‘Internava ou ele morria’, conta mãe de paciente hospitalizado 36 vezes

Com esquizofrenia e viciado em cocaína e maconha, homem passou por hospitais psiquiátricos a pedido da mãe; hoje está em casa

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Luiz Fernando Toledo e Fabiana Cambricoli
Atualização:
Juntos. Martins e Marília Sandra: paz atípica após 36 hospitalizações Foto: GABRIELA BILO

A aposentada Marília Sandra Martins, de 78 anos, abraça o filho José Oswaldo Martins, de 62, na sala da casa onde moram, na zona norte de São Paulo. Ele havia acabado de ajudar a organizar a residência e se preparava para ir às compras. Há sete meses, um clima de paz atípico se instaurou na família: com esquizofrenia e viciado em cocaína e maconha, Martins já passou por 36 internações em hospitais psiquiátricos a pedido da mãe – em dois dos episódios, após agredi-la fisicamente. 

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Na última, em dezembro de 2016, mesmo com alta médica, Marília foi à Defensoria Pública pedir a prorrogação da internação. Estava desesperada com a ideia de ter de voltar a correr com o filho para lá e para cá em busca de novo tratamento. A defensora pública Daniela Skromov se recusou a fazer o pedido. “Expliquei para a mãe que era ilegal”, diz. 

“Eu não aguentava mais, estava cansada e doente. Principalmente depois que ele me bateu”, justificou a mãe. Era uma das raras baixas na luta de Marília para recuperar o filho da doença e do vício. Dependente químico desde os 15 anos, Martins demonstrava sinais do problema de saúde ainda jovem. “Ele sentia dores de cabeça e corria muito. Até saía na rua pelado”, lembra Marília. O uso da droga, segundo ela, reforçou sintomas da doença. 

Apesar das dificuldades, Martins conseguiu diversos empregos ao longo da vida, embora não ficasse muito tempo em nenhum. “Fui office boy, trabalhei em escritório de contabilidade e até vendi perfume e chocolate na rua. Mas tudo que eu ganhava, gastava em droga”, conta o filho. Entre um emprego e outro, conheceu traficantes e até ajudou a guardar o pó. “Uma vez achei um saco no bolso de uma blusa dele. Na hora pensei que fosse talco. Quando vi que havia também uma quantia em dinheiro, desconfiei e fiz ele jogar tudo fora”, relembra a mãe. 

Vez ou outra, o filho desaparecia por um ou dois dias. “Mas nunca o deixei morar na rua. Quando passava um tempo sumido, eu logo chamava a polícia.” Em um dos episódios, a mãe foi até o Instituto Médico-Legal (IML), pois recebera uma informação de que ele havia morrido, após quatro dias fora de casa. “Fiquei desesperada.”

Doença. O relatório de tratamento mais recente de Martins aponta que, periodicamente, ele “torna-se delirante, desconfiado, hostil e agressivo”. O documento aponta que a primeira internação aconteceu em 1989, no antigo Ambulatório de Saúde Mental Pirituba, onde hoje funciona um Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Ele foi diagnosticado com esquizofrenia e síndrome de dependência. Mas a mãe, umbandista, chegou a acreditou que pudesse se tratar de um espírito maligno. “Fiz de tudo, trabalhos (espirituais), fui ao cemitério, à igreja. Até tentei ser crente”, diz. Em 2013, em uma das situações mais sombrias, Martins, depois de usar droga, agrediu a mãe em casa, com uma série de socos e tapas no rosto. Os vizinhos chamaram a polícia ao ouvir os gritos de Marília. “Quando eles chegaram, começaram a bater no meu filho. Eu gritava pedindo para pararem e disse que ele era doente.” 

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A essa altura, conta a mãe, ela já tinha abandonado as quatro lojas de roupa que possuía e até o centro onde atuava como cartomante. Viúva, começou a ter problemas financeiros. Até um quarto da casa, em outro andar, foi alugado. “Pagava hospital, ambulância, tudo. Tive de vender os móveis da casa e até o carro para poder me manter.” Foi aí que obteve a internação mais longa, de 11 meses, em um hospital da zona norte. Outras internações anteriores duravam entre 15 e 30 dias, de acordo com ela. “Ou internava ou ele morria.”

Ao sair do hospital, Martins deu início a um projeto terapêutico em casa, com visitas periódicas ao Caps de Pirituba. Depois de dois anos, recaiu em outubro do ano passado, com o aumento do consumo de drogas. Estava “desorganizado, hostil no contato e com autocuidado prejudicado”, segundo o relatório médico. Foi aí que a mãe pediu mais uma internação, que durou dois meses.  Sem usar cocaína desde o ano passado, Martins hoje ajuda nas tarefas diárias da casa: lava a louça, limpa o chão e até cuida da mãe, que tem dificuldade para enxergar.

Hoje, ela se diz orgulhosa da luta pelo filho e reclama da atuação de alguns médicos ao longo das internações. “Eu achava que esses médicos eram deuses, mas eles não ajudaram meu filho. Muitos disseram que ele não tinha jeito, que era para eu desistir.” O filho, que agora vive à base de remédios, agradece. “Ela salvou a minha vida.” 

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