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Vírus respiratórios sobrecarregam UTI infantil em SP, SC e RS; bebês morrem na fila em PE

Chegada do frio e circulação de vírus após dois anos de isolamento deixam alas pediátricas lotadas; governos correm para abrir vagas, reforçar equipes e apostam até em telemedicina para dar conta da demanda

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela , Thatiane Teixeira e Patricia Krieger
Atualização:

Com a chegada do frio, hospitais em Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pernambuco têm visto uma explosão de crianças internadas. A causa principal são vírus respiratórios, comuns nesta época. A diferença neste ano, dizem médicos, é que um número alto de bebês e crianças teve contato com esses vírus ao mesmo tempo, após dois anos de pandemia em que ficaram isoladas em casa. O resultado é de sobrecarga: faltam leitos de UTI, se formam filas e já houve mortes de bebês à espera de uma vaga. 

O Sabará Hospital Infantil, na capital paulista, adotou um plano de contingência para fazer frente ao volume excessivo de atendimentos em seu Pronto Socorro, devido ao pico de doenças respiratórias sazonais nesta época do ano (março a junho), somada à falta de leitos na cidade. O plano de contingência "permite aumentar a segurança no cuidado das crianças, de modo que todos recebam atendimento médico conforme seu risco de piora clínica (determinada por enfermeiro em até 15 minutos da chegada), considerando também limitações estruturais de número de leitos", informou em nota.

Segundo médicos, o fato de as famílias terem ficado isoladas nas suas casas em 202o e 2021 reduziu a quantidade das crianças que tiveram contato com o vírus Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

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Segundo o Sabará, parte desse plano este ano incluiu a abertura temporária de leitos externos, e o aumento em 20% de leitos de internação para cuidados intensivos, totalizando 133 leitos dedicados apenas a internação pediátrica. Na noite desta quarta-feira, 25, o serviço encontrava-se com 95% de ocupação, valor alto em relação ao ideal de rotina hospitalar.

Os motivos de busca que têm pressionado o atendimento, ainda segundo o hospital, são a bronquiolite e as síndromes gripais, dentre essas últimas a covid-19 que apresentou aumento significativo nas últimassemanas, junto com outros vírus (rinovírus, metapneumovírus e enterovírus, bocavírus). "Em compromisso com a saúde infantil, ainda, temos um plano de expansão já em andamento para o próximo triênio", informou. 

O Hospital Santa Catarina - Paulista registrou aumento de pacientes pediátricos desde a última semana. Entre os dias 15 e 21, o número de internações via pronto atendimento infantil cresceu 16% ante o período anterior (8 a 14/5). "Devido a este aumento, nosso Pronto Atendimento tem registrado maior tempo de espera para atendimento, mas todos os pacientes continuam sendo atendidos respeitando-se os protocolos de segurança", disse, em nota.

Conforme o hospital, para acolher todos os pacientes, anualmente é planejado o atendimento neste período sazonal com ampliação de leitos pediátricos de terapia intensiva e unidade de internação, aumento da equipe médica, de enfermagem, fisioterapeutas e toda equipe multiprofissional. 

No interior paulista, as regiões de Campinas, Franca e Araçatuba têm alas pediátricas lotadas. Na segunda-feira, 23, o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), se reuniu com representantes da Secretaria Estadual de Saúde e, segundo ele, foi definida a instalação de 70 leitos de enfermaria pediátrica e UTI neonatal na região. O cronograma ainda será definido.

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"Abrimos mais leitos, mas a situação segue crítica, por isso fizemos cobrança ao governo do Estado, que se prontificou a abrir mais vagas. O momento é delicado", disse Saadi, que fez apelo para que as crianças sejam vacinadas contra gripe e sarampo.

Segundo o último balanço da prefeitura, 66 crianças estão internadas em leitos de enfermaria, 11 esperam por vaga e recebem assistência nos prontos-socorros. Mais de 30% dos pacientes que chegam à cidade são de outros municípios. No Hospital da Unicamp, 0s 20 leitos de UTI infantil estavam ocupados nesta quarta. 

Em Araçatuba, a Santa Casa estava com 100% de ocupação de leitos na enfermaria pediátrica - o número de leitos já foi ampliado de 19 para 26. Conforme o hospital, 21 crianças aguardavam vaga e a prefeitura também pediu socorro ao Estado.

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Em Franca, o pronto-socorro Infantil Magid Bachur Filho convive com a superlotação desde a semana passada, quando crianças e bebês tiveram de esperar até seis horas pelo atendimento. Conforme a Secretaria de Saúde, uma média de 462 atendimentos tem sido registrada neste mês na unidade, que tem cerca de 11 médicos, no plantão diurno e noturno. Também haverá reforço de 18 enfermeiros, aprovados em concurso público feito neste ano.

A Secretaria da Saúde paulista disse estudar a criação de vagas. "É importante salientar que a abertura de novos leitos não é prerrogativa apenas do Estado, mas também dos municípios e da União", destaca, em nota. Conforme a pasta, São Paulo tem cerca de 600 leitos pediátricos de enfermaria, com ocupação de 49,8%, e aproximadamente 300 de UTI (43,8%). 

Recém-nascida morre após esperar UTI por 5 dias

Em Pernambuco, ontem havia 48 solicitações ativas para leitos de UTI pediátrica e 17 para a unidade neonatal, conforme a Secretaria da Saúde do Estado. A pasta diz que o cenário “extrapola qualquer planejamento”. O número de leitos de UTI infantil praticamente triplicou ante 2021, diz o governo, passando de 56 para mais de 150. Mas o total de solicitações de terapia intensiva passou de 64 por semana, no ano passado, para 228 agora.

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Na região metropolitana do Recife, dois bebês morreram à espera de vaga na terapia intensiva neste semana. O primeiro  óbito, na segunda, foi de um menino de 11 meses, que aguardava na emergência pediátrica do Hospital Barão de Lucena e sofria de doenças respiratórias. 

A segunda paciente era Giovanna Amélia, de 1 mês e 17 dias, de Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife Segundo a tia da menina, Lanna Luz, a recém-nascida sofreu uma parada cardiorrespiratória. “Ela deu entrada na UPA (pronto-atendimento) no dia 19. E só conseguiu transferência para o leito da UTI no dia 24. Quando ela estava esperando a ambulância, não resistiu”, disse a parente. 

Conforme a Saúde, Giovanna recebeu os cuidados necessários na UPA, mas sofreu parada cardiorrespiratória quando estava sendo transferida. Sobre o garoto, afirmou se solidarizar com a família e se colocar à disposição para esclarecimentos. O Ministério Público cobrou o governo estadual informações sobre o número pediatras no Hospital Barão de Lucena. 

O Estado autorizou o reforço nas escalas dos plantões pediátrico e de fisioterapia nas UPAs: 90 profissionais - entre fisioterapeutas, fonoaudiólogos e pediatras - foram convocados. A pasta disse ainda ter aberto 60 leitos de UTI pediátrica, na capital e mais cinco cidades. É prevista para esta semana a criação de mais 20 vagas. Outro problema enfrentado pelos gestores é a dificuldade de encontrar profissionais especializados para montar novas equipes às pressas. 

O infectologista Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Pediatria, diz que todo outono tem alta expressiva de doenças respiratórias, sobretudo em crianças, já que o tempo seco é mais propício para a propagação do rinovírus, adenovírus e vírus sincicial respiratório, antecedendo a estação do vírus influenza (gripe). "Há um aumento natural nessa época, mas o que tem de diferente este ano é que houve aumento expressivo de casos em comparação com os dois últimos anos, em que não teve a circulação desses vírus", explica. 

Segundo ele, o distanciamento social e o uso de máscaras por causa da covid-19 reprimiram a circulação das viroses. "Isso acumulou crianças nessa idade suscetíveis a esses vírus respiratórios", alerta.  "Além do vírus da covid, que também acomete as crianças, em menor escala, mas ainda é bastante. Os sinais de alerta para buscar os serviços médicos, independentemente de qual seja o vírus, são falta de ar, cansaço, febre alta, tosse. São os sinais que os pais devem observar."

RS prevê telemedicina para conter crise

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O governo do Rio Grande do Sul anunciou nesta quarta-feira um plano de contingência para dar conta da demanda hospitalar de emergências pediátricas. Porto Alegre, e várias cidades gaúchas estão com UTIs lotadas e têm filas de espera. O plano prevê a qualificação de até 100 leitos pediátricos intensivos com suporte a distância. 

Conforme o governo gaúcho, o programa não visa a criar vagas, mas usar leitos já existentes que contam com suporte técnico a distância para atender como um leito intensivo. O Rio Grande do Sul tem 256 leitos pediátricos em UTI - 186 deles pelo SUS. O plano estadual prevê níveis de gravidade e respectivas respostas para cada nível.

Para dar suporte aos hospitais sem UTI, a equipe médica local terá apoio da telemedicina com um médico intensivista pediátrico, que discutirá os casos a distância, por telefone e vídeo. “Com isso, podemos até impedir que seja realizada transferência da criança para outro hospital de maior porte quando, com esse suporte, ela pode ter o atendimento no mesmo local onde já está”, argumenta a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann.

Com alas pediátricas de ao menos três hospitais superlotadas, a prefeitura de Porto Alegre abriu 49 novos leitos para crianças. O Hospital Vila Nova, na zona sul, que não tinha leitos infantis, passou a oferecer 40 leitos para pediatria desde o último dia 17 para atendimento via SUS. Os hospitais Materno Infantil Presidente Vargas e o Restinga e Extremo-Sul também abriram vagas. 

Segundo o diretor adjunto de Atenção Hospitalar e Urgências da Secretaria de Saúde de Porto Alegre, Francisco Isaías, de março de 2019 a março deste ano, foram reduzidos 109 leitos pediátricos na cidade. A reabertura de 107 leitos ocorre por meio parceria com prestadores do serviço. Parte deles é permanente, mas outros devem funcionar até setembro, na operação inverno. 

Já Santa Catarina tinha nesta quinta nove crianças na fila de espera para leitos de UTI, ao menos seis delas devido a problemas respiratórios. A taxa de ocupação da ala de terapia intensiva pediátrica já havia alcançado 100% em algumas regiões na última sexta-feira, 20, o que levou a Diretoria de Vigilância Epidemiológica e a Superintendência de Vigilância em Saúde do Estado a publicarem nota reforçando as recomendações de prevenção contra doenças respiratórias.

O texto recomenda que a população complete os quadros de vacinação contra gripe e siga os protocolos de cuidado, como álcool 70% e uso de máscara - que deixou de ser obrigatório no estado desde o início de março. 

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A Secretaria da Saúde diz trabalhar junto às unidades hospitalares para abrir mais leitos de UTI e reforça a necessidade de elevar a cobertura vacinal. Não pretende, porém retomar medidas restritivas ou retomar obrigatoriedade das máscaras.

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