Governo vai exigir produtividade de médicos do serviço público

'Vamos parar de fingir que a gente paga médicos, e o médico fingir que trabalha', diz o ministro; biometria será implantada

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Por Ligia Formenti e Carla Araujo
4 min de leitura
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, participou de evento ao lado do presidente Michel Temer nesta quinta-feira Foto: Michel Temer/Twitter

BRASÍLIA - O Ministério da Saúde vai usar a biometria para controlar a jornada de trabalho dos médicos que atuam na rede pública. A ideia é implantar o sistema em todas as unidades básicas de saúde de forma a acompanhar horas trabalhadas e, simultaneamente, criar um controle de produtividade, com metas de atendimento que terão de ser cumpridas. “Vamos parar de fingir que a gente paga médicos e o médico parar de fingir que trabalha. Isso não está ajudando a saúde do Brasil”, disse o ministro nesta quinta-feira, 13.

As metas de produtividade ainda estão discussão. O plano inicial é estabelecer critérios de acordo com a atividade. Consultas, por exemplo, deverão obedecer o padrão recomendado pela Organização Mundial de Saúde: com no mínimo 15 minutos de duração. Os dois critérios adotados de forma conjunta têm como objetivo evitar, por exemplo, que o profissional apresse o atendimento para ir embora da unidade mais cedo, informou Barros.

“Um médico que tem quatro horas de jornada, por exemplo. Ele pode dedicar cinco minutos para cada paciente e ir embora. Temos de ter uma média de desempenho”, defendeu. De acordo com ministro, aqueles que não cumprirem a jornada de trabalho estarão sujeitos a processo administrativo.

Barros afirmou que a estratégia visa a reduzir uma prática que ele diz ser comum atualmente no serviço público: profissionais acumularem empregos e, para conciliar todas as atividades, acabarem ficando menos tempo que o devido no serviço público.

A biometria integra uma das políticas ditas por Barros como prioritárias de sua gestão, a informatização do SUS. Para tentar agilizar esse processo, a pasta deverá arcar com 50% dos gastos de prefeituras com a contratação de empresas de informática. A meta é que todas as unidades básicas estejam informatizadas até o fim do ano.

O Ministério da Saúde não soube informar quantos serviços contam atualmente com a biometria. Experiências foram relatadas em Goiânia, Maceió e na cidade paranaense de Pinhais. De acordo com Barros, nas cidades em que o sistema já está em funcionamento, metade dos médicos pede demissão.

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“Eles têm vários trabalhos e acabam abandonando o serviço quando há maior controle da jornada", disse. De acordo com Barros, a média de comparecimento de médicos identificada até o momento é de 30%. "Isso vai mudar com a biometria", completou.

Barros garantiu que a jornada de trabalho desrespeitada acaba gerando uma sobrecarga de demanda em hospitais. “Lá o paciente sabe que vai encontrar médico.” O ministro admitiu, no entanto, que a simples adoção da biometria não será suficiente para reduzir os vazios assistenciais. De acordo com ele, assim que profissionais médicos começarem a pedir demissão para fugir de maior controle, seja de produtividade, seja de jornada de trabalho, prefeituras terão de ofertar salários mais atraentes para médicos - a parte, como disse, de que “a gente finge que paga.”

As afirmações de Barros provocaram uma reação imediata de entidades médicas. O Conselho Federal de Medicina (CFM) classificou as declarações como pejorativas, inadequadas e reflexo da incapacidade de autoridades em responder às necessidades da população. A Federação Médica Brasileira, por sua vez, atribuiu as críticas ao “desespero de tentar salvar um governo afundado em denúncias de corrupção”.

A federação lembrou que o ministro, há duas semanas, no Acre, teria dito que médicos estavam mais preocupados em ganhar mais sem trabalhar o suficiente. “Sem habilidade para lidar com os escândalos criminosos que bombardeiam diariamente o governo que integra, e numa busca incansável para justificar a precariedade no sistema de saúde pública, Ricardo Barros ignora que a Federação Médica Brasileira não compactua com qualquer trabalhador que não honre com seu contrato”, diz a nota da entidade.

Mais tarde em entrevista, o presidente do CFM, Carlos Vital, observou que as afirmações de Barros são infundadas. “Há uma série de obstáculos estabelecidos no SUS: contratos precários, condições de trabalho inadequadas, problemas que não podem ser escondidos com posições retóricas”, avaliou. “Não é justo com a classe médica. É lastimável”, completou o presidente do CFM.

Vital disse não ser contrário à adoção da biometria, mas observou que a medida, se de fato implementada, deve ser feita para todos os funcionários. “É um mecanismo de controle.” A opinião sobre as metas de produtividade, no entanto, não é a mesma. “Profissionais têm responsabilidade. Eles sabem exatamente o que tem de ser feito, não se arriscam de forma a colocar em risco o paciente”, disse. Para o presidente do CFM, o principal é o médico trabalhar de forma independente.

Medicamentos

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O controle da atuação de médicos em análise no Ministério da Saúde não se resume à jornada de trabalho. O ministro Ricardo Barros afirmou estar em estudo pela pasta medidas para tentar inibir a prescrição de medicamentos que não estejam na lista de distribuição do Sistema Único de Saúde (SUS). 

A proposta, analisada conjuntamente com conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde, estuda ainda a previsão de que todas as receitas indiquem os medicamentos pelo nome genérico e não o de marca. As medidas teriam como objetivo reduzir o número de processos na Justiça reivindicando tratamento com medicamentos que não estão na lista do Sistema Único de Saúde.

O presidente do Conselho Federal de Medicina, Carlos Vital, disse que as justificativas já são realizadas. “Isso não acontece apenas com médicos. Outras classes profissionais, quando tomam decisões, também trazem as alegações para isso”, disse o presidente. De acordo com Vital, no atendimento de planos de saúde, muitas vezes essa formalidade já é exigida. “Não vejo problema nisso. O importante é o profissional ter liberdade para indicar aquilo que ele considera essencial para seu paciente.”

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