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Inventor do bina luta há 13 anos por royalties

Brasileiro que patenteou identificador de chamadas telefônicas aguarda decisão da Justiça para cobrar bilhões de reais de gigantes do setor

Por Vannildo Mendes
Atualização:

Está sobre a mesa do titular da 39.ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro, pronto para ir a julgamento, um caso típico da ineficiência do sistema processual brasileiro - e, em volume de dinheiro, a maior demanda em tramitação no Judiciário. Movida por gigantes do setor de telefonia em 2003, a ação vem prolongando uma disputa, que já dura mais de três décadas, em torno do reconhecimento da patente - e pagamento dos royalties - em favor de Nélio José Nicolai, inventor do identificador de chamadas telefônicas, mundialmente conhecido por bina.

 

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A ação contesta a paternidade do equipamento, desenvolvido por Nicolai em 1977 e patenteado anos mais tarde no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), do Ministério da Indústria e Comércio. No início, as empresas telefônicas recolheram royalties, mas, ao absorverem a tecnologia, pararam de pagar ao inventor, que recorreu à Justiça em 1998 após várias tentativas de acordo. Pela lei, uma patente dura 20 anos antes de cair no domínio comum. Se sair vencedor, Nicolai embolsará um valor estimado, por baixo, na casa de bilhões de reais.

 

Até agora, são quatro sentenças de primeira e segunda instâncias, proferidas pela Justiça do Distrito Federal, que obrigam a Americel (atual Claro), a Ericsson, a Telesp Celular e outras 20 empresas de telefonia a pagar royalties a Nicolai. As duas primeiras, proferidas em 1998 e transitadas em julgado, estão há anos em fase de liquidação, mas até hoje, por conta de um cipoal de recursos, embargos e manobras protelatórias movidas pelas telefônicas, o inventor não colocou um centavo no bolso.

 

O último entrave é uma liminar, concedida pela Justiça Federal do Rio às telefônicas na ação de 2003, que contesta a autenticidade da patente. Com ela, as telefônicas ganharam o direito de adiar o pagamento dos royalties, embora continuem cobrando dos usuários uma taxa mensal pelo uso do bina.

 

O País tem hoje mais de 220 milhões de celulares, todos com identificador de chamada. Pelo uso do serviço, as companhias cobram, em média, R$ 10 por mês de cada usuário. Numa conta simples, se Nicolai embolsasse apenas 10% - ele cobra 25% na Justiça - de royalties, ou R$ 2 de cada aparelho, ganharia R$ 440 milhões ao mês. Multiplique-se esse valor pelos anos seguidos de uso do equipamento, e a conta retroativa chegará a "dezenas de bilhões de reais", segundo cálculos do advogado Luiz Felipe Belmonte.

 

Vencida a pendência, ele cobrará das megaempresas de telefonia em todo o planeta, que igualmente incorporaram a tecnologia do bina nos seus aparelhos sem pedir licença ao dono da patente. No mundo, existem mais de 4 bilhões de usuários de celular utilizando o bina. Isso explica por que todas as companhias estão de olho no desenrolar do caso na Justiça brasileira.

 

Temendo o pior, as gigantes internacionais começaram, há cinco anos, a fazer provisões de recursos, a título de "contingência de segurança", na Bolsa de Valores de Nova York. É uma forma de garantir a valorização das ações, frente a um parecer jurídico da bolsa que aponta provável ganho de causa do brasileiro.

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Conflito. No Brasil, o que há por enquanto é conflito de interpretações entre duas instâncias da Justiça. Para o Tribunal de Justiça do DF, a patente de Nélio está de pé. Para a Justiça Federal do Rio, a autoria da patente é questionável. Isso porque a Ericsson juntou pareceres de três professores da USP nos quais afirmam ter desenvolvido estudos para concretizar o mesmo objeto da patente.

 

O Inpi, acionado pelo Judiciário, admitiu em parecer ter errado e concordou com a existência de "indícios de ausência de atividade inventiva e suficiência descritiva", opinando pelo não patenteamento do bina. Apenas em 2010, com a defesa completa de Nicolai, por meio de novos documentos e análises técnicas, o Inpi voltou atrás e revalidou a patente. Mas o estrago estava feito e a Justiça, diante das decisões ambíguas, desqualificou o órgão, puxou para si a responsabilidade e determinou uma perícia independente, em via de conclusão, para deliberar em definitivo sobre o tema. Por meio da sua assessoria, a Ericsson informou que não comenta demandas judiciais em curso na Justiça, mas confia que vai vencer a causa.

 

No dia 30, às vésperas da decisão no Rio, o TJ-DF deu as duas últimas sentenças favoráveis a Nicolai, condenando 20 empresas a cessar a exploração do bina e a recolher, em favor do inventor, 75% do que faturaram com o identificador. As empresas recorreram. A pendência acabará no Superior Tribunal de Justiça (STJ), cabendo recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). "Estou defendendo o interesse dos meus netos", resignou-se Nicolai.

 

Em caso parecido, engenheiro levou US$ 30 milhões

 

São comuns os questionamentos quanto ao grau inventivo e a aplicação industrial de uma criação de relevante interesse industrial e humano. Entre as demandas famosas, a do engenheiro americano Roberto Kearns (1927-2005), inventor, em 1964, do limpador intermitente de para-brisas de automóveis, assemelha-se à do brasileiro.

 

Kearns criou o temporizador automático com base no funcionamento da pálpebra humana e mudou a vida dos motoristas que, a cada vez que o para-brisas molhava, tinham de acionar uma alavanca.

 

Após mais de dez anos de disputa judicial, em processos contra a Ford e a Chrysler, com ameaças, chantagem e suborno de advogados, as montadoras foram condenadas por apropriação indébita do invento e obrigadas a pagar indenização de US$ 30 milhões a Kearns. O caso, em alguns pontos semelhante à saga do brasileiro pelo reconhecimento dos seus direitos, foi retratado no filme Jogada de Gênio, dirigido por Marc Abraham.

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