Garota autista comia apenas um alimento. O que aconteceu quando o produto acabou em todas as lojas?

'Ashlyn fica mais confortável quando sente que está vivendo o mesmo dia todos os dias; o SpaghettiOs é uma experiência sensorial para ela', explicou a mãe da menina

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Por Cathy Free
Atualização:

Ashlyn, filha de Crystal MacDonald, tem 11 anos, é autista e demonstra profunda lealdade à sua refeição favorita: SpaghettiOs enlatado, com almôndegas. “Ela comia algumas outras coisas, tipo pizza e queijo grelhado, mas sempre amou muito mais o espaguete enlatado”, disse Crystal, 34 anos, mãe de cinco filhos que mora em Attleboro, Massachusetts. “Faz tempo que o espaguete é a minha garantia na hora das refeições”.

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Em março, quando a pandemia do novo coronavírus atingiu o país, a rotina de Ashlyn foi interrompida e uma de suas reações foi se recusar a comer qualquer coisa além da sua refeição predileta. “Ela não queria nada, a não ser SpaghettiOs, nem mesmo marcas genéricas”, disse Crystal, que explicou que sua filha tem autismo não verbal.

Ashlyn ficou chateada por não poder mais frequentar sua escola para alunos com necessidades especiais por causa da pandemia, disse sua mãe, e só encontrou conforto no SpaghettiOs com almôndegas. Ela começou insistir em comer o prato no café da manhã, no almoço e no jantar.

Ashlyn, de11 anos, é autista e demonstra profunda lealdade à sua refeição favorita: SpaghettiOs enlatado, com almôndegas. Foto: Reprodução/Facebook SpaghettiOs

“É a estrutura que a deixa centrada – que dá a ela uma sensação de controle quando todo o resto parece caótico e opressor”, disse Crystal. “Ashlyn fica mais confortável quando sente que está vivendo o mesmo dia todos os dias. O SpaghettiOs é uma experiência sensorial para ela.”

Crystal e seu marido, Jeffrey MacDonald, não tiveram problemas para encontrar latas de SpaghettiOs suficientes para deixar Ashlyn feliz na hora das refeições. Mas aí, numa bela tarde de meados de abril, Crystal passou no mercado de sempre e descobriu que as prateleiras de SpaghettiOs estavam vazias.

“As pessoas estavam enlouquecendo, carregando todos os produtos enlatados que conseguiam encontrar, incluindo o SpaghettiOs”, disse ela. “Tive de ir a todos os supermercados da região para encontrar o suficiente para Ashlyn. Encontrar umas poucas latas virou uma verdadeira caça ao tesouro.”

Nos cinco meses seguintes, Crystal MacDonald teve de dirigir quilômetros para além de seu caminho habitual para tentar encontrar o macarrão enlatado em mais de uma dúzia de mercados. No mês passado, ela apareceu numa matéria do jornal local sobre a escassez de alimentos na região.

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Muitas pessoas leram a história e, para sua surpresa, não responderam julgando que ela estava alimentando a filha só com comida enlatada, mas oferecendo apoio: queriam ajudá-la a encontrar SpaghettiOs com almôndegas para Ashlyn.

Algumas pessoas vasculharam suas próprias despensas e começaram a mandar as latas de SpaghettiOs que tinham na prateleira. Outras ligaram para os mercados locais para ver se tinham alguma lata no estoque.

“Quando li a história de Crystal, imediatamente senti que queria ajudar”, disse Janet Gallo, 47 anos, de Foxboro, Massachusetts. “Durante esta pandemia todos nós ficamos estressados ao ver os itens se esgotando no estoque, mas Crystal não tem a opção de fazer substituições como a maioria das pessoas”.

“Fiquei arrasada só de pensar que ela tinha que ligar para vários mercados várias vezes por semana”, acrescentou Janet. Ela disse que verificou em várias lojas locais, encontrou dez latas e procurou Crystal no Facebook para pedir seu endereço.

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“No caminho da casa dela, decidi passar em outro mercado e encontrei mais quinze latas”, disse ela. “Acredito que, se todos fizerem um pequeno esforço para ajudar os outros, juntos podemos fazer uma grande diferença”.

Jade Lam, de Attleboro, também ficou feliz em contribuir. “Como tenho um irmão autista, pensei que deve ser muito difícil fazer [Ashlyn] comer qualquer outra coisa”, disse Lam, de 30 anos. “Então comecei a ligar para meus amigos que trabalham em supermercados e eles conseguiram encontrar algumas latas.”

Lam, que tem uma filha de um ano, agora liga para as lojas regularmente e pede que reservem várias latas de SpaghettiOs para MacDonald sempre que chega um novo carregamento. “Fiquei tão feliz por ter ajudado que quis continuar”, disse ela.

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Crystal disse que está admirada com a demonstração de apoio. Além de mais de 400 latas de macarrão doadas por amigos e desconhecidos em sua comunidade, a Campbell Soup Co. recentemente entregou 782 latas direto na sua porta.

“Nossa despensa agora está cheia – dá até um quentinho no coração”, disse ela. “Muitas pessoas me dizem: ‘também tenho um filho com autismo’ ou ‘tenho uma irmã com autismo’. Elas se identificam com essa tentativa de dar às crianças aquilo que faz com que se sintam bem.”

Além de mais de 400 latas de macarrão doadas por amigos e desconhecidos em sua comunidade, a Campbell Soup Co. recentemente entregou 782 delas direto na porta. Foto: Reprodução/Facebook SpaghettiOs

Crystal disse que Ashlyn, sua segunda filha, foi diagnosticada quando tinha cerca de 16 meses. “Quando ela fez um ano de idade, percebemos que não estava falando ‘mamãe’ nem apontando para coisas como nosso filho mais velho tinha feito”, disse ela. “Depois de muitos exames, descobrimos que ela era autista”.

Agora, todas as manhãs Crystal desperta Ashlyn com sua música favorita, ‘Firework’, de Katy Perry, e a veste com roupas de algodão sem marcas porque ela é sensível a materiais que não são macios e lisos.

Para o café da manhã, ela abre a primeira lata de SpaghettiOs com almôndegas do dia. “Na verdade, tem mais nutrientes do que você imagina”, disse ela. “É fortificado e cheio de proteínas. E é a única coisa que ela quer comer agora.”

Ashlyn recentemente voltou para sua escola, disse Crystal, então ela enfia uma lata de macarrão na sua mochila todas as manhãs. “Ela notaria imediatamente se tentássemos dar um substituto”, disse. Ashlyn não diz muitas palavras, “mas, se você tentar dar a ela outra coisa para comer, ela te olha de um jeito que diz: ‘Nem tente me enganar’”.

“Pessoas que não passaram por essa experiência provavelmente não percebem como estrutura é importante para alguém com autismo”, disse Crystal. “Às vezes, você precisa fazer coisas incomuns para manter o autista calmo e seguro”.

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Para Ashlyn, ela disse, esse conforto e tranquilidade agora podem ser encontrados numa despensa com mais de mil latas. “Quando ela vê todas aquelas latas de SpaghettiOs, fica muito feliz”, disse Crystal. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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