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Especialistas veem com ressalvas protocolos para fila de UTI; médico no AM relata falta de gestão

Entre conselhos e entidades há o entendimento de priorizar os pacientes graves com maior chance de sobrevivência

Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue , Renato Vieira e João Prata
Atualização:

Protocolos de prioridade de pacientes na fila da UTI são vistos com ressalvas por especialistas e, na linha de frente, há queixas de falta de orientação. Entre os conselhos e entidades brasileiros que já se manifestaram sobre o assunto - como a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) e o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) -, há o entendimento de priorizar os pacientes graves com maior chance de sobrevivência e, em segundo caso, os que têm maior expectativa de anos de vida. O Conselho de Medicina do Rio aprovou um documento que determina critérios para internação, mas não fixa critério entre pacientes que precisam de leitos.

Unidade de Terapia Intensiva com pacientes de Covid-19 em hospital de São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com pós-doutorado em Ética e Saúde, o sanitarista Flávio César de Sá ressalta que esse tipo de decisão deve ser tomada só em momentos de excepcionalidade. “O melhor a se fazer é não ter de decidir, ter vaga para todos.” Ele aponta que ter fila única para UTI (públicas e privadas) ajudaria a evitar cenário tão grave. “A escolha entre um paciente ou outro na UTI em hospital público, sabendo que, do outro lado da rua, tem vaga em hospital privado é muito cruel com a sociedade.” 

O especialista pondera, contudo, que instruções podem atenuar conflitos e chancelar medidas adotadas pelos profissionais de saúde. “Se não tem nenhum tipo de recomendação, acaba tendo de resolver por questões circunstanciais. É difícil para a equipe médica tomar a decisão caso a caso, sem orientação.”

Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, Mário Rubens Viana, a coordenação dos processos é precária. “Não tem nenhum critério estabelecido por gestão ou comitê de ética. O cenário no Amazonas é de confusão, não há coordenação central. O ministro da Saúde esteve aqui e disse que tem dinheiro, mas falta gestão”, afirma o cirurgião, afastado desde abril para se recuperar da covid. “Quase sempre existe superlotação e ninguém sabe o que fazer”, acrescenta.

“O médico vai acomodando do jeito que dá, em cadeira, no chão, é cenário de Medicina de guerra. Não tem muita escolha. Atende conforme a demanda. Quando chega em hospital que não tem vaga, espera na ambulância até aparecer”, diz Viana. Procurado pela reportagem, o governo do Amazonas não se manifestou até 19h30 desta terça-feira, 5.

Sá, da Unicamp, comenta ainda que a decisão não é entre a vida e a morte, mas de quem receberá o melhor tratamento. “Isso não alivia completamente a dificuldade da decisão, nem o sofrimento em ter de tomar uma decisão que certamente vai fazer alguém não ser tão bem cuidado como deveria.”

Ele comenta que as recomendações brasileiras estão na linha tomada também na Itália e nos Estados Unidos. “Quanto mais independente, melhor é a avaliação. Se já está acamado, cai bastante. Se é dependente para comer ou tomar banho, cai mais ainda”, comenta. Além disso, trabalhadores da saúde costumam ter prioridade por terem uma função essencial em um momento de pandemia.

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Professor critica exclusão de pacientes

Já Dário Pasche, enfermeiro e professor de pós-graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é contrário a protocolos que possam excluir pacientes que necessitam de UTI. Ele teme que isso banalize uma situação “inaceitável” que poderia ser resolvida com medidas do poder público, como a adoção da fila única e uma coordenação nacional da rede pública. “Há um acordo civilizatório que a vida de ninguém é mais importante”, afirma.

“É muito burocrático e frio, uma resposta inadequada para um sistema como o SUS. Não posso aceitar como correta uma medida que deve ser absolutamente exceção”, diz. Pasche também destaca impactos desse tipo de escolha. “Para um médico, um enfermeiro, é uma experiência mortificadora. Ninguém toma uma decisão dessas sem se afetar profundamente.”

Nos EUA e na Europa, discussão passou por 'imunidade' de médicos e fila única de leitos

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Com um sistema de saúde focado na iniciativa privada, os Estados Unidos já apontam insuficiência de leitos. O departamento de medicina de cuidados intensivos da Universidade de Pittsburgh divulgou em 15 de abril um documento com sugestões de como alocar recursos durante uma emergência de saúde pública. O texto sugere que os médicos que tratam os pacientes não devem tomar decisões quanto à triagem dos infectados. Outro profissional deve assumir a função.

O objetivo, segundo o texto, é garantir avaliações individualizadas para neutralizar o efeito negativo das desigualdades sociais que diminuem a expectativa de vida de alguns pacientes. O documento sugere que quem precisar de uma UTI deve ser avaliado com uma pontuação que vai de 1 a 8. Quanto mais baixa a pontuação, maior benefício terá por meio do tratamento intensivo.

No fim de março, professores da Faculdade de Direito de Harvard e de medicina da Universidade de Pittsburgh defenderam no jornal The New York Times que médicos tenham imunidade criminal e sejam isentos de responsabilidade civil ao tomarem decisões enquanto durar a pandemia.

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Países da Europa como a Itália, Espanha e Irlanda adotaram uma fila única para tratamento nos sistemas público e privado. O número de leitos é discrepante nos países do continente. A Alemanha possui 6 leitos de UTI por 1.000 pessoas, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A Reino Unido tem cerca de 2,1, a França possui 3,1 e a Espanha 2,4.

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