Hospitais usam biópsia menos invasiva para monitorar câncer de pulmão

Benefícios do exame são estudados desde 2015, mas técnica só estava disponível para pacientes que participavam de pesquisa clínica

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Por Fernanda Bassette
5 min de leitura

Três grandes hospitais de São Paulo incluíram na rotina clínica hospitalar a realização da biópsia líquida como forma de monitoramento do câncer de pulmão. Trata-se de um exame minimamente invasivo, rápido e indolor, realizado por meio de uma simples coleta de sangue do paciente, que consegue detectar fragmentos de DNA do tumor na corrente sanguínea (ct DNA) e prever o risco de resistência à droga que está sendo utilizada. Até então, apenas pacientes que participavam de pesquisas nesses centros eram beneficiados.

No AC Camargo Cancer Center, os benefícios da biópsia líquida começaram a ser estudados em 2015 Foto: AC Camargo Cancer Center

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de pulmão é o mais comum dos tumores malignos e um dos mais letais, com sobrevida média entre 7% a 10% em cinco anos. A grande vantagem da técnica é que ela permite monitorar o comportamento do tumor no organismo do paciente sem uma biópsia convencional – em que se retira um fragmento do tumor para análise em laboratório, com internação e anestesia – e sem a necessidade de exames complexos de imagem. Vale ressaltar que a biópsia convencional ainda é necessária e fundamental para o diagnóstico correto do tipo de câncer.

O uso da biópsia líquida é bem estabelecido mundialmente para o câncer de pulmão, e há estudos para tumores de mama e colorretal. No caso do câncer de pulmão de pequenas células, o exame busca mutações no gene EGFR, para o qual há indicação do uso de uma terapia alvo – droga que age diretamente no tumor, preservando as outras células. Essa mutação aparece em cerca de 20% dos pacientes.

Após o início do uso da medicação, cerca de metade dos pacientes passa a resistir ao medicamento e o tumor volta a progredir. Nesses casos, uma nova biópsia líquida é feita e procura-se a mutação de resistência ao medicamento, a T790M.

“Isso é a medicina do futuro. Do ponto de vista clínico, é isso o que importa: você não ter de fazer nova biópsia em um paciente já debilitado. A mutação T790M não é detectada no tumor primário, mas consigo identificá-la no sangue sem outra biópsia convencional”, afirma Dirce Maria Carraro, pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular do AC Camargo.

No AC Camargo Cancer Center, os benefícios da biópsia líquida começaram a ser estudados em 2015. Os resultados foram tão satisfatórios que, desde o fim de 2016, a técnica passou a ser oferecida como rotina para os pacientes em tratamento no hospital. O mesmo aconteceu no Albert Einstein e no Sírio-Libanês, que também pesquisam os benefícios e incorporaram a técnica recentemente.

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Segundo Helano Freitas, coordenador de pesquisa clínica do AC Camargo Cancer Center, em menos de um ano foram feitas cem biópsias liquidas na prática clínica. No Einstein, em quatro meses foram 20 exames e no Sírio-Libanês, 11 biópsias. “O tumor de pulmão é o mais comum do mundo e cerca de 20% dos pacientes terão a mutação do gene EGFR. Desses, metade também terá a mutação de resistência. Esse é um exemplo muito claro e muito bem estabelecido do benefício do uso da biópsia líquida como rotina de monitoramento”, diz Freitas.

Antes das imagens. Outro potencial da biópsia líquida – que já é considerada uma das principais revoluções da medicina de precisão – é detectar a recidiva do tumor no corpo do paciente, antes mesmo que ele se torne visível em análises convencionais feitas por imagem. A constatação é de um estudo realizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês, publicado em abril deste ano no Lung Cancer, uma das principais revistas científicas da área.

Ao todo, 60 pacientes estão sendo monitorados em pesquisa no Sírio-Libanês e fazem coletas de sangue mensalmente para a realização da biópsia líquida em busca das mutações alvo e de resistência ao tratamento. “Antes, esse monitoramento era feito apenas depois da piora clínica do paciente ou da progressão da doença”, avalia Anamaria Camargo, coordenadora do Centro de Oncologia Molecular do Instituto de Ensino e Pesquisa do hospital.

Em abril, o hospital publicou um estudo de caso em que mostra ter identificado, por meio da biópsia líquida, a resistência ao medicamento na corrente sanguínea do paciente dois meses antes de a imagem detectar o tumor. Também conseguiu identificar uma segunda mutação de resistência, nunca antes descrita na literatura (amplificação do alelo mutado) e sem medicação disponível.

“Esse achado é fundamental porque no futuro poderão ser desenvolvidas drogas específicas para essa segunda mutação. Assim como a T790M justificou a criação de um medicamento, essa nova mutação também deve despertar interesse”, afirma a pesquisadora, destacando que a paciente em questão teve a sobrevida prolongada em mais de um ano com o uso da medicação adequada.

A única ressalva em relação ao uso da biópsia líquida como rotina é o custo do procedimento – que nem sempre é coberto pelos planos – e do medicamento para tratar a resistência ao tumor. Cada biópsia líquida custa entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil. A droga foi aprovada recentemente no Brasil e fica em torno de R$ 30 mil a cartela com 30 comprimidos – o suficiente para um mês. “O medicamento é um avanço fantástico no tratamento do câncer de pulmão, mas como torná-lo acessível ao paciente? O alto custo é uma barreira”, afirma Freitas.

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