O Ministério da Saúde monitora pelo menos 16 casos suspeitos de hepatite infantil misteriosa no Brasil, segundo informou o governo nesta segunda-feira, 9. Conforme a pasta, os pacientes são monitorados no Estado de São Paulo (6), Rio (5), Paraná (2), Espírito Santo (1), Santa Catarina (1) e Pernambuco (1). A Secretaria da Saúde paulista reporta um caso suspeito a mais: sete.
Há confirmação da doença, cuja origem ainda é desconhecida, em mais de 20 países. Esse tipo específico da hepatite infantil, em 10% dos doentes, pode exigir transplante de fígado e até matar.
Em São Paulo, os registros foram na capital paulista e nos municípios de São José dos Campos e Fernandópolis. Todos são crianças, dois estão internados, e os demais "evoluem bem", de acordo com o órgão estadual.
O Rio de Janeiro, segundo Estado com mais ocorrências, investiga nesta segunda-feira seis pacientes suspeitos que variam dos dois meses aos oito anos de idade. A contagem do órgão estadual considera um paciente a mais do que a do Ministério da Saúde. A maior concentração dos casos está na capital (três casos), enquanto os outros foram registrados em Araruama, Niterói e Maricá, onde um bebê de oito meses morreu e segue em análise das autoridades, que ainda tentam estabelecer a causa do óbito.
"Estamos acompanhando a evolução da doença no mundo e monitorando junto às vigilâncias municipais os registros de casos suspeitos no estado. O alerta é justamente para que esses pacientes possam ser acompanhados e monitorados de forma correta", afirmou o Alexandre Chieppe, secretário estadual de Saúde, que também pediu atenção de pais e responsáveis aos sintomas. "Se houver qualquer suspeita, elas devem ser imediatamente levadas a um serviço de saúde para que possam ser diagnosticadas e tratadas."
O Espírito Santo informou, em nota, que acompanha dois pacientes suspeitos de hepatite aguda, e não apenas um como aponta o governo federal. A causa da doença não foi identificada, mas a princípio os casos não apresentam as mesmas características que estão sendo descritas em outros países, segundo a Secretaria da Saúde (Sesa-ES).
No Paraná, três casos suspeitos da doença foram acompanhados nos últimos dias pelas autoridades de saúde e vigilância sanitária, sendo que um deles já foi descartado. Os outros dois pacientes são meninos entre 8 e 12 anos, e seguem em observação. A Secretaria da Saúde do Paraná, afirmou, em nota que tem "organizado o fluxo de vigilância e o apoio laboratorial", assim como "capacitado os serviços de saúde sobre a doença". A pasta também emitiu nota técnica sobre os sintomas e orientou a rede de vigilância epidemiológica.
Em Itajaí, no interior de Santa Catarina, uma criança de sete anos segue em observação desde que deu entrada no Hospital Pequeno Anjo na última quarta-feira, 4. Ela apresentou quadro de hepatite aguda (inflamação do fígado), icterícia (pele e olhos amarelados), náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal, além de aumento das transaminases (enzimas hepáticas). Após o atendimento, recebeu alta hospitalar e segue em acompanhamento ambulatorial.
Ainda não há caso confirmado da nova hepatite aguda e "misteriosa" no Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença já foi registrada em mais de 300 pessoas no mundo, a maioria crianças, e sua origem ainda é desconhecida. A entidade afirma ainda investigar a origem e as causas da doença, incluindo as possibilidades de elo com o adenovírus e o novo coronavírus. A OMS descarta, porém, relação com as vacinas contra a covid-19.
O que se sabe sobre a doença?
Segundo a OMS, a hepatite é uma inflamação que atinge o fígado causada por uma variedade de vírus infecciosos (hepatite viral) e agentes não-infecciosos. A infecção pode levar a uma série de problemas de saúde, que podem ser fatais. Os vírus comuns que causam hepatite viral aguda (vírus da hepatite A, B, C, D e E) não foram detectados em nenhum dos casos confirmados até agora, além de sua manifestação súbita e grave em crianças saudáveis ser considerada incomum.
Os sintomas dessa hepatite aguda são em sua maioria gastrointestinais e incluem dor abdominal, diarreia, vômitos e aumento dos níveis de enzimas hepáticas, além de icterícia (pele e/ou olhos com cor amarelada) e ausência de febre. Como a origem da doença ainda é desconhecida, o tratamente por enquanto se restringe a aliviar os sintomas, manejar e estabilizar o paciente, se o caso for grave.
Embora a síndrome atinja pacientes de até 16 anos de idade, a maioria dos casos está na faixa de 2 a 5 anos. O quadro das crianças europeias é de infecção aguda e a maior parte delas não havia se vacinado contra o coronavírus, o que descarta a princípio algum tipo de relação entre a doença e a imunização.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), uma forma de prevenção contra a hepatite é seguir as medidas básicas de higiene, que incluem lavar as mãos e cobrir a boca ao tossir ou espirrar. A prática também pode proteger contra a transmissão do adenovírus, um vírus comum que pode causar sintomas respiratórios, vômitos e diarreia. Sua presença foi identificada nas crianças afetadas, mas a ligação entre as duas doenças ainda segue em investigação.
CAUTELA
Presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira Pediatria (SBP), Marco Aurélio Sáfadi lamenta o cenário de incertezas que rondam as causas da hepatite aguda ainda sem identificação. Porém, o especialista cita algumas convicções a partir de estudos e escritos britânicos. A presença do adenovírus 41F em muitos dos infectados é uma dessas certezas. Conforme as anotações dos ingleses, diz Sáfadi, de 5% a 10% dos casos já reportados evoluíram para hepatite fulminante, quando o recurso terapêutico necessário é o transplante de fígado. Além disso, 75% dos doentes têm idade inferior aos cinco anos. E, assim, descarta-se a possibilidade de relação conta vacina contra a covid-19, uma vez que não há vacina para esta faixa etária. Parte dos 25% também não estava vacinada contra a covid. “Os casos não têm relação um com o outro, não ocorrem surtos dentro de uma escola ou família, e ocorreram em diversos países”, destaca. O médico diz que os enfermos não foram expostos a nenhum medicamento ou coisa tóxica. Mas a exposição comum é o vírus Sars-Cov-2. “Nem todo mudo que pega o vírus desenvolve, só quem tem predisposição. Isso é a chave da investigação. Porque alguns entram em contato com o adenovírus desenvolvem hepatite e outros não?”. O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime Barbosa, classifica o momento como um surto epidêmico de hepatite viral. Destaca que o adenovírus 41F é transmitido por vias respiratórias, mas ele não tem o histórico de causar doenças graves. Neste momento, segundo ele, há duas linhas principais de investigação. A primeira, elenca Barbosa, é que o adenovírus tornou-se uma cepa mais agressiva. Enquanto a segunda considera que crianças ainda sem a vacina contra a covid podem ter ficado com um estado inflamatório mais intenso e, depois de alguns dias ou semanas pós-covid, tenha maior suscetibilidade à hepatite grave. “Os sintomas de uma hepatite em crianças são bastantes difíceis de identificar”, alerta Barbosa. “O sinal mais comum, e quando já está em situação grave, é quando o globo ocular e a pele ficam amarelados e as fezes embranquecidas”. Para o médico infectologista e professor da Unesp, o número de casos suspeitos deve ser ainda maior. Sáfadi diz que é preciso ter cautela. “Ainda é tudo muito preliminar, não há dados se eram crianças previamente infectadas pela covid-19, se eram ou não previamente expostas ao vírus”, pondera.