07 de outubro de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - Quatro meses após o presidente Jair Bolsonaro cobrar do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, um estudo para desobrigar o uso de máscaras no País, a pasta ainda não conseguiu chegar a um parecer para embasar a decisão. A conclusão da análise, prevista inicialmente para este mês, foi adiada para novembro. O presidente pressiona o ministro para que o item de proteção deixe de ser cobrado. Com menos da metade da população do País completamente imunizada, especialistas afirmam ser preciso ter cautela.
A pressão sobre Queiroga se dá no momento em que o avanço da vacinação e a queda de casos de covid-19 desencadearam anúncios para flexibilizar o uso de máscaras em algumas cidades, como no Rio e em São Paulo. A primeira a abandonar o item de proteção, porém, foi Duque de Caxias (RJ), onde desde terça-feira as pessoas não precisam mais sair às ruas com o equipamento. O prefeito Washington Reis (MDB) justificou a medida pelo avanço da vacinação.
Após assumir a pasta dizendo que o Brasil se tornaria a “pátria de máscaras”, Queiroga mudou de posição. Em entrevistas, já afirmou ser contra o uso obrigatório do equipamento de proteção e a favor de uma “conscientização”, que não explicou como seria feita.
O ministro foi cobrado pelo presidente a tomar uma decisão sobre o tema em pelo menos duas ocasiões. Em 10 de junho, Bolsonaro disse que havia falado “com um tal de Queiroga” e o ministro decidiria pela desobrigação. “Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscaras por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados. Para tirar este símbolo (segurando uma máscara descartável na mão) que tem a sua utilidade para quem está infectado”, disse. No mesmo dia, Queiroga contemporizou ao afirmar que havia recebido um “pedido” para produzir um estudo sobre o uso de máscaras.
O ministro da Saúde foi cobrado pelo presidente novamente no fim de agosto. Bolsonaro disse, na ocasião, que definiria uma data para a flexibilização do equipamento de proteção. Após ser pressionado, Queiroga afirmou que apresentaria um “esboço de estudo” ao presidente no dia seguinte.
A necessidade de usar o equipamento já foi provada cientificamente e é defendida por especialistas, que destacam o risco imposto pela transmissão da doença. A medida foi adotada na maioria dos países.
O médico Renato Kfouri, consultor do Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid, da Associação Médica Brasileira, afirma que a discussão sobre o uso de máscara não deveria ser feita neste momento. Segundo ele, o risco de andar sem máscara é muito alto perto do baixo benefício de não usar o equipamento de proteção. “Isso deveria ser uma das últimas medidas. Para ele, a desobrigação no uso de máscara só deveria ocorrer mediante algumas condições: taxa de transmissão, número de casos e hospitalizações baixos, alto número de vacinados e grupo acima de 60 anos com dose de reforço.
O estudo encomendado por Bolsonaro está sob responsabilidade do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit), da Saúde, que encomendou a análise ao Núcleo de Ensino e Pesquisa em Saúde Baseada em Evidências e Avaliação de Tecnologias em Saúde (NEPSbeats), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo o setor, os pesquisadores estão fazendo uma “revisão sistemática” sobre outros estudos e reunindo artigos científicos a respeito. O objetivo, informou o ministério, é “identificar, avaliar sistematicamente e sumarizar as evidências disponíveis sobre a eficácia e a segurança do uso de máscaras faciais médicas e não médicas, em ambientes abertos ou fechados, para imunizados (vacinados e/ou convalescentes) para a covid-19”.
Serão levados em conta os seguintes critérios: população de vacinados e convalescentes, uso de máscaras de qualquer tipo, em ambientes abertos e fechados, comparação e desfechos relevantes. “Por exemplo: reduz transmissão? Reduz o número de novos casos? Reduz hospitalizações?”, afirma a Saúde.
De acordo com o setor, o estudo não vai definir se o uso de máscara será obrigatório ou não. O levantamento vai subsidiar a tomada de decisão do Ministério da Saúde. “A Revisão Sistemática que está sendo conduzida não se confunde com o próprio parecer, manual ou guia a ser elaborado, ou seja, a evidência científica deve ser entendida como um dos elementos que subsidia a tomada de decisão, e não o próprio ato administrativo decisório.” O Departamento de Ciência e Tecnologia está vinculado à secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, do ministério. O chefe da secretaria é o médico olavista Hélio Angotti Neto.
A flexibilização não é o único tema que o presidente tem cobrado do Ministério da Saúde. Em setembro, o ministro afirmou que partiu de Bolsonaro a orientação para rever a vacinação de adolescentes. A decisão foi considerada um erro por especialistas em saúde.
Medicamentos ineficazes contra a covid é outro tema que tem colocado o presidente na contramão de técnicos da Saúde. Bolsonaro tem incentivado o uso de remédios como a hidroxicloroquina. O “tratamento precoce” deve ter sua exclusão definitiva do uso da rede pública recomendada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). E Bolsonaro também tem sido crítico do passaporte das vacinas em espaços coletivos públicos, que avança nos municípios.
Procurada para falar sobre o assunto, a Unifesp informou que existe uma cláusula de confidencialidade e as informações devem ser repassadas pelo Ministério da Saúde.
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