Governo de SC foi alertado em dezembro sobre colapso na saúde e aumento de mortes por covid

Documento apontava que festas de final de ano poderiam colocar Estado em risco ainda maior e 'atrasar oportunidade de tomada de decisão fundamental'

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Por Fábio Bispo
Atualização:

O governo catarinense foi avisado no início de dezembro de 2020 sobre o risco de colapso no sistema de saúde por causa da covid-19. Na época, autoridades sanitárias alertaram para o crescente número de infectados e de internações, e que isso iria refletir também nos óbitos. Dois meses após o alerta, em meados de fevereiro, Santa Catarina atingiu o limite máximo de internações. Desde então, a fila por uma vaga de UTI não para de crescer. Eram 398 pacientes aguardando leito de terapia intensiva na sexta-feira, 12.

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Nas últimas semanas, as mortes de pessoas na fila de internação tornou a crise ainda mais dramática. Pacientes foram transferidos para outros Estados e mais leitos, anunciados. A demanda por oxigênio aumentou 2.000% e os estoques do chamado kit entubação operam com o mínimo.

“Com as UTIs já lotadas e com o tempo de internação médio superior a 15 dias, significa que quando os casos graves relacionados às confirmações dos últimos dias necessitarem de UTI, os leitos ainda estarão ocupados, levando ao colapso da assistência e consequentemente ao aumento do número de óbitos”, alertava o parecer do Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde, Cievs, em 3 de dezembro de 2020.

O documento foi juntado em processo do Tribunal de Contas que avaliou as medidas empregadas pelo Estado para contenção da pandemia. O caso foi julgado em 8 de março e cobra uma série de medidas, entre elas a adoção de lockdown por 14 dias, medidas financeiras para mitigar impactos e a inclusão de professores nos grupos prioritários de vacinação. O governador foi notificado da decisão no dia 10 deste mês.

Carlos Moisés, governador de Santa Catarina Foto: Ramiro Furquim/Estadão

Na quarta-feira, 10, o Ministério Público do Estado ingressou com ação por omissão do governo logo após o governador anunciar novo decreto que mantinha aberto bares, shoppings, academias e outros estabelecimentos considerados não essenciais.

O parecer previa uma projeção geométrica dos indicadores da doença em Santa Catarina e falava em “cenário preocupante” com os efeitos das aglomerações das festas de fim de ano, e cita como exemplo países da Europa que enfrentaram uma segunda onda da doença e adotaram lockdown como estratégia para frear a curva de contágio.

O alerta apontava para o crescimento de mortes, que dobrou de um mês para o outro: “Dados preliminares do mês de novembro contabilizaram 644 óbitos, o dobro de óbitos registrados em outubro (320 óbitos). (...) Ao final do mês de setembro o Estado possuía 6.000 casos ativos e atualmente o registro é de 32 mil casos, incremento de cinco vezes”, dizo alerta. O número de óbitos em novembro se confirmou em 705 registros. Em dezembro, foram 1.486 mortes. Já o número de pessoas com o coronavírus ativo ultrapassou 40 mil em março.

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“Caso estejamos nesse panorama de ascensão da curva de transmissão no período das festas de final de ano, as reuniões próprias deste momento colocarão o Estado de SC em cenário de risco em poucos dias. Por isso, é tão importante que ocorra uma “quebra” na ascendência da curva de casos rapidamente. As decisões isoladas de nível municipal, não são suficientes para conter o avanço do contágio e podem atrasar ainda mais essa quebra e a oportunidade da decisão é fundamental”.

Santa Catarina registrou 8.502 mortes por covid-19 desde março de 2020 - 36,8 % dos óbitos ocorreram entre janeiro e março deste ano.

Os promotores de Justiça que apontam omissão do governo também sinalizam falta de transparência sobre os óbitos de pessoas que estão na fila de UTI, o que poderia caracterizar desassistência do Estado.

Governo resiste a lockdown

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O governo catarinense tem resistido à ideia de adotar um isolamento mais rígido, principalmente ao uso do termo lockdown. Em março de 2020, Carlos Moisés (PSL) foi um dos primeiros governadores a adotar medidas mais rígidas contra a pandemia, restringindo todo o serviço não essencial.

Nos meses seguintes, após envolvimento no escândalo da compra de respiradores da China pagos e nunca entregues, perdeu apoio político e popular. Às vésperas de ser julgado pelo caso dos respiradores no processo de impeachment, no próximo dia 26, Moisés decidiu reatar com os deputados e tem se mantido neutro diante do governo federal.

O secretário de Saúde, André Motta, afirmou, em entrevista à 'GloboNews', que o lockdown não tem efeito, e negou a morte de pessoas por desassistência médica. Em fevereiro, pacientes que aguardavam na fila por uma vaga de UTI foram transferidos para o Espírito Santo.

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Em contrapartida ao lockdown, o governo do Estado tem anunciado nas últimas semanas a abertura de novos leitos de UTI na tentativa de zerar a fila de espera. Um novo decreto, que passou a valer na sexta-feira, 12, restringe a abertura do comércio apenas nos finais de semana. Até a próxima sexta-feira, dia 19, atividades como casas noturnas, shows e espetáculos estão proibidas.

A reportagem enviou questionamentos ao governo e à Secretaria de Saúde, mas ainda não obteve retorno. 

Entidades comerciais fazem pressão

Também na quarta-feira, 10, 245 entidades ligadas ao comércio assinaram manifestação cobrando que o governador Carlos Moisés “permaneça firme”. O apelo, segundo o documento, é “no intuito de não cogitar o emprego de meios extremos que podem colocar em xeque a sobrevivência de milhões de catarinenses”.

A entidades criticam o que chamam de “previsões empíricas” e falam em “gestores públicos sensatos que tiveram a coragem de ignorar o pânico”, sem citar exemplos.

“De mais a mais, Senhor Governador, é ingenuidade supor que o coronavírus espera o cidadão catarinense sair de sua residência para só então se alojar no organismo da incauta vítima”, diz documento das entidades que se intitulam como “fiadores do bem-estar social”.

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