Idosos e coronavírus: quando a idade e a ameaça viral causam ansiedade e sofrimento

Saber que faz parte do grupo de risco pode ser angustiante para parcela da população

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Por Camila Tuchlinski
4 min de leitura

Há pouco mais de duas semanas, quando o surto de coronavírus atingia em cheio a Itália, o maior número de casos de morte eram registrados na população idosa. Não é à toa que este foi considerado um dos grupos de risco para a covid-19. No Brasil, muita gente acabou subestimando a disseminação do vírus e tentou minimizar os efeitos considerando que a doença “só era mais grave para grupos de risco”.

O psiquiatra Ricardo Abel Evangelista avalia: “No caso de comentários assim serem feitos com seriedade, isso certamente apontaria para uma visão de mundo egoísta e com elevado grau de insensibilidade ao sofrimento do outro, afinal não apenas quem morre da doença sofreu, mas também todos os entes próximos que ficam vivos sentem a perda irreparável” analisa.

Atualmente, o indivíduo chega aos 60 anos de idade com uma certa vitalidade e disposição para realizar as mais diversas atividades. Deixar de fazer essas tarefas e serem obrigados a ficar em quarentena não é fácil. Sylvette Laniado, de 77 anos, está angustiada e apreensiva com a atual situação. “Rezo para não pegar esta doença viral. No momento, trabalho a minha mente para não me deixar influenciar pela enxurrada de noticiário pessimista”, relata ao responder para a reportagem do Estado pelo celular. 

Sylvette Laniado, de 77 anos, que está tomando providências para evitar contágio de covid-19. Foto: Arquivo pessoal

Sobre aqueles que minimizam a situação, a aposentada dá um recado: “Estamos no mesmo barco planetário. Eu sou idosa, mas acho que alguns jovens, dependendo da educação recebida, estão mais conscientes que podem representar um perigo para outros e se importar com seu semelhante. Infelizmente também já houve casos de jovens partirem”. Para ocupar o tempo durante a quarentena preventiva, Sylvette pretende organizar atividades que não a coloquem em risco. “Continuar o máximo que eu puder as minhas atividades de forma virtual, ler, organizar as minhas gavetas e pensamentos, sem esquecer do nosso amigo IR (Imposto de Renda) que deverá ser apresentado e assim por diante. Ah, e sem esquecer os exercícios físicos para manter a saúde”, conclui.  O medo, por si só, não é uma emoção ruim. Em todas as espécies, ele tem a função de preservação da vida. E não é diferente com os humanos, como pondera o psiquiatra Ricardo Abel Evangelista. “Na dose certa, o medo é protetivo pois faz com que o indivíduo adote comportamentos que evitem a exposição ao risco de lesão ou de morte. Contudo, este sentimento pode se tornar excessivo (medo patológico) e aí o sofrimento psíquico e ansiedade são constantes”, afirma. Os idosos podem se sentir mais angustiados por causa do avanço da covid-19, com problemas para dormir, dificuldades para relaxar, pensamentos prevalentes monotemáticos e até outros sintomas físicos. 

Idosos precisam acompanhar informações de qualidade, sem excesso, para não ter ansiedade agravada pelo coronavírus. Foto: Pixabay

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Idoso pode adoecer por excesso de informações?

Com o isolamento, muitos idosos podem se tornar reféns de todo o tipo de informações, via internet, redes sociais, televisão e rádio. Até que ponto isso pode ser prejudicial? Para o psiquiatra Ricardo Abel Evangelista, que é especialista em idosos, acompanhar as notícias é importante, mas é preciso cautela. “Caso a busca por informações se torne algo excessivo, uma verdadeira obsessão, este comportamento pode facilmente alimentar uma espiral ascendente de ansiedade e tensão. Apesar de parecer que a prevenção para tal cenário seja então promover uma alienação dos fatos, isto seria igualmente problemático, pois aí o idoso não teria as informações essenciais para que ele adote as necessárias medidas preventivas contra o contágio pelo vírus”, diz.  Assim, quem está na terceira idade deve se informar o suficiente para entender o que está acontecendo e quais as orientações das autoridades de saúde. Evitar os sensacionalismos sempre é boa prática. 

Dica para os idosos durante a quarentena

Apesar de totalmente justificada, desta restrição de convívio pode derivar sentimento de insegurança e solidão. Da solidão, sentimentos de tristeza.  Manter a comunicação viva por meio de telefonemas, mensagens de texto ou por vídeo-chamadas pode amenizar essas sensações muito paliativamente, mas é o que agora é o mais sensato a se fazer. No cenário de epidemia, as pessoas têm suas rotinas e hábitos sociais drasticamente afetados como cumprimentar com as mãos, dar beijos, abraços e fazer visitas precisam ser evitados.  “São costumes validados culturalmente e ter que suspendê-los pode ser muito estranho para a maioria das pessoas. No caso dos idosos, estes frequentemente estão aposentados e têm rotinas restritas, muitas vezes voltadas para os costumes da família como as habituais visitas para conversar, conviver, ver os netos. Infelizmente, tudo isso deve ser evitado já que os jovens podem mascarar sintomas da infecção e servir de veículo do vírus para os mais velhos, que são mais vulneráveis”, ressalta o psiquiatra Ricardo Abel Evangelista. 

Gabriel Abuhad tem 88 anos de idade e está ansioso com a atual situação de pandemia. Em quarentena voluntária, ele praticamente não está saindo na rua. “Impaciente, pois estou seguindo as recomendações de cautela para idosos e quase não saio de casa. Vou ficar em quarentena e usar o tempo para exercício físico em casa, tocar bandolim, fazer sudoku no celular/computador, ler , assistir noticiário e filmes na TV”, conclui.

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