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Fiocruz 'terceiriza' responsabilidade por atrasos na entrega da vacina

Demora é atribuída à complexidade da missão, às dificuldades burocráticas e também à quebra de máquina

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Por José Fucs
Atualização:

Ao justificar os atrasos e as seguidas revisões nas promessas de produção e de entrega de vacinas Oxford/AstraZeneca, a Fiocruz “terceiriza” a responsabilidade pelos problemas. Em nenhum momento, a instituição admite ter sido excessivamente otimista em suas previsões ou subdimensionado as dificuldades que enfrentaria para cumprir o que prometeu desde o fechamento do acordo com a farmacêutica AstraZeneca, em julho de 2020. 

Funcionário inspeciona carga de doses da vacina da AstraZeneca importada da Índia Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

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A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, não quis dar entrevista para esta reportagem, alegando falta de espaço na agenda. Mas o Estadão compilou as explicações apresentadas pela Fiocruz e de seus dirigentes nos últimos meses, para as revisões em série nas projeções de produção e entrega de vacinas.

Segundo a entidade, o atraso na entrega das doses produzidas com Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) importado da China, cujo envio estava previsto inicialmente para dezembro e janeiro, mas acabou só ocorrendo em fevereiro, deveu-se a “dificuldades burocráticas e diplomáticas” para a liberação do produto na origem, principalmente em razão da falta de formalização do aval do governo brasileiro à operação. 

Para explicar o adiamento da entrega das primeiras doses da vacina do começo de fevereiro para meados de março, a Fiocruz alegou que houve a quebra de uma máquina, com descarte indevido de vacinas, além do atraso no envio do IFA chinês. No caso da demora na entrega de 4 milhões de doses prontas da Índia, praticamente só rotuladas pela Fiocruz no País, os dirigentes da instituição disseram que, além da repetição dos problemas enfrentados na China, o agravamento da pandemia no país acabou por retardar ainda mais a liberação da mercadoria. 

O mesmo argumento foi usado para justificar o atraso no envio de mais 8 milhões de doses prontas da Índia, produzidas pelo Instituto Serum. “O problema da vacinação contra a covid-19 não foi apostar em poucas vacinas, mas conduzir de forma ineficiente as negociações, o planejamento e a execução”, afirmou o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, em comentário no Twitter sobre a questão.

Em relação ao atraso da produção de vacinas com IFA nacional, os dirigentes da Fiocruz dizem que ele vai se dar devido à “complexidade” da tarefa e à nova tecnologia que está sendo incorporada no processo. Inicialmente prevista para começar em agosto, a entrega das vacinas com IFA nacional agora só deve ocorrer a partir de outubro, de acordo com informações de gestores da Fiocruz e do próprio Ministério da Saúde. Curiosamente, apesar de isso ter sido anunciado publicamente, a Fiocruz informou em ofício enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU) no fim de abril, em resposta a um questionamento da Corte, que não era possível definir um cronograma detalhado de produção da vacina 100% nacional. 

De acordo com um virologista ligado a uma das principais universidades do País e envolvido em pesquisas de vacinas contra covid, que preferiu não se identificar, o atraso na produção de vacinas com IFA nacional “era absolutamente previsível”. Ele afirma que a fabricação de uma vacina com uma tecnologia nova, nunca usada antes no País, e a instalação de uma infraestrutura fabril que não existia exigem mais tempo e uma readequação mais intensa da linha de produção do que se acreditava no início, quando os dirigentes da Fiocruz fizeram as primeiras previsões de produção e entrega do produto. 

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Embora os dirigentes da instituição evitem falar sobre o assunto, o atraso na produção da vacina com IFA nacional também tem a ver com a demora para fechar com a AstraZenaca o acordo de transferência de tecnologia, cujas cláusulas estão em discussão desde o ano passado. 

Além de tudo isso, boa parte do problema pode ser atribuída à postura adotada pelo governo durante a pandemia. A posição antivacina defendida pelo presidente Jair Bolsonaro durantes meses e sua pregação negacionista, minimizando a gravidade da pandemia, acabou retardando a negociação dos imunizantes e o processo de vacinação em massa no País. 

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