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Escândalo sanitário envolve medicamento para epilepsia na França

Depakine e drogas genéricas baseadas em valproato de sódio estariam por trás de casos de má-formação de fetos e distúrbios motores e mentais em crianças

Por Andrei Netto
Atualização:

PARIS - O Ministério da Saúde da França e o laboratório Sanofi foram acusados nessa quarta-feira, 10, de terem escondido uma pesquisa que comprovaria os riscos causados pelo medicamento Depakine, antiepilepsia, que, se tomado durante a gravidez, pode causar problemas de formação que vão de distúrbios motores a mentais, como o autismo. A pesquisa entregue ao ministério indicou que o medicamento foi prescrito a pelo menos 10 mil mulheres grávidas entre 2007 e 2014, mesmo que seus efeitos adversos tenham sido descritos nos anos 1980. No Brasil, a droga é vendida sobre o nome de Depakene e tem versões genéricas.

Estudo mostra que medicamento da Sanofi pode causar problemas na formação de bebês Foto: REUTERS/Philippe Wojazer

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A revelação foi feita pelo jornal Le Canard Enchainé. Segundo a publicação, um estudo realizado pela Agência Nacional de Segurança do Medicamento e de Produtos de Saúde (ANSM) e pela Caixa Nacional de Seguros de Saúde (CNAMTS) indicou que 10 mil mulheres usaram o medicamento durante a gravidez. Comercializado na França desde 1967 pelo laboratório Sanofi, a droga tem versões genéricas, como Depakote e Depamide, que também são prescritas para transtornos bipolares.

Na origem, trata-se de um medicamento antiepilético baseado em valproato de sódio, um princípio ativo que foi identificado como fonte de distúrbios para bebês. Estudos indicam que 10% dos fetos de mães que usam a droga podem sofrer má-formação. Outros levantamentos indicaram riscos de até 40% de incidência de retardos intelectuais, motores - como dificuldades para caminhar - e autismo.

O estudo foi entregue pelas duas organizações ao Ministério da Saúde em julho, mas o órgão não fez nenhuma orientação desde então. Em nota oficial, o ministério alegou que uma reunião já havia sido marcada para 24 de agosto com a Associação de Ajuda aos Pais de Crianças que Sofrem de Síndrome do Anticonvulsivo (Apesac). Na oportunidade, as autoridades haviam previsto apresentar a primeira parte do estudo. 

O ministério diz ainda que não teria "escondido" o relatório, já que uma reunião foi marcada. A partir desse encontro, será definida a estratégia para enfrentar o problema sanitário, a ser anunciada em setembro. A ministra da Saúde da França, Marisol Touraine, já anunciou que criará mecanismos de auxílio às famílias de crianças vítimas de más-formações e distúrbios mentais e motores.

As revelações do jornal levaram a associação a protestar contra o tempo de reação das autoridades na França. Segundo a entidade, o alerta já havia sido lançado em 2014, quando também surgiram as primeiras acusações contra a Sanofi. Até então, 93 mil mulheres em idade fértil tomavam o medicamento - 37 mil para epilepsia e 56 mil para transtorno bipolar. A entidade avalia em 30 mil o número de crianças afetadas pela Depakine no país desde 1967. A avaliação contrasta com a estimativa da Inspeção-geral dos Assuntos Sociais (Igas), órgão de corregedoria em saúde, que avalia em 450 o número de crianças com distúrbios ou más-formações congênitas causadas pelo uso de medicamentos à base de valproato entre 2006 e 2014.

Ao Estado, Ophélie Breton, membro da direção da associação, estima que os números revelados pelo estudo entregue ao Ministério da Saúde são, na prática, a ponta de um iceberg. "Se houve 10 mil casos comprovados entre 2007 e 2014, ou seja, em sete anos, imaginemos desde a autorização da entrada do medicamento no mercado, o que aconteceu há 50 anos", ponderou. Para a associação, há responsabilidade do Estado e do laboratório no escândalo sanitário.

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Articulada com associações similares na Europa, a entidade francesa se diz aberta a colaborar com eventuais famílias brasileiras que se descubram vítimas do problema no país. "O Depakine atinge todos os países, e logo também o Brasil."

Procurada, a Sanofi não se manifestou. 

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