Falta medicamento para pacientes de esquizofrenia no RJ

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Por Agencia Estado
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Aos 17 anos, Marcelo vivia experiências típicas de um adolescente, com dúvidas sobre o vestibular e o sonho de ter uma banda de rock. De repente, uma frustração amorosa provocou uma mudança em seu comportamento. Fechou-se para o mundo e logo se tornou violento, a ponto de bater nos pais, quebrar o que havia em casa e tentar suicídio. O diagnóstico de esquizofrenia, transtorno mental severo que acomete 1% da população mundial, foi dado um ano e meio depois, causando uma reviravolta na família. Marcelo toma hoje três drogas por dia. Uma delas custa R$ 1.200 a caixa, suficiente para um mês de tratamento. Há dois meses, elas estão em falta nos hospitais e na farmácia da Secretaria Estadual da Saúde. ?Prometem resolver o problema, mas não cumprem. Estamos desesperados, pois com a interrupção do tratamento as crises podem voltar?, diz o pai, o militar da reserva José Pedro dos Santos, de 62 anos. Histórias assim se repetem em quase 2 milhões de lares no Brasil. Santos conta que a situação de Marcelo melhorou em 1995, quando começou a tratar-se com uma droga de última geração, a clozapina. ?Com o remédio, ele perdeu a agressividade, entrou no curso de informática e voltou para a escola?, anima-se ele que, no ano passado, vendeu o carro para pagar os medicamentos, diante dos entraves para consegui-los na rede pública. Rotina Hospitalar Esquizofrênico há quase 30 anos, João Antônio Pereira Figueiredo, de 45 anos, já foi internado tantas vezes que sabe de cor a rotina hospitalar. ?Se falta remédio, é internação na certa, pois ele estabiliza a gente. Não entendo por que é tão difícil conseguir os comprimidos. O governo gasta muito mais com a internação. Tem café da manhã, lanche, almoço às 11 horas, lanche, jantar às 17 horas, lanche. E ainda tem a despesa com roupa de cama e isso e aquilo?, enumera. Jorge Cândido de Assis, de 43 anos, é um exemplo de que a esquizofrenia pode ser compatível com o estudo, o trabalho, a constituição de uma família, desde que tratada. Depois de abandonar dois cursos universitários, está estudando Filosofia na Universidade de São Paulo (USP). Trabalha para tentar reduzir o preconceito contra a doença coordenando o Programa para a Redução do Estigma, da Associação Mundial de Psiquiatria, vinculado ao Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). ?A esquizofrenia tem o louco irrecuperável como estereótipo e a imagem de que é algo devastador. É para algumas pessoas, não para todas. Não tem cura, mas tem tratamento. Nosso trabalho é explicar que há períodos de remissão de sintomas. Você pode encontrar portadores da doença na rua e não identificar.? A professora de música Ivanira Teles, de 74 anos, mostra-se incansável na tentativa de dar o melhor possível para a filha Luzmarina, que hoje tem 45 anos e sofreu o primeiro surto aos 16. No último domingo, passou a tarde sob um calor de 35° C, na feira hippie de Ipanema, no Rio, onde Luzmarina começou a vender blocos, cartões e lenços confeccionados durante as aulas de terapia ocupacional. ?Há dias que vendo algo, outros não. Mas o que mais gosto é da companhia das pessoas?, conta ela, que também sofreu o primeiro surto após uma decepção amorosa. Coordenadora da Núcleo de Fazenda Pública da Defensoria Pública do Estado do Rio, Fernanda Garcia Nunes diz que, durante os últimos sete anos, vem enfrentando muitos problemas para fazer valer a lei que garante o acesso a medicamentos excepcionais. ?Fornecer medicamento é um direito constitucional. Só no ano passado, foram 9 mil ações judiciais (contra o governo).? Causas A atual gestão da Secretaria Estadual da Saúde informou que uma compra de medicamentos deve ser finalizada hoje. Porém, o drama dos familiares pode continuar, já que um eventual problema nos documentos do ganhador da licitação resultaria no reinício do processo. Se tudo der certo, serão necessários ainda mais três ou quatro dias úteis para que os produtos chegassem às farmácias. Sobre a demora, a secretaria afirma que é decorrência das centenas de requisições de remédios acumuladas.

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