Justiça indeniza família de pedreiro que morreu 5 meses após receber vacina

Claudinei Saggin foi vacinado durante campanha em 2009 para conter surto de febre amarela no RS

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Por Fernanda Bassette , Davi Lira e com colaboração de Felipe Frazão
Atualização:

O Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul condenou a União, o Estado e o município de Marau a pagar solidariamente uma indenização de 300 salários mínimos (R$ 203 mil em valores atuais) por danos morais, R$ 3,6 mil por danos materiais, além de uma pensão de 1 salário mínimo para mãe e filho, por conta da morte do marido 5 meses após ele tomar vacina contra febre amarela. Cabe recurso.Em outra ação, a Justiça também determinou o pagamento de indenização por dano moral de 200 salários mínimos (R$ 135 mil) a cada um dos pais e de 100 salários mínimos (R$ 67,8 mil) a cada um dos dois irmãos da vítima. Também cabe recurso.O pedreiro Claudinei Saggin, que na época tinha 33 anos, foi com a mulher Maria José e o filho Gabriel, de 7 anos, tomar a vacina em uma campanha convocada pelo governo em 2009 por conta de um surto de febre amarela que atingia a região. Na época, 3,6 milhões de pessoas foram vacinadas no Estado, com 6 casos de reação autoimune. Só o de Saggin evoluiu para morte.Ele desenvolveu síndrome de Guillain-Barré, doença autoimune caracterizada por uma reação inflamatória exagerada que atinge o sistema nervoso periférico (que atua nos membros superiores, inferiores, tórax e abdome).A inflamação acarreta perda de força muscular até atingir a musculatura respiratória. Os sinais iniciais são dormência e fraqueza nas pernas e braços, dificuldade para respirar e engolir. Em Saggin, eles surgiram 5 dias após ele tomar a vacina.

Num primeiro momento, Saggin foi apenas medicado. Os sintomas pioraram e ele recebeu o diagnóstico clínico de Guillain-Barré, o que foi confirmado com exames específicos após ele ser encaminhado para um hospital regional, em Passo Fundo.O pedreiro ficou meses internado no Centro de Terapia Intensiva, com progressiva perda muscular. Maria José abandonou o emprego para cuidar do marido, que morreu após três paradas cardiorrespiratórias.Ainda não se conhece a causa específica da síndrome. Uma das hipóteses é que a infecção aciona o sistema de defesa do organismo para produzir anticorpos de maneira exagerada. Por isso, a vacina contra a febre amarela, assim como qualquer outra, pode ser uma possível causa.Caso raro. "A síndrome ocorre geralmente após infecção, cirurgia ou vacinação. Os casos mais comuns acontecem após a vacina contra gripe, varicela, sarampo, antirrábica e hepatite. A de febre amarela é menos comum", diz Marcos Raimundo de Freitas, professor de neurologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).Produzida em Biomanguinhos/Fiocruz há mais de 70 anos, a vacina de febre amarela é exportada para vários países. Reinaldo Martins, consultor científico da unidade, diz que a doença é gravíssima, com taxa de letalidade próxima de 50%."A Amazônia e parte do Centro-Oeste são áreas endêmicas. O vírus circula nas florestas e isso é impossível controlar. A única forma de evitar é a vacina, senão seria uma tragédia", diz.Martins diz ainda que não há nenhum estudo na literatura científica que sustente a associação da vacina contra febre amarela ao aparecimento de doença autoimune. "A síndrome (Guillain-Barré) pode aparecer com ou sem vacina. A vacina contra a febre amarela é questão de saúde pública fundamental para manter a doença sob controle", diz."Há uma resistência geral em associar a síndrome à vacina. Essa é a tese da defesa. Mas apresentamos laudos de uma junta médica que acusaram a ocorrência da síndrome por causa da vacina", diz o advogado Vitor Hugo Oltramari, que representa Maria José.Freitas, da UFF, concorda. "Se ele (Saggin) foi vacinado até 30 dias antes e teve Guillain-Barré, tem de relacionar. Não há dúvida."O Ministério da Saúde e o governo gaúcho ainda não foram intimados da decisão. O ministério informou que a vacina é segura e que, na época, o caso de Saggin foi estudado pelo Comitê Institucional de Farmacovigilância de Vacina e a análise não chegou a um resultado conclusivo: não confirmou nem descartou a associação da síndrome à vacina. A reportagem não conseguiu contato com a Prefeitura de Marau.

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