Foram 15 anos de pesquisas, impulsionadas por investimentos da ordem de 4 bilhões de dólares, até a realidade para a chegada de um novo tratamento para doença rara. Baseada no silenciamento gênico e desenvolvida pela Alnylam Pharmaceuticals, com sede em Cambridge, nos Estados Unidos, a tecnologia foi apresentada no Fórum Científico RNAi, realizado em São Paulo, no último dia 15 de outubro, em um evento que reuniu médicos brasileiros e latino-americanos.
O processo de silenciamento gênico abre caminho para uma nova classe de medicamentos. Esta descoberta, que recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2006, envolve o uso de moléculas de RNA, complementares aos RNAs mensageiros, inibindo sua expressão gênica e bloqueando a produção de proteínas malformadas - mecanismo denominado RNA de interferência (RNAi). Com essa plataforma tecnológica, a Alnylam Pharmaceuticals desenvolveu um tratamento altamente efetivo para pessoas que sofrem de amiloidose hereditária mediada por transtirretina (amiloidose ATTRh), uma doença genética rara e que afeta 50 mil pacientes em todo o mundo, causada por uma mutação em um gene que leva à produção da proteína transtirretina (TTR) malformada ou defeituosa. Produzida principalmente no fígado, a TTR, em condições normais, tem como principal função papel no transporte de vitamina A, mas com essa disfunção genética a proteína malformada se deposita em diferentes tecidos e órgãos gerando acúmulo de fibras (chamado depósito amiloide), o que acarreta em sérios problemas para a saúde e compromete o sistema cardiovascular, neurológico, aparelho digestivo e pode, inclusive, levar o paciente à morte em poucos anos.
O objetivo do tratamento é reduzir drasticamente a produção da proteína TTR e, consequentemente diminuir os depósitos amilóides nos órgãos alvo, revertendo o prognóstico em pacientes que sofrem de polineuropatia (distúrbio neurológico que ocorre quando simultaneamente nervos periféricos por todo o corpo passam a não funcionar corretamente), uma das múltiplas manifestações da amiloidose hATTR e que tem entre seus sintomas dor, fraqueza, imobilidade de braços e pernas e perda de sensibilidade.
Por meio dessa plataforma tecnológica, a Alnylam desenvolveu uma molécula sintética chamada siRNA (sigla em inglês para pequeno RNA interferente), que é uma fita dupla de RNA. Essa molécula contém pequenos segmentos constituídos por unidades químicas que representam as letras do código genético humano, produzidos numa sequência que se encaixa perfeitamente no RNA mensageiro, interferindo em sua função para bloquear a produção da TTR. Akshay Vaishnaw, imunologista molecular e Presidente da Área de Pesquisa e Desenvolvimento da Alnylam, explica: “Com o siRNA atuamos diretamente no citoplasma, onde a proteína é gerada, inibindo a ação do RNA mensageiro, responsável pela produção da TTR malformada, interrompendo, desta forma, o processo causador da doença”.
Plataforma Alnylam
O surgimento desse processo tecnológico só foi possível graças a uma plataforma desenvolvida pela Alnylam – uma metodologia que reúne todo o conhecimento sobre o RNAi, desde a identificação das mutações genéticas que acarretam doenças passando pela avaliação da eficácia e segurança dos medicamentos até a definição de biomarcadores para checar os reais efeitos dos tratamentos.
As informações geradas pela plataforma Alnylam, além de nortearem o estágio das pesquisas, são incluídas nos dossiês apresentados aos órgãos responsáveis que podem, inclusive, acelerar a aprovação de medicamentos. “A aplicabilidade da tecnologia se estende a diversas áreas da medicina. Do ponto de vista do impacto na saúde, o RNA de interferência poderia ser comparado ao advento das vacinas há mais de 220 anos atrás. Em teoria, com o avanço das pesquisas nessa área, falamosda capacidade de ‘desligar’ qualquer gene do genoma humano com potencial para causar doenças”, avalia Norton Oliveira, vice-presidente da Alnylam para a América Latina.
Hoje, o tratamento com esse processo de silenciamento gênico está disponível nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa e no Japão e já teve seu pedido de registro solicitado no Brasil junto a agência nacional reguladora, ANVISA. Além disso, outros fármacos utilizando a RNAi estão em desenvolvimento em outras cinco áreas terapêuticas: cardiologia, hematologia, nefrologia, hepatologia e oftalmologia/sistema nervoso central.
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