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Ensaios clínicos com medicamentos contra a covid-19 estão demorando mais do que o esperado

Pesquisadores de uma dúzia de locais de ensaios clínicos disseram que atrasos nos testes, falta de pessoal, restrições de espaço e pacientes relutantes estão complicando seus esforços

Por Katie Thomas
Atualização:

À medida que os casos do novo coronavírus aumentam nos Estados Unidos e os tratamentos são necessários mais do que nunca, os testes clínicos para alguns dos medicamentos experimentais mais promissores estão levando mais tempo do que o esperado.

Embora grande parte do foco do mundo tenha sido deslocado para a corrida de criação de uma vacina contra o novo coronavírus, novos medicamentos também podem ajudar a conter a pandemia Foto: REUTERS/Eric Gaillard/File Photo

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Pesquisadores de uma dúzia de locais de ensaios clínicos disseram que atrasos nos testes, falta de pessoal, restrições de espaço e pacientes relutantes estavam complicando seus esforços para testar anticorpos monoclonais, medicamentos fabricados por humanos que imitam os soldados moleculares produzidos pelo sistema imunológico humano.

Como resultado, prazos outrora ambiciosos estão caindo. A farmacêutica Regeneron, que disse anteriormente que poderia ter doses de emergência de seu coquetel de anticorpos prontas até o fim do verão [do hemisfério norte], passou a falar a respeito de como os “dados iniciais” poderiam estar disponíveis até o fim de setembro.

E o diretor científico da Eli Lilly disse em junho que seu tratamento com anticorpos poderia estar pronto em setembro, mas em uma entrevista esta semana, ele disse que agora espera por algo antes do fim do ano.

“Claro, eu gostaria que pudéssemos trabalhar mais rápido; não há dúvida em relação a isso ”, disse o executivo da Eli Lilly, Daniel Skovronsky. “Segundo minhas expectativas e sonhos, recrutaríamos os pacientes em uma ou duas semanas, mas está demorando mais do que isso.”

Uma porta-voz da Regeneron, Hala Mirza, disse que todos os testes clínicos envolveram um período de aprendizagem primeiro e que a empresa estava "vendo um movimento positivo nos últimos dias", pois enviou máquinas de teste para alguns locais de pesquisa e ampliou os critérios para permitir que mais pacientes possam participar.

Embora grande parte do foco do mundo tenha sido deslocado para a corrida de criação de uma vacina contra o novo coronavírus, novos medicamentos também podem ajudar a conter a pandemia, tornando a doença menos mortal. Como os medicamentos são normalmente testados em pacientes doentes em ensaios clínicos menores, eles também podem ser desenvolvidos mais rapidamente do que as vacinas.

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Eli Lilly e Regeneron estão buscando dois dos tratamentos mais acompanhados de perto: anticorpos desenvolvidos em laboratório que podem lutar contra o vírus em pacientes que já estão doentes ou prevenir infecções naqueles que foram expostos ao vírus. Embora o governo Trump tenha favorecido fortemente o investimento em vacinas, a Regeneron fechouacordos com o governo americano no valor de mais de US$ 500 milhões para aumentar a fabricação de seu tratamento de anticorpos.

Ambas as empresas se apressaram para desenvolver seus produtos em tempo recorde e começaram grandes estudos neste verão em dezenas de hospitais e clínicas em todo o país. Elas estão testando vários grupos de pacientes, como aqueles com resultados positivos, mas que ainda não estão doentes o suficiente para serem hospitalizados e aqueles que foram expostos ao vírus por contato com alguém já infectado. Todos os estudos comparam os medicamentos experimentais a um placebo ou tratamento falso.

A rápida evolução da doença apresentou oportunidades e desafios para os pesquisadores que testam anticorpos. Como o número de infecções aumentou em estados como Flórida, Texas e Arizona, não faltaram pacientes que seriam elegíveis para os ensaios. Mas, ao mesmo tempo, os surtos sobrecarregaram os próprios hospitais que supervisionariam os estudos.

Em reuniões remotas com médicos em locais de teste em todo o país, Skovronsky disse que alguns tiveram que se ocupar em cuidar de pacientes que precisavam de intervenção de emergência.

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“Isso não acontece quando você está preparando testes clínicos de diabetes ou de câncer”, disse ele. “Alguns pesquisadores disseram: ‘Olha, eu adoraria fazer pesquisa, mas não tenho tempo para configurar um novo ensaio. Tenho uma UTI cheia de pacientes.’”

Um grande obstáculo tem sido a testagem. Em ambos os estudos ambulatoriais conduzidos pela Eli Lilly e pela Regeneron, os médicos devem correr contra o tempo. De acordo com as regras do estudo da Regeneron, um paciente deve ser tratado com os anticorpos até sete dias após o início dos sintomas. Tanto os testes Regeneron como da Eli Lilly exigem a administração do medicamento dentro de três dias após a obtenção do resultado positivo.

Mas, com o tempo para entrega de resultados atrasando em cinco dias ou mais em algumas áreas, manter-se dentro desses prazos tem se mostrado difícil.

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Anita Kohli, diretora de pesquisa do Arizona Clinical Trials, um centro de estudos da Regeneron em Mesa, Arizona, disse que teve um grande aumento no número de pessoas que queriam se voluntariar para o estudo ambulatorial no início deste verão, quando o surto estava chegando ao pico em seu estado.

“Nossos telefones tocavam sem parar nas primeiras duas semanas”, disse ela.

Mas como os laboratórios foram inundados com amostras, sobrecarregando as cadeias de suprimentos e atrasando os resultados, Anita disse que ficou difícil inscrever os pacientes.

“Se as pessoas estão sendo testadas nessas instalações, mas não têm os resultados, como podemos inscrevê-las nos testes?” ela disse.

Outros pesquisadores disseram que encontrar o local certo para administrar o tratamento experimental a pacientes ambulatoriais foi complicado. Os pacientes geralmente são testados em um local drive-thru e depois voltam para casa, raramente visitando um hospital ou clínica, a menos que sua condição piore. Trazê-los a um centro médico para tratamento sobrecarrega ainda mais o sistema e traz o risco de infectar pacientes e profissionais de saúde que não têm covid-19.

Alguns locais têm resistido a trazer uma pessoa altamente infecciosa para suas instalações médicas, potencialmente compartilhando um saguão ou elevador com pessoas que não têm o vírus. Uma vez lá, eles devem passar algumas horas recebendo uma infusão do tratamento, assim como fazendo exames de sangue e preenchendo a papelada necessária para o estudo.

Em alguns hospitais, os funcionários puderam usar as instalações existentes. Em Tyler, Texas, o centro médico UT Health North Campus é um antigo hospital para tuberculose, com salas que usam pressão do ar negativa para evitar a propagação de vírus.

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Mas em outros locais, como o hospital Holy Cross em Fort Lauderdale, Flórida, encontrar o local certo tem sido uma luta. Joshua Purow, que está supervisionando o teste ambulatorial da Eli Lilly no hospital, correu para preparar seu local assim que viu que as infecções estavam aumentando na área.

Mas o Holy Cross recusou sua primeira escolha, um canto do departamento de emergência, com medo de que o espaço fosse necessário para pacientes mais graves com covid-19. A ideia de instalar uma tenda ao ar livre foi considerada muito complicada e reformar uma sala em um prédio comercial próximo levaria preciosas semanas.

Semanas se passaram antes que Purow finalmente garantisse um lugar para realizar o teste. Foi no pronto-socorro, o primeiro lugar que ele havia solicitado.

“Finalmente temos tudo configurado para começar”, disse Purow. “Mas agora nossos números [de casos] estão diminuindo um pouco. Não estamos vendo tanto quanto pensávamos que veríamos.”

Até agora ele disse ter inscrito apenas um participante, embora o esperado fossem 25. Ao todo, o estudo ambulatorial da Eli Lilly tem como objetivo incluir 400 pacientes. O estudo semelhante da Regeneron tem uma meta de contar com cerca de 1.500 pacientes.

Nem todo lugar de teste está enfrentando tais obstáculos. Jason Morris, que está supervisionando o estudo da Eli Lilly em seu consultório médico, Imperial Health, em Lake Charles, Louisiana, já excedeu suas metas e inscreveu cerca de 45 pacientes. Morris disse que ele ou outro médico liga para cada pessoa com resultado positivo para o vírus na clínica de atendimento de urgência e fala a respeito do estudo.

Ele disse que explica que o estudo está examinando se o anticorpo da Eli Lilly pode impedir o vírus de invadir as células e se replicar.

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“Quando eu o explico simplesmente assim, as pessoas ficam tipo,‘ Oh, vamos fazer isso ’”, disse ele.

Mas alguns pacientes relutam em participar. Muitas pessoas associam os ensaios clínicos a tratamentos administrados em situações de vida ou morte e não querem correr o risco de tomar um medicamento experimental para uma doença que podem vencer por conta própria. Outros pensam justamente o contrário: não querem passar pelo incômodo de um teste apenas para receber um placebo. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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