Evolução de crianças com microcefalia depende de repetição e paciência

Rotina de meninas com a má-formação é marcada por série de exercícios e estimulação pela família

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Por Adriana Ferraz
Atualização:
Tratamento. Maria Victória de 4 anos, faz fisioterapia na Apae de São Paulo com a mãe, Kelly Francisca de Oliveira Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

SÃO PAULO - O caminho não é fácil, e ninguém diz que é, mas para quem tem a sorte de receber o tratamento e os incentivos adequados desde o nascimento, a vida com microcefalia pode ser longa, saudável e, por que não, feliz. Na semana passada um executivo das Nações Unidas sugeriu o aborto nesses casos e o Ministério da Saúde confirmou 404 casos da má-formação no País, a maioria no Nordeste.

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Aos 6 anos, Micaelly tem uma rotina de estudos e brincadeiras, como qualquer criança na sua idade. Aos poucos, aprende a identificar as letras e escrever o nome, hoje seu principal desafio.

Da síndrome, diagnosticada aos 12 dias de vida, Micaelly só sabe que tem a “cabeça pequena”, condição que não a impede de ter uma vida social ativa ao lado da mãe, Fernanda Silva Santos, de 23 anos. Casada com o primo de primeiro grau, ela acredita que a filha desenvolveu a microcefalia em função da consanguinidade ou depois de uma batelada de exames de raio X que fez no primeiro mês de gestação, quando ainda não sabia da gravidez.

Dedicada nos exercícios, a menina só evolui. Corre, pula, toma banho, se veste, escova os dentes, faz as refeições, penteia o cabelo, dança. Tudo sozinha. “Eu aprendi a deixar ela fazer, deixar tentar. Esse é um dos segredos do tratamento. Se sempre tomamos à frente das coisas, eles não aprendem, não desenvolvem”, ensina Fernanda.

No dia a dia, repetição e paciência são palavras-chave. As orientações repassadas pela equipe multidisciplinar da Apae São Paulo, onde Micaelly aprende a ter autonomia, são levadas para casa e repassadas à exaustão. “A grande estimulação não ocorre no consultório, mas no meio da família, a partir das tarefas mais simples, como segurar um lápis, um garfo ou um copo d'água”, explica a fonoaudióloga Angela Tampellini. As sessões de estímulo, muitas realizadas em conjunto com a terapeuta ocupacional Monaísa de Lima, trabalham também a interação, por meio do contato com outras crianças.

Na sexta-feira, a companheira de Micaelly no setor de estimulação e habilitação da Apae foi a pequena Maria Victória, de 4 anos. Com diagnóstico de microcefalia derivada de infecções graves desenvolvidas ainda no útero - a toxoplasmose e a citomegalovirose -, ela enfrenta mais dificuldades para se desenvolver e, por isso, surpreende pelos resultados.

“Até os dois anos de idade ela não sentava, não engatinhava, não ficava de pé. E chorava muito, o tempo todo. Morávamos em Minas e viemos para cá atrás de respostas. Só recebi a confirmação da microcefalia em São Paulo. Foi quando conseguimos iniciar o tratamento e a nossa vida mudou. A evolução dela é incrível”, conta a mãe, Kelly Francisca de Oliveira, de 28 anos.

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Sem a visão completa de um dos olhos, Maria Victória demora mais a completar as atividades repassadas por Monaísa, mas as realiza com concentração e cautela, sem qualquer sinal de irritação. “O choro sumiu depois que a pediatra receitou Dramin à noite. O remédio funcionou como um calmante e, aos poucos, reduziu a dor de cabeça que ela sentia em função da calcificação precoce dos ossos do crânio”, diz Kelly.

Evolução. Os médicos afirmam ser impossível ou mesmo irresponsável prever como se dará o desenvolvimento de crianças com microcefalia, ainda mais nos casos derivados do zika vírus, com consequências ainda pouco conhecidas. Como cada caso é um caso, a única regra é iniciar os estímulos o mais precocemente possível, mesmo em bebês recém-nascidos.

O tratamento considerado ideal é multidisciplinar, realizado por profissionais especializados, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, pediatras, neurologistas e geneticistas, além de assistentes sociais.

Quem tem a oportunidade de receber estímulos de toda natureza pode ter esperança, diz o médico geneticista da Apae Theoharis Efcarpidis. “É possível e necessário ter esperança. A gente precisa investir nessas crianças porque elas surpreendem. Na triagem, os pais ficam desesperançados, ninguém dá nada para elas, mas com o tempo podem haver avanços surpreendentes”, diz.

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A busca por uma melhora na vida dos pacientes independe do grau da doença. “Mesmo aquela criança que é mais comprometida tem o direito de ser estimulada, de receber as terapias, os cuidados médicos necessários. No fim, o que buscamos diariamente aqui é qualidade de vida. Quem tem microcefalia pensa, sente, tem vontade de viver, como todos nós.”

O agora. Lado a lado, Micaelly e Maria Victória não demonstram sofrimento, apesar de todas as barreiras que ainda terão de enfrentar ao longo da vida. Com quadros leves de microcefalia, em comparação à síndrome gerada pelo zika vírus, as meninas sobem devagar cada degrau. As mães acompanham com olhar atento cada passo, tentando focar no presente. “Não adianta ficar pensando no futuro. Se a gente fizer isso, ficamos doidas. O importante é agora e agora elas estão bem, muito bem.”

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