
10 de junho de 2020 | 11h22
As regiões de São Paulo que foram classificadas no início de junho como áreas da cor "amarela" e que, por isso, puderam autorizar uma maior reabertura comercial na semana passada, enfrentam aumento do número de internações de pessoas por covid-19 em porcentuais de até dez vezes maior do que a média do Estado como um todo. Já os municípios que mantiveram até agora a restrição total, e estão na zona “vermelha”, vivem queda nas novas internações pelo coronavírus. Os dados foram organizados pela Fundação Estadual Sistema de Análise de Dados (Seade), do governo paulista, e compilados pelo Estadão.
O avanço da covid-19 em São Paulo
Pesquisas apontam que o crescimento ou a queda de casos pode ser observado cerca de duas semanas após a adoção de medidas de flexibilização ou restrição da quarentena. Por isso - e pelo fato de o vírus seguir se espalhando rumo ao interior -, não é possível afirmar que o aumento das internações é efeito das medidas adotadas. No entanto, os número levantam o questionamento sobre o momento em que elas foram iniciadas.
O governo do Estado deve anunciar nesta quarta-feira, 10, em entrevista coletiva, mudanças na classificação de cidades, de acordo com os resultados observados até aqui. Procurado, o secretário de Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi, afirmou que os dados estão em análise e que a avaliação será divulgada na coletiva. “Mas sempre avaliamos que as cidades poderiam voltar (à fase anterior de medidas de isolamento)”, disse. Ele não comentou especificamente os dados da Fundação Seade.
A reabertura, batizada de Plano São Paulo, teve início no dia 1º de junho. Nos sete dias anteriores ao dia 31, véspera do início do plano, quando todo o Estado seguia as mesmas regras de quarentena, a região de Barretos, por exemplo, registrou 45 internações de pacientes com os sintomas do coronavírus. Na semana posterior, com lojas de rua, shoppings, bares, restaurantes e cabeleireiros reabertos, houve outras 81 internações. É um aumento de 80%.
Em Presidente Prudente, essa mesma comparação mostra um aumento de 75,6%, passando de 41 para 72 internações por semana. As duas outras regiões que também tiveram a classificação amarela, Bauru e Araraquara, tiveram aumento de 34,5% e 27,1%, respectivamente.
Na média, somando todas as internações ocorridas em todas as cidades paulistas na semana anterior e na posterior ao início do relaxamento da quarentena, houve um aumento de 8% nas internações de pessoas com sintomas de infecção pelo novo coronavírus no Estado na primeira semana de vigência do plano. O total passou de 11,8 mil para 12,8 mil internações.
Já considerando as sete regiões do Estado que foram classificadas como zona vermelhas, em cinco delas o número de novas internações diminuiu, se o mesmo critério de comparação for usado.
A região de Registro, que inclui toda as cidades do Vale do Ribeira, reduziu de 26 para 20 o número de novas internações. Porcentualmente, é a zona com maior queda no número de novos casos de internação: 23,8%.
Na Baixada Santista, a queda foi de 601 para 584 novos casos. Nas cidades de Grande São Paulo, apenas a zona que inclui Guarulhos teve aumento. Nos bastidores do Palácio dos Bandeirantes, havia expectativa de que essa região pudesse ser reclassificada nesta quarta-feira para a cor laranja.
Embora os números de internações estejam em alta, das quatro zonas amarelas do Estado, só a região de Araçatuba teve aumento na taxa de leitos por 100 mil habitantes aumentada entre a semana anterior e a semana posterior ao início da abertura.
A região, que tem menos de 1 milhão de habitantes, passou de 6,4 leitos por 100 mil habitantes para 7,5. Em Barretos, esse total até caiu, de 13,1 para 12,9. Mesma situação de Bauru, onde a taxa oscilou de 6,9 para 6,7 leitos para cada 100 mil pessoas. Em Presidente Prudente, região de moradia de 702 mil paulistas, a taxa ficou estável em 6 leitos para cada 100 mil.
Para efeito de comparação: na cidade de São Paulo, que tem 11,8 milhões de pessoas, a taxa era de 26,1 leitos na semana anterior ao início do Plano São Paulo para 28,4 até o início desta semana.
A capital paulista havia sido classificada como zona laranja, mas só nesta quarta-feira, 10, é que permitiu as primeiras ações para reabertura do comércio da cidade, ficando até aqui com as mesmas regras das cidades de zonas vermelhas. Na comparação entre a semana anterior e a posterior ao início do plano, o número de novas internações caiu 1,38%, de 5.736 para 5.657.
Entre os técnicos do governo Doria, o número de novas internações passou a ter desde a semana passada um peso maior para o indicativo da evolução da doença, uma vez que há expectativa de que o número de novos casos aumente nas próximas semanas por causa do aumento do número de testes na população.
O Plano São Paulo classificou as regiões administrativas do Estado com base em cinco critérios: a taxa de ocupação dos leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), a quantidade de leitos de UTI por 100 mil habitantes, a variação do número de casos, a variação do número de internações e a variação do número de mortes. Quanto melhor nesses níveis, mais relaxado é o isolamento.
Diante do diagnóstico, técnicos estiveram reunidos na noite desta quarta-feira na sede do governo para discutir se mantinham na zona amarela as cidades que tiveram maiores aumentos de casos ou se determinariam a reclassificação delas para a cor laranja.
Os técnicos do governo já haviam indicado, na semana passada, que ao menos Bauru e Barretos poderiam ter a classificação revisada, em decorrência da piora nos indicativos. Mas cidades da Grande São Paulo e a Baixada Santista poderiam avançar de vermelho para laranja.
A secretária de Desenvolvimento Econômico, Patrícia Ellen, destacou que “o Plano São Paulo é um plano de gestão e convivência com a pandemia”. “Por isso”, segue a secretária, “ele está preparado para ter gatilhos para flexibilização de medidas restritivas, mas também para o endurecimento de medidas restritivas. E assim o faremos conforme necessário, nas regiões que apresentarem tal necessidade.”
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10 de junho de 2020 | 11h27
SOROCABA – Pequenas cidades do interior de São Paulo já têm, proporcionalmente, mais casos e mortes pelo novo coronavírus do que a capital e as regiões metropolitanas do estado. Das 19 cidades paulistas com menos de 2 mil habitantes, 13 já registraram casos da covid-19 e em três houve ao menos uma morte. Acostumados a um ritmo de vida mais pacato, em que a morte é um fato raro, anunciado em alto-falante, moradores que nunca viram uma pandemia se dividem entre a incredulidade e o medo.
O avanço da covid-19 em São Paulo
Em Gastão Vidigal, de 4.808 habitantes, na região noroeste do Estado, 36 pessoas se infectaram e seis morreram com a doença. A proporção é de uma morte pelo novo coronavírus a cada 801 habitantes, uma incidência de 124 óbitos por 100 mil pessoas, o mais alto do Estado, seis vezes acima da média estadual. O índice é 30 vezes maior que o de Araçatuba, cidade que é polo regional, e 12 vezes o de Campinas, a metrópole do Interior. Na Capital, epicentro da doença, a taxa é de 29 por 100 mil, ao menos quatro vezes menor que o de Gastão Vidigal.
O prefeito Roberto Carlos Breseghello (PP) disse que a situação ainda pode piorar. “Temos oito moradores internados em estado grave e seis são idosos. Infelizmente, a gente tem essa liderança indesejável e nossos números ainda vão aumentar.” Ele conta que as medidas da quarentena foram rigorosas, com o fechamento do comércio – nos fins de semana só funcionam farmácias e padarias -, igrejas e proibição de reuniões de qualquer tipo. “Decretamos a obrigação de usar máscara, mas nem todos usam. Nossa vontade é de mandar prender”, disse.
Com 1.545 habitantes, a cidade de Santa Salete, no extremo noroeste de São Paulo, a 601 km de capital, tem a maior incidência de casos do novo coronavírus no Estado. Com 18 casos positivos, a média é de uma pessoa doente a cada 85,8 moradores, o que dá uma incidência de 1.165 casos por 100 mil habitantes. No estado de São Paulo, a taxa é de 315 /100 mil e a média brasileira, de 336 casos por 100 mil pessoas. O índice só é comparável ao do estado do Amazonas, de 1.201 por 100 mil, o maior do País. Na cidade, ainda não houve óbito.
Desde que o primeiro paciente da covid-19 foi detectado na Capital, o vírus percorreu 601 km para chegar a Santa Salete, o que mostra como a doença se espalhou e atingiu os recantos mais longínquos do Estado. Das dez menores cidades, sete já tiveram pessoas com a doença, inclusive a menor delas, Borá, com 837 habitantes. Em Uru, a segunda menor, com 1.165 moradores, houve três casos e uma morte. Terceira colocada no ranking das pequenas cidades paulistas com 1.267 habitantes, Nova Castilho também já registrou um óbito. São cidades sem leitos de UTI e pacientes em estado grave têm de ser levados para hospitais de fora.
Dos 18 pacientes de Santa Salete, dois precisaram de internação. Conforme a secretária de saúde, Carla Adriana do Amaral, 13 pacientes são de uma família que se reuniu em uma festa familiar. “Possivelmente alguém estava com o vírus e dias depois dessa festa começaram a aparecer os casos entre os familiares.” Dos parentes que tiveram a doença confirmada, dois precisaram de internação e foram levados para Jales, a 18 km, já que Santa Salete não tem hospital e pronto-atendimento. Um dos pacientes ficou dez dias internados, mas não precisou de UTI. O outro se recuperou em dois dias.
Mesmo com o grande número de casos, a prefeitura enfrenta dificuldade para manter o isolamento. “A cidade é pequena e os moradores compram bebidas e sentam-se nas caçadas, à frente dos mercadinhos, muitas vezes formando aglomerações.” O uso de máscara é obrigatório, mas não é todo mundo que usa, segundo ela. “A população tem dificuldade para acreditar na doença. Mesmo com o que já aconteceu, tivemos de intervir, com apoio do da Polícia Militar e do Ministério Público, para que não houvesse outra festa com número grande de pessoas. Quem ia fazer ainda ficou bravo com a gente.”
O prefeito de Gastão Vidigal diz que, ao contrário do que se pensa, a vida pacata do interior não favorece o isolamento. “Com os bares fechados, as pessoas organizam reuniões em chácaras. A gente fica sabendo dos churrascos em fins de semana, infelizmente, só depois que acontecem.” A explosão de casos, segundo ele teve início após o Dia das Mães, quando muitas pessoas que moram fora retornaram à cidade para ver a família. “A cidade é pacata, tem segurança, então quem sai para trabalhar e se aposenta volta a morar aqui. Por isso temos muitos idosos.”
Na segunda-feira, 8, o serviço de alto-falante da cidade anunciou mais uma morte. A servidora pública Rute Magro disse que sente medo. “Estamos morrendo de medo, pois tenho minha mãe idosa, com enfisema pulmonar. Nem posso ir à casa dela.” Rute mora na casa ao lado da mãe, mas há várias semanas elas não trocam abraços. “Faço comida e levo para ela todo dia, mas passo por cima do muro e a gente se fala assim, pelo muro. É difícil, mas é para a proteção dela.”
O vereador Eduardo Gomes Lagoeiro (SD), presidente da Câmara, conta que o município tomou as medidas possíveis para evitar o vírus. “É uma coisa que a gente nunca viu antes. Fechou tudo aqui, mas tem gente que trabalha fora e pode ter trazido a doença.”
O município tem tradição agrícola e as pessoas se deslocam diariamente para o campo. “O forte aqui é roça, mas não tem caso na zona rural. O problema é na área urbana. À noite, parece cidade fantasma, mas de dia é muita gente na rua, não tem como proibir 100%.”
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