escalão de duas instituições diferentes de pesquisas na América do Sul indicaram, na condição de anonimato, que a lei brasileira que impede que amostras do vírus zika sejam compartilhadas no exterior já estaria criando uma rede de contrabando, permitindo que amostras sejam levadas do País para outros centros de pesquisas pelo mundo. 

Pelas regras, o Brasil impede qualquer tipo de envio de amostras de vírus para o exterior e o compartilhamento acontece apenas em casos específicos, com acordos preestabelecidos. O País, por exemplo, chegou a mandar amostras para a OMS. Além disso, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos enviou uma equipe para o Brasil e levou quatro amostras, todas testadas. Para o presidente do Instituto Butantã, Jorge Kalil, o Brasil está disposto a colaborar. Mas sempre que puder ter um acordo claro de como o País vai ter uma participação nos lucros das futuras pesquisas no exterior. “Precisamos estar protegidos para evitar que, depois de colaborar, tenhamos de comprar o produto no futuro daquela entidade que usou nossas amostras”, afirmou Kalil. “Precisamos fazer acordos de colaboração, e não apenas mandar amostras”, disse. 

Queixa. Não seria a primeira vez que um país emergente acabaria tendo de comprar um remédio fabricado com base em material que forneceu. Há dez anos, a Indonésia abriu uma queixa formal ao se deparar com o fato de que estava sendo obrigada a comprar uma vacina de uma empresa que havia usado justamente suas amostras para chegar ao resultado. A ação dos asiáticos levou a OMS a formular uma nova regra para o compartilhamento de dados.

Margaret Chan, diretora-geral da OMS, já saiu em defesa do governo brasileiro. “O Brasil está disposto a compartilhar amostras com entidades, com a participação da OMS”, diz.

Enquanto uma solução não chega, os pesquisadores já começam a diversificar a busca pelas amostras. O próximo destino da ofensiva é a Colômbia, onde a OMS observa com cuidado para avaliar se existe uma explosão de casos de microcefalia.