09 de junho de 2020 | 19h33
Era final de março quando o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou em uma coletiva de imprensa ao lado do presidente Jair Bolsonaro que o sistema de saúde brasileiro entraria em colapso devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus. Na época, o Brasil registrava 11 mortes pela covid-19 e 904 infectados.
Quase três meses se passaram. O número de mortes no País já passa de 37 mil e o de casos confirmados chega a 710 mil. Mas, a fala de Mandetta sobre o que significa um sistema colapsado ainda ajuda a entender o cenário que alguns Estados, como o Rio Grande do Norte, estão vivendo atualmente: “Você pode ter o dinheiro, plano de saúde, mas simplesmente não há sistema para você entrar", afirmou na ocasião.
Guilherme Rabello, gerente de inovação do Instituto do Coração (InCor), explica, porém, que essa é uma discussão recorrente e não exclusiva apenas do atual momento de pandemia. “O termo é utilizado quando temos uma sobrecarga de demanda nas unidades de saúde. Ou seja, quando temos mais gente precisando de atendimento do que a capacidade que temos para atender”, resume.
Durante a epidemia de dengue em 2008, Rabello lembra que o Rio de Janeiro enfrentou um colapso no atendimento ambulatorial e que esse é um cenário recorrente quando há uma necessidade de atendimento muito superior ao que o sistema pode oferecer. Segundo ele, os motivos vão desde a falta de capacitação da equipe média até a escassez de profissionais ou de investimentos em estruturas adequadas.
“A diferença de colapsos registrados em outros anos para o atual é que, antes costumava ser localizado em alguma região ou serviço específico, por exemplo. Sempre algo mais pontual”, esclarece. Com a pandemia de covid-19, Rabello explica que perdemos a “margem de manobra porque todos os lugares estão sobrecarregados” e que o colapso é generalizado “porque toda a infraestrutura está sendo demandada ao mesmo tempo”.
A situação é ainda mais preocupante em cidades onde o sistema de saúde já funcionava no limite antes mesmo da pandemia. “Em situações como essas, regiões onde a estrutura não está tão comprometida conseguem definir melhor as estratégias de atuação, como a conversão de leitos comuns aos de UTI ou a construção de hospitais de campanha”, avalia.
Ainda de acordo com o gerente de inovação do Incor, situações de colapso são decisivas para criar novas estratégias para o futuro. “É como quando um acidente aéreo ou incêndio acontece e se seguem várias discussões e debates sobre quais medidas de segurança devem ser repensadas, quais equipamentos de proteção podem ser incorporados ou quais protocolos de atuação precisam ser revistos”, afirma.
Ana Maria Malik, coordenadora da FGV Saúde, pondera quanto à utilização do termo colapso e acredita que o essencial, de fato, é um debate sobre o desenvolvimento da regulação, sistema criado para direcionar o paciente para os serviços que ele realmente necessita, no momento mais adequado para isso.
“Precisamos oferecer o cuidado correto, no lugar certo, na hora que o paciente realmente precisa”, explica. Para Ana Maria, essa é uma das soluções para evitar um quadro onde pacientes procuram determinado serviço de saúde sem que haja uma real necessidade ou outra maneira de solucionar e garantir o tratamento adequado. Dessa forma, é possível garantir que os recursos sejam utilizados de forma mais otimizada.
Esse é um novo comportamento que Kelly Cristina, CEO da Patient Centricity Consulting, acredita ser um novo normal da saúde. “Acredito que a população está entendendo que é preciso utilizar os recursos adequados, no momento correto, para não usar a estrutura de forma desnecessária”. É nesse cenário que a telemedicina, por exemplo, pode ser uma ferramenta importante para otimizar a demanda nos hospitais e evitar uma nova sobrecarga na demanda de pacientes em unidades básicas de saúde.
Projeção da consultoria americana Kearney apontou que o Brasil deve entrar em uma fase aguda da crise, com uma falta de aproximadamente 19 mil leitos de UTI para atender pacientes de covid-19 em situação grave.
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