Família colombiana é esperança em pesquisa sobre o Alzheimer

Descendentes de um único casal apresentam grande incidência da doença, às vezes prematuramente

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Por Bill Law
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Uma família colombiana que sofre com a alta incidência de um tipo hereditário de Mal de Alzheimer está participando de uma série de testes envolvendo drogas que, esperam cientistas, podem levar a uma cura para a doença. Sentado em uma cadeira, Johnhaider esfrega uma de suas pernas compulsivamente. Seus olhar é vago e ele não consegue mais falar. Ele não sabe onde está e não reconhece sua irmã, Patrícia. Johnhaider está no estágio final do Alzheimer, mas seu caso surpreende por duas razões: ele tem apenas 53 anos, enquanto a maioria dos pacientes atinge esta fase aos 65 anos ou mais. Na família deste paciente, 50% dos integrantes sofrem do Mal de Alzheimer bastante cedo em suas vidas, segundo pesquisadores que vêm monitorando o grupo. Os especialistas que estudam o caso têm esperanças de que as pesquisas com a família - descrita por um cientista como um "laboratório natural" - vão ajudar a acelerar a corrida na busca de uma cura para a doença. Três séculos Esta grande família tem hoje cerca de 5 mil integrantes, espalhados por cidadezinhas remotas em um trecho da cordilheira dos Andes que cerca Medellín, a maior cidade da Colômbia. Todos descendem de um único casal de origem basca que se mudou para a região em torno de 1700. O médico que identificou o caso foi o Francisco Lopera, um neurologista da Universidade de Antioquia, em Medellín. Lopera se deparou com o primeiro caso no início da década de 1980. "Eu vi um homem de 47 anos com um tipo de demência que era muito similar ao Mal de Alzheimer. Aquilo era curioso, porque ele era muito jovem", afirma. Lopera ficou sabendo que o pai, o avô e vários irmãos do paciente haviam sofrido de demência. "Vi que havia três gerações afetadas e que, em cada geração, a metade das crianças era afetada. Isso era hereditário". Lopera e uma pequena equipe de sua universidade rastrearam a região, apesar dos perigos de se depararem com traficantes de drogas e rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Quase uma década depois, o médico havia formado uma árvore genealógica que se estendia ao longo de quase 300 anos. Apenas uma década depois, os especialistas conseguiram isolar o gene associado a casos prematuros de Mal de Alzheimer. Trata-se de uma mutação genética chamada "paisa", nome do povo da região de Medellín. Se o pai ou mãe tem o gene paisa, há 50% de chances de que seu bebê também o tenha. Metade da família colombiana carrega o gene. Uma mutação tão rara encontrada em uma população isolada atraiu o interesse de cientistas do Banner Institute, em Phoenix, Arizona (Estados Unidos). O instituto é líder de pesquisas sobre doenças neurológicas. Um neurologista geriátrico da equipe, Adam Fleisher, disse que o Mal de Alzheimer é uma "pandemia que se aproxima". Com o aumento na expectativa de vida da população e o número de casos crescendo exponencialmente, a doença tem o potencial de devastar sistemas públicos de saúde em países desenvolvidos, alerta o médico. "A verdade é que (o Mal de Alzheimer) vai afetar todo mundo, e sua capacidade de obter tratamentos médicos, quer você sofra de Alzheimer ou não. Nós precisamos encontrar uma cura". Testes Os cientistas do Banner Institute vão testar na família drogas criadas para atacar a placa neural que se acumula nos cérebros de todos os pacientes com Alzheimer. A placa, de consistência grudenta, parecida com goma de mascar, é resultado de uma disfunção que leva o organismo a produzir uma proteína chamada amiloide. Eles esperam que as drogas consigam inibir o desenvolvimento da placa. A família colombiana oferece as condições perfeitas para que os pesquisadores avaliem os efeitos das drogas, testando os medicamentos em pessoas saudáveis antes de que elas desenvolvam o Alzheimer. Vários tipos de exames serão usados para monitorar os participantes, que receberão injeções de drogas experimentais e também de placebos. Os pesquisadores esperam poder iniciar os testes no final de 2012. Eles têm grande esperança de que as drogas consigam atrasar, ou mesmo impedir, o desenvolvimento da doença, mas até o momento, tudo não passa de conjecturas. Não se sabe ainda se a placa amiloide é causa ou efeito do Mal de Alzheimer. Segundo o pesquisador Joseph Arboleda, da Harvard University, que vem trabalhando com Lopera, há a possibilidade de que a droga iniba a formação da placa, mas ainda assim a família pode desenvolver a doença. Temor e esperança Para a família, no entanto, a inevitabilidade de uma condição que afetará a metade de seus integrantes supera todos os temores em relação aos riscos de ingerir drogas cuja segurança ainda não foi comprovada. Johnhaider tinha por volta de 45 anos quando os sintomas surgiram. Nesse período, sua mão já havia morrido vítima da doença. A irmã de Johnhaider, Patricia, não sabe se carrega o gene. Aos 49 anos, ela ainda não apresenta sintomas e se diz esperançosa porém apreensiva. "Não tenho opções", disse. "Estou um pouco preocupada, mas quero participar. Por mim, por minha família e pelo resto do mundo". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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