Mães empreendem à espera dos filhos na hemodiálise

Projeto torna mais produtivo e leve o período em que acompanhantes aguardam tratamento de pacientes pediátricos

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Foto do author Leon Ferrari
Por Leon Ferrari
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Para crianças com doenças renais crônicas, as cerca de quatro horas ligadas à máquina de hemodiálise, que funciona como um “rim artificial”, são vitais na espera por um transplante. Já para os pais ou responsáveis que as acompanham, é um período de ociosidade, por vezes repleto de tensão. Desde 2012, no Hospital Infantil Darcy Vargas (HIDV), no Morumbi, zona sul de São Paulo, o projeto Mamãe que Fez tornou a espera do cuidador mais produtiva e passou até a ser uma opção de renda complementar a quem deixa de trabalhar para cuidar dos pequenos.  Monica Mallart, de 57 anos, Solange Maria Mendonça Piantino, de 65, e Terezinha Gagliardi Nesi, de 73, da Associação das Voluntárias do HIDV (as Amarelinhas), ensinam técnicas de costura e bordado aos cuidadores e comandam a produção de peças que são vendidas em bazares, uma página do Facebook e uma banca de jornal, na Rua Américo Alves Pereira Filho, 486, também no Morumbi. O lucro é completamente revertido para as mães – algumas tiram até R$ 1 mil ao mês. Além da renda extra, funcionários do hospital apontam que a iniciativa trouxe mais leveza ao tratamento e elevou a autoestima das mães. 

Mônica Mallart é idealizadora do projeto Mamãe que Fez,a pais e responsáveis de crianças que passam por hemodiálise Foto: Felipe Rau/Estadão - 02/03/2022

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As crianças tratadas no Darcy Vargas precisam fazer diálise ao menos três vezes na semana. No centro de hemodiálise do hospital, o abatimento dos cuidadores é perceptível e contrasta com o olhar sorridente dos profissionais de saúde, que tentam deixar o clima na sala mais leve. Em silêncio, pais e responsáveis contam os minutos para ver as crianças “desplugadas” das máquinas.  Monica sentia que os cuidadores, durante o período de espera, ficavam “bem apáticos”. “Essas mães são muito jovens para ficarem paradas”, pensou. Formada em Administração e com facilidade para trabalhos manuais, ela idealizou o Mamãe que Fez. Monica sabia que a proposta tinha potencial, afinal, teria um fator motivacional: a renda. Muitos daqueles que acompanham o tratamento das crianças precisam largar emprego e estudos. Isso porque as horas em diálise são apenas uma parte do tratamento de pacientes renais crônicos, que exigem, por exemplo, uma dieta especial, além de tomarem uma série de medicamentos. Aos poucos, a voluntária comprou materiais e captou doações para entregar kits às mães. Sentada junto a elas, ao lado da máquina de diálise, ensinou técnicas de costura e bordado. Com o tempo, as primeiras peças foram ficando prontas. Além de ficarem com todo o lucro das vendas, os cuidadores têm acesso gratuito à matéria-prima e às ferramentas.  A dedicação se transforma nas peças, que, segundo funcionários do hospital, às vezes nem chegam aos bazares, pois são reservadas por eles ainda em meio à produção. Jackceline de Oliveira Andrade Ferreira, de 35 anos, conta, feliz, que chegou a tirar R$ 500 num mês. “Deu para pagar duas contas ali de casa, fiquei muito feliz. Eu quase chorei quando peguei o dinheiro.”  Desde 2019, ela acompanha o tratamento do filho Enzo Gabriel, de 3 anos. “Vivo para ele hoje”, conta ela, que teve de largar os estudos para se dedicar aos cuidados do menino.  Já Sara de Freitas Mendes Rogoza, de 33 anos, que passou a fazer parte da iniciativa neste ano e ainda está se acostumando, vê o projeto como um “começo” e está ansiosa para aprender mais. “Parei minha vida. Minha prioridade é ela”, diz referindo-se à sobrinha Vitória, de 4 anos.  A psicóloga do centro de diálise do Darcy Vargas, Dyana Graziela Calijurio Kavaliauskas, aponta que, além da renda, o projeto deixa mais leve o ambiente. Estudos nacionais e internacionais indicam a alta carga de estresse de pais que acompanham os filhos em hemodiálise. A psicóloga destaca que alguns desenvolvem sintomas depressivos e ansiosos.  “Quando as mães e pais entram lá (no centro de hemodiálise), relatam que é como estar em um túnel escuro. Você não vê o fim”, explica Dyana. “Algumas crianças ficam 6 meses, mas algumas já ficaram 5 anos. Você entra sem saber quando vai terminar.”  A leveza, destaca, vem da ressignificação da doença, que, com a capacitação do projeto, se torna também um momento de aprendizagem. Dyana avalia que, ao dar perspectiva ao cuidador, o projeto também ajuda no tratamento. “Se a mãe não estiver bem, não tem como o filho estar bem”, explica. 

Como replicar

Desde a criação do Mamãe que Fez, Monica diz almejar que outros hospitais fizessem iniciativas semelhantes. A proposta é adequada para acompanhantes e pacientes adultos em tratamento de doença crônica, que permanecem mais tempo na instituição hospitalar. É preciso fornecer kits de costura e material para os aprendizes, que devem ser acompanhados por um voluntário com experiência em trabalhos manuais. A parte mais difícil, conta Monica, são as vendas. Por isso, indica que se pense nas necessidades do público-alvo consumidor.

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