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Hospital de Jaú é recordista em transplantes de medula

Por Agencia Estado
Atualização:

"Onde fica Jaú, minha Nossa Senhora?" Embora pouca gente conheça a localização da cidade do interior de São Paulo, centenas de pacientes com leucemia de todo País ouvem seu nome como indicação de local para tratamento. Nesse município de 120 mil habitantes fica o hospital em que têm a maior chance de cura no País: a Fundação Doutor Amaral Carvalho. É para lá que vai a maioria dos brasileiros com prescrição de transplante de medula óssea. O número de casos atendidos ali não pára de crescer. Em 2000 foram 16. Em 2004, 123. No ano passado, de acordo com o Sistema Nacional de Transplantes, do Ministério da Saúde, 169, um recorde nacional. O Instituto Nacional de Câncer (Inca), por exemplo, fez 80 em 2005. O Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo, 42. O Hospital Israelita Albert Einstein, 35. Hospital Alemão Oswaldo Cruz, 11. Uma das razões do primeiro lugar é o fato de que a fila de espera para a internação, o grande dilema de quem vai se submeter a um transplante, é praticamente inexistente no Amaral Carvalho. O tempo médio de espera para achar um doador que não seja da família é de cerca de seis meses. Para achar um leito de hospital, um ano. Em Jaú, a espera é de dias. "Eles são uns dos poucos centros que disponibilizam todos os leitos (são 280 no total) para o transplante", avalia Luiz Fernando Bouzas, diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea do Inca, que controla o Registro de Doadores de Medula Óssea (Redome). "Além disso, das 42 instituições brasileiras capacitadas para fazer transplante de medula óssea, a unidade de Jaú é a que mais coopera com o sistema todo. Eles estão sempre de portas abertas para pacientes de qualquer lugar do País." Cerca de 60% dos pacientes do Amaral Carvalho são de outros Estados. O campeão é o Ceará, seguido de Santa Catarina, Minas, Amazonas, Maranhão, Paraná e Bahia. Três Dias de Ônibus - A baiana Edilaide de Souza Santos, de 43 anos, saiu de Ipupiara, de 8 mil habitantes, a 612 km de Salvador, para ser transplantada em Jaú. Isso foi em 1º de setembro de 2000. Chegar até lá não foi fácil, e não só pelos três dias de viagem de ônibus. Primeiro, ficou um tempo sem saber que raio estava acontecendo com ela. Os médicos de lá só chegaram à conclusão de que a fraqueza e a febre persistentes eram sintomas de leucemia crônica quase duas semanas depois dos primeiros sinais - a doença produz um crescimento descontrolado das células cancerígenas na medula, mas isso não impede a produção de células normais. A dificuldade maior veio em seguida, porém. "Eu já tinha um doador, minha irmã caçula. Mas não encontrava hospital que fizesse logo o transplante, os leitos estavam todos ocupados", lembra ela. "Em Salvador, só conseguiria vaga depois de um ano. Em Curitiba, a fila era de quatro anos. Quando minha médica me falou de Jaú, me assustei. Onde era esse fim de mundo, meu Deus?" A estranheza durou até os médicos logo explicarem que se tratava de um centro de referência médica em transplante de medula "tão bom quanto os hospitais das grandes cidades". Edilaide, então, não só topou viajar para o seu fim de mundo, como não saiu nunca mais dele - ela hoje mora numa casa erguida pelo marido e seus seis filhos e vende peças de artesanato na feinha de sábado em Jaú. "Nunca fui tão bem tratada como aqui." Mesmo se não tivesse se adaptado tão bem a ponto de morar definitivamente em Jaú, a artesã teria sido obrigada a ficar pelo menos alguns meses na cidade. "Quem passa por um transplante de medula tem de ficar 30 dias internado e mais 90 na cidade", explica Mair Pedro de Souza, hematologista do Amaral Carvalho. "Nesse período, todo cuidado para evitar infecções é pouco. O paciente está sem a capacidade regular de defesa." Depois de um transplante de medula óssea, é como se o sistema imunológico voltasse à estaca zero. O paciente tem de ser revacinado, por exemplo. A nova vizinhança compulsória acabou mexendo com a vida de muita gente em Jaú. Cerca de 40% das casinhas próximas ao hospital foram reformadas para abrigar os pacientes em recuperação. Com o valor mensal que varia de R$ 200 a R$ 600, o convalescente tem privacidade em cômodos adaptados ou em edículas construídas para ele. A professora Solange Pracucci, por exemplo, há três anos construiu três casas a 2 km do hospital. O aluguel de cada uma, com capacidade para até quatro pessoas, custa R$ 500 mensais. Com o tempo, foi fazendo adaptações, a pedido da clientela. "Acabei colocando redes nos cômodos, os nordestinos adoram isso", conta Solange. "Depois, comprei cuscuzeira para o pessoal de Goiás e churrasqueira para os gaúchos." As voluntárias do Amaral Carvalho foram treinadas para vistoriar as moradias temporárias. Uma das regras é que tudo seja lavado com cloro para combater fungos e bactérias. Edredons em vez de cobertores. Água, só filtrada. O mesmo grupo é também treinado para manter o estudo das crianças hospitalizadas em dia. Kelly do Amaral, de 9 anos, na 3ª série, completa hoje um mês de internação. Há uma semana começou a estudar. "Ligo nas escolas e pego todo o material", diz a voluntária Ana Cláudia Volpato. Rede de Doadores - Os pacientes com indicação para o chamado transplante não aparentado são cadastrados pelo Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme). Além de cruzar informações com o Redome e com os bancos de cordão umbilical, o órgão consulta instituições internacionais para achar um doador compatível - Kelly, por exemplo, recebeu a doação do New York Blood Center. O Brasil ganhou uma rede nacional para o cadastro de doadores de medula em 1993. O número de pessoas registradas está em torno de 260 mil - em 2003 eram apenas 45 mil. Em 2001, surgiu o primeiro Banco Público de Sangue de Cordão Umbilical, do Inca. Desde o fim de 2004, o Inca trabalha em parceira com o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, formando uma rede chamada de Brasilcord. "A idéia é que até o fim do ano, pelo menos mais dois centros entrem no Brasilcord, a Unicamp e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, de São Paulo", diz Bouzas. Uma menina de 9 anos que sofria de leucemia e não tinha doador compatível na família foi a primeira paciente a receber transplante de medula óssea de células de sangue de um cordão umbilical proveniente de um banco de sangue de cordão umbilical nacional, em 2004. O transplante foi feito justamente no hospital de Jaú.

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