Grávidas com zika devem fazer mais ultrassons, diz estudo

Pesquisa mostra que infecção pode prejudicar feto em qualquer fase da gravidez, não apenas se a mãe adoecer nas primeiras semanas

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Por Clarissa Thomé
Atualização:
Grávidas devemaumentaros cuidados contra o mosquito 'Aedes aegypti' Foto: EFE

RIO - Grávidas infectadas por zika devem fazer ultrassonografias seriadas para a identificação de possíveis más-formações no feto e também alterações na placenta. Essa é a recomendação do obstetra José Pereira Júnior, coautor de pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade da Califórnia. O estudo apontou que a infecção por zika pode prejudicar o feto em qualquer fase da gravidez, não apenas se a mãe adoecer nas primeiras semanas de gestação, como se imaginava inicialmente.

O estudo, publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, acompanhou 72 grávidas com zika. Dessas, 42 passaram por exames de ultrassonografia no Instituto Fernandes Figueira, onde Pereira Júnior é responsável pela maternidade. Entre as gestantes, 29% esperavam bebês com diferentes alterações: microcefalia, calcificações cerebrais, restrição de crescimento intrauterino, ausência de hemisférios cerebrais. A infecção pelo vírus também afetou a função placentária, e houve casos de grávidas com pouco líquido e até mesmo com ausência de líquido amniótico. Em um caso, a gravidez precisou ser interrompida para que o bebê fosse salvo.

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“O mais preocupante é que problemas com o feto e com a gravidez foram descritos em qualquer idade gestacional, até mesmo no terceiro trimestre, com casos de natimortos e ausência de líquido amniótico.Os dados sugerem que o vírus pode afetar negativamente a gestação em qualquer momento”, afirmou a pesquisadora da Fiocruz Patrícia Brasil, coordenadora do estudo.

De acordo com Pereira Júnior, foi a primeira vez que alterações na placenta foram associadas à infecção por zika. “Embora ainda sejam números pequenos, a gente pode responder o que pode oferecer para o acompanhamento desses bebês. Aqui no hospital, o que se ofereceu foi ultrassonografia com Doppler”, afirmou Pereira Júnior.

O exame com Doppler permite ver, além da imagem do bebê, o fluxo de sangue para a placenta. “(Em casos de infecções), a placenta pode ficar inflamada. E essa inflamação pode dificultar a troca de oxigênio e nutrientes entre o feto e a mãe, e com prejuízo para o feto: ele pode crescer menos, produzir menos líquido amniótico”, explica o obstetra. “O feto, num primeiro momento, lança mão de estratagemas para continuar sobrevivendo. Mas no segundo momento, temos a diminuição do líquido amniótico e em casos extremos, a morte. Com o Doppler seriado, aumenta-se a vigilância e se for possível ou se for necessário, faz-se a interrupção da gravidez. E salva-se o bebê antes que deteriore o estado geral dele”.

O protocolo de atendimento no IFF ainda está sendo ajustado. Mas a recomendação inicial é de que, para mulheres infectadas no início da gravidez, o primeiro exame seja feito na 14ª semana de gestação, e repetidos pelo menos outras três vezes: entre a 24ª e 26ª semanas, 34ª semana e 38ª semana. “O que a gente está recomendando é que as pacientes zika positivo passem a fazer exames seriados de ultrassom com doppler, de acordo com a rotina que seus médicos decidirem. Tenho pacientes que fizeram 5. E tem paciente que chega aqui, com 35 semanas, e faz uma. O estudo é um farol, um caminho para as pessoas começarem a seguir. Vai fazer só ultrassom? Não. Faz ultrassom com doppler, porque você vê se tem alguma anomalia do corpo do bebê, mas vê também como está a hemodinâmica do bebê”, defende Pereira Júnior.

Na rede particular, um exame de ultrassonografia obstétrica custa cerca de R$ 200. A ultrassonografia com dopplerfluxometria sai por R$ 380. O exame é coberto pelos planos de saúde. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Ultrassonografia, Waldemar Naves do Amaral, o protocolo sugerido está correto. “Quando a gravidez é de baixo risco, o recomendado é que a mulher faça em torno de duas ultrassonografias, na 13ª semana e entre a 20ª e 24ª semanas. Na gravidez de alto risco, é variável. Como não se sabe se a infecção provoca lesão no início da gravidez ou no fim da gravidez, o seguimento vai mostrar o grau da lesão. O protocolo está correto. São necessários outros três ou quatro exames”, afirmou.

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Ele acredita que as mulheres não terão dificuldade de acesso ao exame. “O Brasil é o segundo país em número de equipamentos de ultrassom. Mesmo a paciente do SUS de alguma forma vai conseguir, porque ela entra no protocolo de parto de alto risco e o acesso a exames de maior complexidade é facilitado”.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que a recomendação é que a ultrassonografia seja realizada, “preferencialmente, no primeiro trimestre, para início do acompanhamento da gestação pela equipe médica”. “A realização de exames ultrassonográficos em série, na tentativa de identificação de microcefalia, não muda a condição nem o prognóstico nesses casos”.

"É importante esclarecer que todas as diretrizes clínicas do Ministério da Saúde são baseadas em estudos consolidados, a partir de universo pesquisado e quantidade de amostras significativos. Para que se torne uma recomendação estabelecida em protocolo, são necessários estudos complementares, elaborados em fóruns específicos e em parcerias com sociedades especializadas", informou o ministério.

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