Hospitais têm remédios contra o câncer em estoque, mas temem desabastecimento

Radiofármacos fundamentais para diagnóstico e tratamento da doença deixaram de ser produzidos desde segunda-feira por falta de insumos

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Por Igor Soares e Ítalo Lo Re
Atualização:

O anúncio de interrupção da produção de radiofármacos feito pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), deixou hospitais que usam essas substâncias para tratamento e diagnóstico de câncer em estado de alerta e em busca de alternativas. A estimativa é de que entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas em todo o País podem ser prejudicadas com a falta de distribuição dos remédios do Ipen, que está sem recursos para retomar a importação de insumos.

Hospitais têm radiofármacos em estoque, mas temem desabastecimento Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADAO

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Hospitais dizem ter radiofármacos em estoque, mas temem pelo desabastecimento a partir da próxima semana. São os casos, por exemplo, do A.C. Camargo e do Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

De acordo com o A.C. Camargo, hospital para tratar e diagnosticar câncer em São Paulo, a instituição vai permanecer com o tratamento da doença. “Neste momento, a instituição possui insumos suficientes para continuar atendendo seus pacientes com excelência”, informou em nota.

O hospital diz que alguns exames não sofrerão, ainda, com a falta dos insumos do Ipen. “Os exames PET-CT (18F-FDG, 8F-PSMA e com 68Ga-Dotatate), que são fundamentais para a oncologia moderna, não serão afetados, da mesma forma que ocorre com os tratamentos com 177-Lutecio-Psma para câncer da próstata”, diz.

Por outro lado, o fornecimento dos insumos ainda gera uma preocupação para as próximas semanas. O hospital afirma que “continuará acompanhando o caso e mapeando ações de contingenciamento para minimizar os efeitos, se necessário, além de estudar planos alternativos e aguardar o posicionamento do Ipen e do MCTI”.

A situação no Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-USP), é de pouco impacto nesta semana. “O InRad esclarece que esta semana ainda houve fornecimento, sem impacto no diagnóstico e tratamentos”, frisou, por meio de nota.

No entanto, manter os atendimentos depende do envio dos radiofármacos. “Seguem normalmente por enquanto, porém, caso não haja resposta de normalização por parte do Ipen até o dia 23/09, a partir da semana que vem haverá necessidade de cancelar os pacotes dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos previamente agendados e interromper o agendamento de novas solicitações.”

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No Hospital de Amor (antigo Hospital de Barretos), referência em tratamento de câncer no País, a realidade é diferente. A instituição afirma que a maioria dos pacientes pode ficar sem o devido tratamento ou realização de exames em razão da falta dos radiofármacos. “Isso acarretará atraso nos tratamentos oncológicos, já que os exames são fundamentais para definir o tratamento de cada paciente”, disse Wilson Furlan Alves, coordenador do departamento de Medicina Nuclear do hospital.

Questionado sobre as orientações aos pacientes que dependem do tratamento e dos exames para acompanhar a evolução ou regressão da doença, o médico garante que serão informados. “Nesta semana, faremos contatos com os pacientes previamente agendados para suspender os exames até que o fornecimento dos radiofármacos e radioisótopos volte ao normal”, ressaltou.

O coordenador afirmou também que aguarda as autoridades competentes para reorganizar os estoques das substâncias. “Em relação aos geradores de tecnécio, principal radioisótopo usado para realização das cintilografias, estamos avaliando a possibilidade de realizar importação. Já para o iodo-131, usado principalmente para tratamento de câncer de tireoide, não há nenhuma possibilidade de importação até o momento”, conclui.

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Para a presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Clarissa Mathias, a regulação atual faz com que o governo não tenha poder decisório sobre os medicamentos oncológicos, o que torna o processo "falho" no País. Nesse contexto, ela defende que o tema seja discutido no Legislativo o quanto antes, o que poderia evitar, segundo ela, que detentores dos registros tomem decisões que podem ser prejudiciais aos pacientes.

Procurado pelo Estadão, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações disse que aguarda a votação do PLN 16/2021 esta semana para solucionar o problema. Para manter a produção, o Ipen depende do projeto de lei que adicionaria R$ 34,6 milhões ao seu orçamento. / COLABOROU DENISE LUNA