
16 de março de 2020 | 10h48
ROMA - Começou com o hino nacional. E depois vieram os acordes de piano, trompetes, serenatas de violino e até batida de panelas - partindo das casas, das janelas e balcões e se propagando pelos telhados.
Finalmente, na tarde de sábado, 14, eclodiu uma salva de palmas em todo o país para os médicos que estão na linha de frente da batalha contra a pior epidemia de coronavírus da Europa.
“Partiu do nosso coração”, disse Emma Santachiara, 73 anos, que apareceu no terraço do seu apartamento num bairro de Roma para aplaudir ao lado de suas netas.
Italians in lockdown all over Italy are keeping each other company by singing, dancing and playing music from the balconies. A thread to celebrate the resilience of ordinary people. This is Salerno: pic.twitter.com/3aOchqdEpn — Leonardo Carella (@leonardocarella) March 13, 2020
Os italianos continuam numa espécie de prisão domiciliar com as restrições extraordinárias decretadas para evitar o contágio.
Desde domingo, o vírus infectou mais de 24 mil italianos e deixou mais de 1.800 mortos, de acordo com dados oficiais - o maior número já registrado fora da China. A Itália fechou todas as suas escolas, bares e restaurantes e restringiu o movimento, salvo por motivos de trabalho, saúde, ou compras de produtos básicos.
Mas a cacofonia que irrompeu pelas ruas, das pessoas presas em suas casas, reflete o espírito, a resiliência e o humor de uma nação que enfrenta a pior emergência nacional desde a Segunda Guerra Mundial.
Como outras crises enfrentadas, o vírus expôs as falhas dos países que atingiu com mais força, seja o reflexo do segredo em que a China está envolta, a atitude do Irã, não dando importância à crise, ou a confusão e fragmentação inicial da resposta italiana.
Mas na medida em que este é um vírus que testa o espírito das pessoas, ele também tem demonstrado a força do caráter do indivíduo.
Na China, motoristas de caminhão patriotas se arriscaram a ser contagiados pelo vírus para trazer comida desesperadamente necessária para os moradores de Wuhan, o epicentro da epidemia. No Irã vídeos mostraram médicos com seus uniformes e máscaras no rosto dançando para não perderem o ânimo.
E na Itália o gesto de gratidão e a música reverberaram pelas ruas vazias, ao passo que feeds na mídia social traziam mensagens encorajadoras e na internet eram postados vídeos sentimentais e bem-humorados.
Na noite de sexta-feira, na hora exata em que as autoridades de saúde atualizam os números dos infectados e mortos no país, italianos das ilhas do sul aos Alpes cantaram o hino nacional e tocaram instrumentos.
Santachiara, em Roma, era um deles.
“Não somos maestros, mas este é um momento de alegria numa hora de inquietação”.
Na internet, um homem exibiu sua nova invenção, um jaleco feito de papelão que o mantinha a um metro de distância de qualquer pessoa ao seu lado.
Outras postagens irreverentes mostravam um papagaio batendo seu bico num espelho com uma legenda “quarto dia de quarentena”, e um pai dizendo como estava feliz por estar em casa com a família enquanto, ao fundo, seus filhos brigavam e gritavam, sufocando a sua voz. Em outro, um adolescente borrifava um perfume em sua roupa para caminhar até a cozinha.
Mas embora os italianos procurassem levantar o ânimo nacional, sem dúvida o clima ainda continuava pesado.
Imagens de enfermeiras caindo de exaustas ou com o rosto machucado com as máscaras apertadas também se espalharam pela internet. Uma imagem que circulou amplamente no sábado mostrava uma enfermeira "ninando" a península italiana nos seus braços.
Pais postaram fotos de unicórnios e arco-íris desenhados pelas crianças com a hashtag “Tudo ficará bem”.
A pressão também estimulou o patriotismo num país que tem uma inclinação para o nacionalismo.
A mídia italiana reportou um aumento de vendas da bandeira italiana. O hino nacional, normalmente limitado ao início dos jogos de futebol, reverberou nas paredes dos “palazzos” às seis horas da tarde da sexta-feira.
Como muitos hinos, é um grito de guerra e sacrifício - no caso italiano contra o império austríaco - e um chamado à unidade depois de ser, por séculos, “oprimida e desprezada”.
Vamos cerrar fileiras
Estamos prontos a morrer
A Itália chamou
Vamos cerrar fileiras
Estamos prontos a morrer.
“Somos italianos e cantar faz parte da nossa cultura”, disse Giorgio Albertini, 51 anos, professor de arqueologia que aplaudia no balcão do seu apartamento no bairro universitário de Milão, dizendo ser esta uma maneira “de sentir uma comunidade e participar da dor coletiva”.
Na sexta-feira, ele cantava "Oh Mia Bella Madunina", uma canção milanesa tradicional sobre o orgulho da cidade, e seu filho de nove anos o acompanhava ao violino.
Em Roma, italianos em quarentena cantam “Bella Ciao” das janelas de casa pic.twitter.com/yCq4iNoeTv — Lucas Rohan (@lucasrohan) March 13, 2020
Em Verona, no sábado, o badalar dos sinos deu lugar aos aplausos, e Cristina del Fabbro, 53 anos, no balcão do seu apartamento, batia palmas ao lado da filha Elisa, 21 anos.
“Queremos agradecer aos médicos e enfermeiros. Eles não podem ficar protegidos em suas casas como nós. Estão cansados e preocupados, mas estão lá para olhar pelos que estão doentes e precisam deles”.
Um vizinho, que instalou uma bandeira italiana no seu balcão, no quinto andar do prédio, gritou: “Temos o melhor sistema de saúde no mundo!”.
Os médicos que estão nas linhas de frente da região sitiada da Lombardia, centro da epidemia na Itália, ouviram e agradeceram as ovações.
“Para nós, o apoio das pessoas é obviamente muito importante”, disse Fabiano Di Marco, chefe do departamento de pneumologia do hospital Papa João 23, em Bergamo.
“Mas mais do que isto, é a mostra de solidariedade dentro do hospital por parte dos médicos que deixaram de fazer outras coisas para se dedicarem aos cuidados desses pacientes”.
Meus vizinhos italianos hoje cantando do balcão!
I miei vicini oggi cantando dai balconi! ♡#italia #torino #coronarvirusitalia #Covid_19 #iorestoacasa #tuttoandrabene pic.twitter.com/cTAcwAMgFa — Ravioli di Manzo (@RavioliDiManzo) March 13, 2020
Em Florença, o tenor de ópera Maurizio Marchini cantou uma serenata para a cidade. Danilo Rossi, primeira viola do La Scala de Milão, tocou seu instrumento no seu balcão adornado com um cartaz onde estava escrito: “Não desistiremos, nós vamos conseguir!”.
Giuliano Sangiorgi, líder da banda Negramaro, deu um concerto para os seus vizinhos do seu balcão. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO.
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